Agenda dos partidos de esquerda, o imposto sobre grandes fortunas (IGF) ultrapassou a barreira das propagandas eleitorais e chegou, no início de outubro, ao Supremo Tribunal Federal (STF). A judicialização do tema se deu por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), protocolada no STF pelo Partido Socialismo e Liberdade (Psol).
A tributação sobre grandes fortunas é prerrogativa da União, de acordo com o artigo 153 da Constituição Federal, de 1988. Desde então, porém, o Congresso Nacional não aprovou lei complementar que estabeleça regras para a cobrança do imposto. Por isso, até hoje, não existe taxação sobre o que o texto chama de "grandes fortunas".
A ausência de regulamentação, tantos anos depois, é justamente o argumento utilizado pelo Psol para recorrer à via judicial. A ação protocolada pelos advogados do partido aponta que a cobrança do imposto sobre grandes fortunas é uma "aplicação dos objetivos fundamentais da nossa República", citando os preceitos constitucionais de construção de uma sociedade livre, justa e solidária, além da erradicação da pobreza e da redução de desigualdades.
Por isso, o partido pede para que o STF declare a omissão do Congresso em instituir o imposto, e que determine que a regulamentação tramite com prioridade na Câmara dos Deputados. A relatoria do processo ficou a cargo do ministro Marco Aurélio Mello, que pediu que a Advocacia-Geral da União e a Procuradoria-Geral da República se manifestem sobre o tema.
Defensores do imposto sobre grandes fortunas falam em justiça tributária
O Brasil, de fato, é pródigo em perpetuar desigualdades. Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgado no ano passado, mostra que a desigualdade de renda no país é uma das mais altas no mundo. Segundo a pesquisa, para além de a renda ser muito concentrada nos mais ricos, esses grupos explicam 51,5% da desigualdade total brasileira. Em outros países, esse índice é menor do que 50%.
O sistema tributário brasileiro contribui para esse cenário por ser regressivo, ou seja, por penalizar mais os que ganham menos. "O Brasil tributa muito o consumo, e pouco o patrimônio. Com isso, os ricos não são realmente onerados. É um disparate", opina Sarah Linhares, professora de Direito e Processo Tributário da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst ). Na visão dela, o IGF poderia melhorar o cenário, tributando mais os ricos e ajudando a diminuir a desigualdade.
Na prática, imposto sobre grandes fortunas pode não ser tão vantajoso
"À primeira vista, a proposta parece interessante em termos de capacidade contributiva e de equidade. É óbvio que, para o contribuinte, o mais correto é que os que têm maior capacidade econômica paguem mais impostos", concorda Juciléia Lima, advogada e professora de Direito Tributário da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Ela pondera, no entanto, que na prática o imposto sobre grandes fortunas pode não funcionar como esperado. "Não podemos esquecer que vivemos em um momento em que o fluxo de capital é volátil e rápido, sem barreiras. Um capital que hoje está no Brasil pode estar, amanhã, em outro lugar do mundo", justifica.
A prática de transferir capital de um país para outro – e, assim, evitar a tributação – tornou-se evidente na França. Em 2013, o ator francês Gérard Depardieu se naturalizou russo justamente para não pagar impostos sobre sua fortuna.
"Na França, houve uma fuga de milionários. E no Brasil vai acontecer a mesma coisa, porque o imposto não pode ser cobrado do dia para a noite. O governo vai ter que estabelecer um prazo, o que vai dar tempo suficiente para que os detentores de grandes fortunas movam seu dinheiro para outro país", afirma Gabriel Quintanilha, professor da FGV Direito Rio.
Mesmo sem tributar as grandes fortunas, o Brasil já é um dos países campeões na "fuga de milionários" no mundo. De acordo com levantamento feito pelo banco AfrAsia em parceria com a organização New World Wealth, o país é o sétimo com a maior saída de patrimônio entre os que têm mais de US$ 1 milhão. Em 2018, segundo o estudo, 1% dos milionários "fugiram" do país. Os motivos são vários. Entre eles estão segurança, preocupações econômicas, oportunidades e, também, os impostos.
O que é uma grande fortuna?
Outro problema, caso o imposto seja de fato regulamentado, diz respeito a estabelecer a quantidade de patrimônio que seria considerada uma "grande fortuna". Para Leandro Schuch, sócio do escritório N. Tomaz Braga & Schuch Advogados Associados, a definição pode acabar resultando em bitributação – quando há incidência de dois tributos sobre uma mesma mercadoria ou ato.
"Já temos o IPTU, que incide sobre a propriedade e leva em consideração a capacidade contributiva. No caso dos veículos automotores, temos o IPVA. São hipóteses de incidência que competem. [O Imposto sobre Grandes Fortunas] é um imposto muito mais simbólico do que eficiente", diz.
Na opinião de Sarah Linhares, porém, a dificuldade na conceituação não é justificativa para que o imposto não seja instituído. "Definir o que é renda também é muito complicado, e nem por isso o Estado deixa de cobrar impostos. Vamos ter que estabelecer parâmetros objetivos sobre o que seria uma grande fortuna", defende.
O que pode acontecer no STF
O pedido do Psol ao STF é para que a regulamentação do imposto tenha tramitação prioritária no Congresso. Isso não impede, porém, que o Supremo decida por regulamentar ele mesmo como será realizada a tributação, enquanto o próprio Congresso não aprove legislação sobre o tema. Foi o que ocorreu no caso da criminalização da homofobia e da transfobia, em junho deste ano.
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