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Algumas mudanças aprovadas pela Câmara e pelo Senado na Lei de Improbidade Administrativa poderão beneficiar diretamente políticos acusados de mau uso de recursos públicos, como o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL); o líder do governo na Casa, Ricardo Barros (PP-PR); e o relator da proposta no Senado, Weverton Rocha (PDT-MA) — todos apoiadores do projeto que aguarda apenas a sanção do presidente da República para entrar em vigor.
Uma das mais importantes alterações, e que pode livrar todos eles de processos, é a nova regra da prescrição, período de tempo após o qual a Justiça não pode mais punir determinada pessoa. Atualmente, a lei prevê apenas um prazo: o de cinco anos, após o fim do mandato de um político, para que o Ministério Público (ou a advocacia pública) proponha a um juiz a ação de improbidade. A proposta em tramitação aumenta esse prazo para oito anos, mas contém uma "pegadinha": o tempo passa a contar a partir do fato suspeito e não após a perda do vínculo do agente público com o cargo no qual cometeu o ato ilícito.
Na visão de especialistas, isso dificulta a punição, porque é muito mais difícil descobrir e investigar um malfeito enquanto a pessoa ainda está no cargo. "Pessoas que exercem mandato têm poder muito grande na administração. Enquanto ela estiver no cargo, os esquemas estão montados, os pactos de silêncio estão mantidos e há retaliação para quem abrir a boca. Quando deixa o cargo e perde o controle político, tem mais chances de ser punida, pois os fatos começam a aparecer", diz o procurador regional da República Ronaldo Queiroz, estudioso do tema.
Mas no caso de Lira, Barros e Weverton, o benefício pode se materializar a partir de outra regra inserida na proposta, também relacionada ao prazo máximo para punição: a chamada prescrição intercorrente. Conforme o texto em discussão, ela ocorrerá quando se passarem mais de quatro anos entre julgamentos do mesmo caso em duas diferentes instâncias. Exemplo: um político é condenado em 2020 e recorre. Se até 2024 a instância revisora não julgá-lo novamente, a fim de confirmar ou rejeitar a primeira sentença, ele se livra definitivamente do processo. É justamente nesta situação que Lira, Barros e Weverton se enquadram.
O presidente da Câmara, por exemplo, já possui duas condenações por improbidade administrativa. Numa delas, ele foi acusado de desviar recursos públicos da Assembleia Legislativa de Alagoas entre 2003 e 2006, quando era deputado estadual. Como primeiro-secretário da Casa, ele tinha poder de liberar recursos para despesas administrativas. Segundo o Ministério Público, Lira autorizou a emissão de cheques para pagamento de servidores comissionados, mas o dinheiro era repassado depois para suas contas. Além disso, teria quitado empréstimos pessoais com recursos do Legislativo estadual.
Desde a condenação pelo Tribunal de Justiça de Alagoas, na segunda instância, em 2016, o caso não avançou, pois até hoje está pendente de julgamento um recurso da defesa no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Se a nova regra da prescrição intercorrente for aprovada, ela vai retroagir e o caso morrerá, porque já se passaram mais de 4 anos desde a sentença.
O mesmo tipo de prescrição poderá livrar Ricardo Barros de um processo caso não haja sentença até o fim do ano que vem. Ele é acusado de pressionar servidores do Ministério da Saúde em 2017, quando era ministro da pasta, a pagar antecipadamente quase R$ 20 milhões a empresas fornecedoras de medicamentos que não tinham capacidade de entregá-los. A ação foi apresentada em dezembro de 2018, mas até março deste ano, ficou praticamente parada, por dúvida quanto à vara da Justiça Federal em Brasília que iria cuidar do caso. Se não houver decisão até dezembro de 2022, o processo morre.
No caso do senador Weverton Rocha, a prescrição intercorrente, caso aprovada, já trará um benefício imediato. Ações de improbidade contra ele foram propostas em 2012, mas até hoje não houve julgamento. Assim, caso a nova lei seja aprovada, elas serão consideradas prescritas desde 2016. Num dos processos, ele foi acusado de contratar sem licitação uma fundação em 2008, quando era secretário de Esporte do Maranhão. Na outra ação, foi acusado de receber vantagem indevida, em 2009, ao viajar pelo interior do estado em um jatinho de um empresário que tinha negócios com o Ministério do Trabalho.
Dentro de cada um dos processos, além de negarem todas essas acusações, Lira, Barros e Weverton apresentaram diversos recursos e contestações de ordem processual que arrastaram o andamento. Só na primeira instância, a defesa do atual presidente da Câmara protocolou 12 agravos e embargos de declaração entre 2008 e 2013. No caso de Barros, o processo ainda caminha devagar desde março, quando foi definida a juíza que cuidaria do processo. De lá para cá, o andamento mostra apenas juntadas de certidões e petições das defesas dos réus. Weverton, por sua vez, alegou que um dos processos a que responde deveria ter tramitado no Supremo Tribunal Federal (STF) porque, em 2009, ele era deputado federal (embora não haja foro privilegiado para ações de improbidade).
Outros parlamentares que podem se beneficiar da nova Lei de Improbidade
Fora esses três parlamentares, há outros deputados que enfrentam processos de improbidade que têm algum tipo de influência sobre a tramitação do projeto. Em março deste ano, a ONG Transparência Brasil divulgou um relatório listando mais 11 deputados acusados pelo ilícito que integram a Mesa Diretora, o Colégio de Líderes ou a Comissão Especial que analisou a proposta.
São eles: Marília Arraes (PT-PE), Isnaldo Bulhões Jr. (MDB-AL), Enio Verri (PT-PR), Renildo Calheiros (PCdoB-PE), Luis Tibé (AVANTE-MG), Carlos Henrique Gaguim (DEM-TO), Charles Fernandes (PSD-BA), Geninho Zuliani (DEM-SP), Marco Bertaiolli (PSD-SP), Herculano Passos (MDB-SP) e Vitor Lippi (PSDB-SP).