O Senado aprovou nesta quarta-feira (29) o projeto que modifica a Lei de Improbidade Administrativa e que, para especialistas, dificulta o combate à corrupção. O texto, por exemplo, prevê punição apenas para condutas consideradas intencionais (dolosas) e deixa de fora ações negligentes ou imprudentes, ainda que causem danos materiais ao Estado.
A aprovação ocorreu, inicialmente, em votação simbólica com votos contrários dos senadores Alvaro Dias (Podemos-PR), Eduardo Girão (Podemos-CE), Styvenson Valentim (Podemos-RN), Lasier Martins (Podemos-RS), Regufe (Podemos-DF), Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Marcos do Val (Podemos-ES) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE).
Contudo, sob a alegação de inexistência de acordo para a votação simbólica, Vieira, apoiado por Rodrigues, Girão, Dias e Izalci, entrou com pedido de verificação para a matéria ser votada nominalmente, o que ocorreu. O texto foi aprovado entãso por 47 votos favoráveis e 24 contrários.
O texto apreciado pelo Senado é diferente do que foi aprovado pelos deputados em junho e, portanto, deve retornar à Câmara para nova análise.
O que mudou na proposta aprovada pela Câmara
Algumas mudanças foram incluídas de última hora pelo relator da matéria, o senador Weverton Rocha (PDT-MA), após reuniões com senadores contrários à proposta e entidades da sociedade civil, como a Transparência Brasil e o Instituto Não Aceito Corrupção, na tarde desta terça-feira.
Em relação à versão aprovada pela Câmara dos Deputados, foram incluídas no texto alterações quanto ao prazo para investigação de atos de improbidade administrativa. O prazo de 180 dias previsto no projeto da Câmara foi aumentado para um ano, prorrogável por igual período. E o prazo para que o Ministério Público demonstre interesse em ações de improbidade propostas pelo Ministério Público foi aumentado de 120 dias, no projeto aprovado pelos deputados, para um ano.
A necessidade de comprovação de dolo específico (intenção) para caracterizar improbidade em casos de descumprimento da Lei de Acesso à Informação (LAI) foi excluída do texto. Contudo, o polêmico trecho sobre prescrição intercorrente — quando o processo deve ser arquivado caso passe de quatro anos entre cada uma das suas etapas — foi mantido.
Também foram incluídas ressalvas quanto à possibilidade de configuração de nepotismo em indicações políticas (não se configurará improbidade a nomeação ou indicação política por parte dos detentores de mandatos eletivos, sendo necessária a aferição de dolo com finalidade ilícita por parte do agente).
Foram incluídas ainda ressalvas quanto aos honorários de sucumbência que o Ministério Público terá de pagar em casos de ações que eles acusem agentes públicos de improbidade. Isso será feito em casos de comprovada má fé do MP.
O que mais muda em relação à legislação atual
De acordo com Weverton e outros parlamentares favoráveis ao projeto de lei, a supressão da modalidade culposa (intencional) de ato improbidade administrativa não significa que ilícitos culposos (não intencionais) não serão passíveis de punição, mas que serão tratados por outras leis que não a de improbidade.
Além disso, só serão considerados atos de improbidade administrativa os que estiverem tipificados na lei. Críticos da lei afirmam que isso vai impedir que atos hoje considerados como improbidade não poderão mais caracterizá-la por não estar especificado na lei, mas que hoje são assim classificados por desrespeitarem princípios legais.
Em audiência pública realizada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, o ministro do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) Herman Benjamin, salientou que, da maneira como está o projeto, práticas como tortura por policiais e rachadinha não poderão ser penalizadas pela Lei de Improbidade.
Mas, de acordo com os defensores dessa alteração, isso garante segurança jurídica para os agentes públicos, já que a versão da lei em vigor atualmente seria muito abrangente – ela determina que "qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições" constitui um ato de improbidade.
Há outras alterações relevantes na proposta, em relação à legislação atual:
- O Ministério Público passará a ter exclusividade para propor ação de improbidade.
- O MP poderá celebrar acordo de não persecução cível – o que está sendo apoiado pela própria instituição.
- Haverá prazo único de oito anos para prescrição das ações por improbidade, contados a partir da ocorrência do fato.
- O agente público só será demitido se ainda ocupar o cargo no qual cometeu ato de improbidade.
- Haverá indisponibilidade de bens do réu – e não sequestro de bens, conforme a lei em vigor –, se houver fundados indícios de responsabilidade.
- Ficará vedada a promoção pessoal de agente público e personalização de atos, programas, obras, serviços ou campanhas dos órgãos públicos.
- Partidos políticos ficarão excluídos da Lei de Improbidade, mesmo que seus dirigentes façam mal uso de verbas públicas.
Como foi a votação dos destaques
Além da votação nominal, os senadores votaram quatro emendas ao texto. Uma delas, proposta por Lasier Martins, pedia a reincorporação do termo "notadamente" ao trecho que constitui o crime de improbidade administrativa. O entendimento do Podemos é de que, sem a palavra, as condutas ilícitas não esgotariam os atos de improbidade. O destaque foi rejeitado por 40 votos contrários a 19.
Outra emenda, do senador Alvaro Dias, sugeria que a ação para a aplicação de sanções poderia ser proposta pelo Ministério Público ou pela advocacia pública estatal. O destaque foi rejeitado por 45 votos a 21 favoráveis.
Outro destaque, de Lasier Martins, previa o aumento da prescrição das ações por improbidade para 12 anos. A emenda foi rejeitada por 44 votos a 21. Outra emenda, rejeitada por 34 votos a 31, defendia a não revogação do dever de o agente público promover a acessibilidade.
Senadores criticam Arthur Lira e relator defende o parecer
O texto foi criticado por senadores contrários, que associaram alguns trechos da redação a supostos interesses do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que já foi condenado em segunda instância na área cível por improbidade administrativa. Mas uma liminar do então vice-presidente do Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ-AL) Celyrio Adamastor suspendeu os efeitos da sentença.
"Esse projeto, aprovado nos termos do relatório, vai arquivar instantaneamente processos que correm contra o sr. Arthur Lira, deputado presidente da Câmara, instantaneamente. Instantaneamente vamos mandar para o arquivo 40% das ações de improbidade que tramitam, inclusive de membros desta Casa", criticou o Senador Alessandro Vieira em referência à defesa de revisão de item que trata da prescrição intercorrente.
"Eu tenho dificuldade de encontrar outra expressão que não seja vergonha. Dá vergonha você ver que está sendo votado um projeto em flagrante benefício daqueles que cometeram erros", complementou Vieira.
O líder da oposição, Randolfe Rodrigues, endossou o discurso de Vieira. "O artigo 23, que diminui o prazo prescricional, foi feito por encomenda, é um jabuti aqui", criticou. "Portanto, eu tento dourar a pílula, mas esse artigo 23 é in dubio pro Arthur Lira, é para beneficiar Arthur Lira, foi feito para ele", acrescentou.
O relator, Weverton Rocha, defendeu sua redação e negou a inclusão de trechos para favorecer Lira. "É importante lembrar que, sobre a transcrição intercorrente de quatro anos — vamos aqui fazer uma conta —, você está falando aqui de oito anos para propor uma ação, de quatro anos na primeira instância, quatro anos na segunda instância, quatro anos na terceira instância. São razoáveis… Quantos anos? Vinte anos, vinte anos!", disse.
Rocha citou que o texto aperfeiçoa a lei de improbidade administrativa, ressaltou que juristas defenderam em carta o texto aprovado na Câmara e que seu texto até aumenta a pena de oito para 14 anos de suspensão dos direitos políticos a quem cometer atos de improbidade. "Agora, o imperito, o que cometeu um erro de gestão, esse erro ser considerado improbidade, desonestidade, não é correto, não é justo, e nós não podemos aceitar", declarou.
"Eu sou municipalista, eu sei o que um prefeito, o que um gestor municipal passa lá na ponta". Enquanto muitos ficam aqui na teoria, eles estão lá na prática, querendo saber como vão botar remédio na prateleira mesmo com dinheiro pequeno", complementou Rocha.
Ainda há retrocessos na Lei de Improbidade, dizem integrantes do MP
A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) reconheceu que o texto aprovado pelo Senado obteve avanços importantes no combate à corrupção, em relação à proposta que havia sido aprovada na Câmara.
Contudo, eles afirmaram que ainda há pontos que representam um retrocesso no combate à impunidade, citando a restrição dos atos que podem ser considerados violação dos princípios da improbidade; a não punição da improbidade culposa; e a prescrição retroativa.
"A Conamp, no cumprimento do dever de lutar pelas garantias fundamentais da sociedade, continuará envidando esforços para que essas alterações constem no texto, a fim de assegurar que a lei brasileira possa efetivamente garantir a coibição de práticas ilícitas de gestores públicos ímprobos", informou a associação em comunicado.
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