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Bomba de combustivel em posto da Petrobras – frentista – alcool – gasolina
Bomba de combustivel em posto da Petrobras – frentista – alcool – gasolina| Foto: Daniel Castellano/Arquivo/Gazeta do Povo

O presidente Jair Bolsonaro fez um desafio aos governadores: prometeu zerar os tributos federais que incidem sobre gasolina e diesel caso os governadores fizessem o mesmo com o ICMS. Mas eliminar a tributação sobre os combustíveis não faz sentido, por uma série de razões.

A arrecadação dos estados depende do ICMS sobre combustíveis

Inicialmente, Bolsonaro declarou que a tributação é a responsável pelos altos preços cobrados na bomba e deveria ser cobrada na refinaria, e não no ato da venda no posto de combustível, como ocorre atualmente. Mais tarde, o presidente propôs a eliminação de qualquer imposto sobre os combustíveis.

Contudo, possíveis mudanças no ICMS de combustíveis têm encontrado resistência por parte de governos estaduais, já que eles representam cerca de 20% da arrecadação total desse imposto nos estados.

Além disso, o ICMS é a principal fonte de arrecadação das unidades da federação, representando 85% da arrecadação com todos os tributos estaduais. Esses números mostram que, para zerar o ICMS dos combustíveis os estados teriam que abrir mão, em média, de cerca de 15% de sua arrecadação total.

A arrecadação de todos os tributos estaduais das 27 unidades da federação alcançou a cifra de R$ 566,9 bilhões em 2018, de acordo com boletim do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). Desse total, R$ 479,7 bilhões vieram do ICMS.

Mais: não é de hoje que os estados vem apresentando dificuldades em controlar suas contas públicas. Segundo o Boletim de Finanças dos Entes Subnacionais de 2019, do Tesouro Nacional, há no Brasil apenas um Estado com nota de capacidade de pagamento (Capag) A, o Espírito Santo.

Outros nove estados receberam a nota B, 14 nota C e três – Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro – nota D. Apenas estados com Capag A ou B podem contrair empréstimos com garantia da União.

Subsídios distorcem o sistema de preços

Ao zerar a tributação sobre os combustíveis, tanto o governo federal como os estados teriam de compensar essa queda de arrecadação, cobrando mais impostos de outros setores ou então cortando despesas do governo. Na prática, a medida proposta por Bolsonaro funcionaria como um subsídio aos preços da gasolina e do diesel.

Segundo o economista e colunista da Gazeta do Povo Pedro Menezes, quando se criam subsídios os preços deixam de responder a condições de mercado, a fatores de produção e de produtividade, e sim a uma legislação.

“Os incentivos dos sistemas de preços ficam distorcidos e passa-se a tomar decisões de produção que não necessariamente refletem os fatores de produção”, diz.

Ele complementa afirmando que, para alguém ser subsidiado, outros precisam pagar por isso. “Se um grupo contribuirá menos para a receita pública, haverá uma desvantagem de um grupo para outro”, complementa.

Essa, entretanto, não seria a primeira vez que um presidente distorce o preço dos combustíveis por meio de sua tributação. Um exemplo se deu na política de preços da Petrobras durante o governo Dilma.

Quando os preços dos combustíveis começaram a aumentar por causa de uma valorização do preço do barril de petróleo e também com a alta do dólar frente ao real, o governo passou a desautorizar a estatal a repassar esses aumentos.

Para isso, inicialmente, foram reduzidos tributos que incidiam na gasolina. Isto é: os preços se mantiveram à custa de menor arrecadação do governo. “Mas quando a Cide foi zerada, em meados de 2012, e o governo continuou a bloquear os aumentos naturais do preço da gasolina, a Petrobras simplesmente deixou de repassar os aumentos de preços na proporção necessária e fazia isso por determinação política do governo” diz João Villaverde, autor de Perigosas Pedaladas.

Estimular o consumo de combustíveis fósseis prejudica o meio ambiente

Essa distorção no sistema de preços também pode prejudicar o meio ambiente. Ao zerar os impostos dos combustíveis fósseis para que seu preço diminua, cria-se um incentivo para que as pessoas deem preferência aos derivados de petróleo.

Dessa forma, outras fontes renováveis de energia ficam menos interessantes economicamente, como álcool, biodiesel de óleos vegetais e de algas, biomassa, entre outros. Veículos movidos a diesel poluem sete vezes mais o meio ambiente e a emissão de suas partículas também é mais nociva à saúde.

Tributos e preços no Brasil não estão entre os maiores do mundo

Há uma tendência global de avaliar o impacto de medidas de políticas públicas por meio de dados e evidências. Porém, a proposta de Bolsonaro não tem paralelos no mundo.

Quando comparamos o Brasil com os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), por exemplo, a atual taxação de gasolina e diesel brasileira nem sequer ficaria entre as 30 maiores.

Além disso, o preço do combustível brasileiro não é tão distante da média dos países da OCDE: tanto a gasolina como o diesel vendidos no Brasil não estão na metade mais cara. Considerando-se um outro ranking, do site GlobalPetrolPrices, o Brasil tem a 85.ª gasolina mais cara do mundo, de uma lista de 164 países.

Com o baixíssimo crescimento da produtividade, o PIB per capita brasileiro corresponde hoje a pouco mais de um quarto do americano, quando em 1980 equivalia a quase 40%. Assim, o brasileiro sente mais o peso do preço do combustível porque, em relação à média internacional, ficou mais pobre.

Se é inviável, por que Bolsonaro propõe o subsídio?

O Supremo Tribunal Federal (STF) dá sinais de que deve declarar inconstitucional a tabela de frete. Essa tabela, demanda antiga da categoria, foi criada após a paralisação da categoria em 2019, mas foi duramente criticada por especialistas e pelos empresários que contratam o transporte de cargas. Além de encarecer o serviço, a tabela contraria um fundamento da República (a livre iniciativa) e um princípio geral da atividade econômica (a livre concorrência), ambos estabelecidos na Constituição.

Diante dessa tendência, a declaração de Jair Bolsonaro – que apoiou a greve dos caminhoneiros e por eles foi apoiado nas eleições, meses depois – pode ter duas motivações políticas simultaneamente.

A primeira é indicar apoio à categoria, sinalizando que, ainda que o STF derrube a tabela de frete, há uma alternativa que pode ajudar o bolso dos caminhoneiros.

A segunda é sugerir que essa alternativa depende apenas da "boa vontade" dos governadores. Dessa forma, pode rivalizar com nomes que pintam como possíveis concorrentes ao Palácio do Planalto em 2022, entre eles Flávio Dino (PCdoB), do Maranhão, e os tucanos João Dória, de São Paulo, e Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul.

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