Ouça este conteúdo
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse recentemente que a reforma trabalhista aprovada pelo Congresso em 2017 foi "dura demais" para os sindicatos. "Havia um poder excessivo nos sindicatos, mas o outro lado [o dos patrões] formou maioria e levou o pêndulo para um lado que, agora, precisa ser reorganizado em um ponto de equilíbrio”, declarou o parlamentar, durante uma videoconferência. A fala de Maia pode servir de estímulo para que a Câmara discuta ainda em 2020 um projeto que tramita na Casa para reformular as regras do sindicalismo no Brasil. E que pode trazer de volta alguma forma de imposto sindical.
A iniciativa, que é uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), foi apresentada pelo deputado Marcelo Ramos (PL-AM) no ano passado. O projeto superou, ainda em 2019 a primeira fase de sua tramitação: foi aprovado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). Mas travou no início do segundo passo, a formação da comissão especial para o seu debate.
A PEC, entre outros pontos, acaba com a unicidade sindical; ou seja, permite que uma categoria seja representada por mais de um sindicato em uma mesma base territorial. Também exclui a obrigatoriedade de que os sindicatos tenham de ter autorização do poder público para funcionar. E, em um dos pontos mais controversos, a PEC continha um dispositivo que criava uma espécie de imposto sindical – a destinação da remuneração de um dia de trabalho de cada empregado com carteira assinada para os sindicatos, que foi abolida com a reforma de 2017.
Novo imposto sindical saiu da PEC, mas há quem queira a volta dele
O texto de Marcelo Ramos dizia que "é obrigatória a participação das entidades sindicais na negociação coletiva de suas respectivas representações, que será custeada por todos os seus beneficiários e descontada em folha de pagamento". O trecho acabou excluído do texto final da PEC na CCJ, por iniciativa do deputado Fábio Trad (PSD-MS), relator da proposta.
A retirada do dispositivo, porém, não representa uma vitória definitiva para os adversários da contribuição sindical. Parlamentares contrários à iniciativa dizem que a exclusão do trecho foi resultado de um acordo, não uma decisão final.
"Aquilo foi uma manobra para que o projeto saísse da CCJ. Mas agora eles querem dominar a comissão especial e colocar um relator deles para conduzir o assunto, e inserir de novo a ideia do imposto", afirmou o deputado Paulo Eduardo Martins (PSC-PR), que é contrário à contribuição obrigatória.
O "eles" a que o deputado se refere é o Centrão. Um dos integrantes do Centrão da Câmara é o deputado Paulo Pereira da Silva (Solidariedade-SP), que é ligado à Força Sindical, uma das principais centrais do país. Ele foi alvo de uma ação da Polícia Federal no dia 14, que apura possíveis crimes eleitorais.
Autor da PEC, Ramos rejeita a abordagem de que sua proposta vise a retomada do imposto sindical. "Nunca houve desejo de retomar qualquer contribuição obrigatória. Todas as contribuições sindicais devem ser voluntárias", afirma.
O deputado, porém, reforça as críticas de Rodrigo Maia ao que chamou de "desequilíbrio" provocado pela reforma trabalhista: "A reforma trabalhista tirou fonte de financiamento dos sindicatos de trabalhadores, mas manteve o sistema S que acaba sendo uma fonte de financiamento dos sindicatos patronais. E isso desequilibrou mais ainda uma relação que já é desequilibrada na origem", afirma.
"O próprio TST [Tribunal Superior do Trabalho] já tem precedentes de contribuições voluntárias vinculadas aos benefícios não salariais conquistados pelas convenções coletivas. Esse pode ser um caminho para o reequilíbrio", acrescenta Ramos.
O relator da PEC espera que a votação da proposta ocorra ainda em 2020. "Acredito que, quando a Câmara retomar as sessões presenciais, a comissão especial será instalada. Vamos tentar votar até o fim do ano, mas não é uma construção fácil porque teremos pouco tempo e uma eleição no meio disso", diz.
"Com esse Congresso, volta da contribuição é impossível", diz petista
O temor de parte dos deputados em relação à volta da contribuição sindical obrigatória não é endossado por um defensor da iniciativa, o deputado Bohn Gass (PT-RS), que é vinculado ao movimento sindical e foi um dos fundadores da Central Única dos Trabalhadores (CUT). "O Congresso que está aí hoje em dia quer enfraquecer as entidades, enfraquecer os direitos dos trabalhadores. Com esse Congresso, a volta da contribuição é impossível", afirma.
O petista diz que, mesmo sendo favorável à retomada do imposto sindical, o assunto não figurará entre as prioridades suas e de seu partido nos debates sobre o universo do trabalho. "Mais importante do que votar uma nova lei sindical, nós temos que combater o que foi feito. Temos que desfazer os estragos à CLT. Precisamos lutar para permitir que os sindicatos voltem a participar dos processos de demissão dos trabalhadores, para evitar qualquer retirada de direitos."
Gass defende a retomada da contribuição sindical por entender que "qualquer entidade que luta pelos trabalhadores precisa ser financiada por toda a categoria".
Já o deputado Paulo Eduardo Martins é da opinião de que a extinção do chamado imposto sindical "não oprimiu nenhum trabalhador" e afetou apenas os "sindicatos sem credibilidade".
O deputado pelo Paraná diz que é possível haver, na Câmara, a reprodução do ambiente da reforma trabalhista – que foi aprovada com uma margem de votos relativamente tranquila em 2017. Mas, para que o imposto sindical realmente não avance, ele diz que é necessário o empenho do governo. "É preciso que o governo perceba o quanto isso é danoso para o país e realmente se mobilize contra a ideia."
Governo não avançou em propostas para a área
A readequação de normas trabalhistas tem sido um dos focos de governo e Congresso durante o período da pandemia de coronavírus. Medidas provisórias (MPs) que abordam flexibilização nas jornadas de trabalho e outros tipos de legislação foram discutidas por Legislativo e Executivo ao longo dos últimos meses.
Antes da deflagração da pandemia, porém, a questão sindical não figurou entre as prioridades do governo. A gestão Bolsonaro chegou a editar, no ano passado, uma MP que impedia o desconto da contribuição sindical (ainda que voluntária) nas folhas de pagamento dos trabalhadores, mas o projeto não foi transformado em lei pelo Congresso e deixou de ter validade. A senadora Soraya Thronicke (PSL-MS) anunciou que apresentaria uma proposta com o mesmo teor da MP que caducou, mas ainda não efetivou a iniciativa.
Em setembro do ano passado, a Secretaria de Previdência do Ministério da Economia anunciou a criação de um grupo de trabalho para "avaliar o mercado de trabalho brasileiro sob a ótica da modernização das relações trabalhistas e matérias correlatas". O colegiado teria o objetivo de apresentar sugestões para uma nova abordagem para o campo sindical. O grupo encerrou suas atividades em 10 de dezembro sem que nenhum de seus trabalhos fosse tornado público.
Segundo o Ministério, a equipe produziu "documentos preparatórios" e está desfeita, podendo ser convocada para "novas reuniões para discussão e atualização dos relatórios, à luz dos efeitos da Covid-19 no mercado de trabalho".