O plenário do Senado já cassou dois presidentes da República, mas ainda nenhum ministro do STF, apesar da avalanche de pedidos nos últimos anos.| Foto: Marcos Oliveira/Senado Federal do Brasil
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Enquanto uma petição virtual pelo impeachment do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), se aproxima de um milhão de assinaturas na plataforma Change.org, cresce o interesse sobre como esse processo seria conduzido. Moraes, que lidera a lista de 59 pedidos de impeachment de ministros do STF atualmente registrados no Senado, com 23 solicitações, enfrentará mais um pedido a partir de 9 de setembro, quando será protocolado e a lista de adesões concluída.

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Se o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), aceitar o pedido de impeachment contra Moraes, será iniciado um trâmite rápido que poderá durar cerca de um mês para analisar a denúncia, debatê-la, permitir a defesa e, finalmente, julgá-la no plenário com todos os 81 senadores, sendo necessários dois terços (54) dos votos para a sua condenação.

Esse 24º pedido de impeachment contra Moraes ganhou força após a divulgação pela Folha de São Paulo de mensagens sugerindo que o magistrado teria utilizado o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de forma informal para embasar inquéritos contra cidadãos e políticos aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Essa é mais uma tentativa de avançar no Congresso o debate sobre o ativismo judicial e o impedimento de um membro da Suprema Corte, tema que tem ganhado força na sociedade nos últimos anos diante de uma série de fatos.

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Até hoje, o Senado já afastou dois presidentes da República em 1992 e 2016, atuando como a instância final de julgamento. A Constituição Federal reserva ao Senado um papel ainda mais exclusivo e até agora inédito quando se trata de ministros de tribunais superiores e do chefe do Ministério Público Federal. Esses processos semelhantes aos dos presidentes da República são também tanto políticos quanto jurídicos, mas iniciados e concluídos apenas pelo Senado, conforme o artigo 52 da Constituição e a Lei do Impeachment (1950).

Mas Pacheco até agora não deu sinais de que pode levar o processo adiante. Ele tem interesses pessoais e políticos que podem ser atrapalhados por esse processo. Cogita-se, por exemplo, que ele conte com o apoio do PT para assumir um ministério ou lançar sua candidatura ao governo de Minas Gerais.

Atuação política de Moraes e julgar sem declarar-se impedido são hipóteses de impeachment

A Lei nº 1.079/1950 prevê cinco situações para abertura de processo de impeachment contra ministros de tribunais superiores:

1. Proferir julgamento em causa em que seja suspeito;
2. Exercer atividade político-partidária;
3. Ser negligente no cumprimento dos deveres do cargo;
4. Proceder de maneira incompatível com a honra, dignidade e decoro do cargo;
5. Cometer outros atos definidos como crimes de responsabilidade.

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Qualquer cidadão pode apresentar uma denúncia, que deve ser acompanhada de provas ou testemunhas. Se o pedido for aceito pelo presidente do Senado, uma comissão especial de 21 senadores será formada para analisar a denúncia. Esse colegiado deve se reunir em até 48 horas para eleger o presidente e o relator e, em até 10 dias, elaborar um parecer sobre a admissibilidade da denúncia, que será lido no plenário do Senado, publicado no Diário do Congresso e distribuído entre os senadores.

A votação do parecer ocorrerá na sessão seguinte, em discussão única e votação nominal, sendo aprovado por maioria simples, ou seja, pelo menos 21 senadores. Se a denúncia for admitida, o Senado enviará cópias do material ao denunciado, que terá 10 dias para apresentar sua defesa. Após as respostas e explicações do denunciado, a comissão emite novo relatório em até 10 dias, que também requer maioria simples para ser aprovado.

A defesa e a acusação podem participar de todas as etapas do processo, incluindo o direito de inquirir e contestar testemunhas. Se a denúncia for julgada procedente, o ministro é suspenso do cargo até a decisão final, com perda de um terço de seus vencimentos, que serão devolvidos em caso de absolvição, além de poder enfrentar acusações criminais.

Para o julgamento final no plenário, que pode resultar na destituição definitiva do cargo, são necessários dois terços dos votos dos senadores (54). Na sessão especial, o processo é lido, as testemunhas são ouvidas e há um debate oral. Os senadores então votam respondendo “sim” ou “não” à pergunta: “Cometeu o acusado o crime que lhe é imputado e deve ser condenado à perda do seu cargo?” Se aprovado, o impeachment resulta na destituição imediata do cargo e na inabilitação temporária para quaisquer funções públicas, por até cinco anos, período que será definido pelo plenário logo após a condenação.

Especialista aponta necessidade de mudar regimento para impeachment avançar

Segundo o cientista político Ismael Almeida, o principal obstáculo à deflagração do rito previsto pela Lei do Impeachment para ministros do STF é a recepção dos pedidos centralizada nas mãos do presidente do Senado.

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“Embora a lei determine que a denúncia seja encaminhada à Mesa Diretora, composta por 11 membros, o presidente acaba sendo uma barreira ao avaliar individualmente se a denúncia deve avançar ou não, enquanto ele deveria apenas conferir se formalidades foram atendidas. Assim, a Mesa só se manifestaria se o presidente encaminhasse a denúncia a ela, o que nunca ocorreu até hoje”, resume.

O hábito de Rodrigo Pacheco e seus antecessores de reterem as denúncias e encaminhá-las à Advocacia-Geral do Senado para que façam pareceres de mérito é o principal argumento em defesa de um Projeto de Resolução do Senado para mudar essa realidade, o PRS 11/2019. A proposta, apresentada pelo ex-senador Lasier Martins (Podemos-RS), visa garantir que a Mesa conheça todas as denúncias, evitando que a decisão de prosseguir fique exclusivamente com o presidente. A proposta, hoje parada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), é vista como divisor de águas para viabilizar pedidos de impeachment.

O projeto já foi designado ao ex-senador Antônio Anastasia (PSD-MG) e ao senador Marcos Rogério (PL-RO) como relatores, mas ambos não deram continuidade à tramitação. Atualmente, está sem relator, embora Espiridião Amin (PP-SC) tenha manifestado interesse em assumir a responsabilidade. Seu pedido ganha força em meio à campanha da oposição pelo impeachment de Moraes.

Para alguns analistas, a mudança no regimento também poderia aliviar a pressão sobre o presidente do Senado, permitindo que pedidos tramitassem sem depender de sua decisão individual. Há o entendimento de que, uma vez aberto, um processo de impeachment contra qualquer autoridade dificilmente resultaria em absolvição.