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A cassação do deputado Deltan Dallagnol (Podemos-PR) pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em decisão unânime do plenário, em maio, impôs à oposição e aos defensores da Operação Lava Jato, sobretudo ao senador Sergio Moro (União Brasil-PR), a reavaliação sobre o seu futuro. Para deleite do PT e aliados, a derrota do ex-procurador federal colocou ícones da Lava Jato contra a parede e ainda não despertou reação consistente do Congresso para eventuais abusos do Judiciário. A Mesa Diretora da Câmara confirmou a perda do mandato de Dallagnol nesta terça-feira (6).
Anteriormente, a Corregedoria da Câmara foi notificada da decisão do TSE e deu prazo para que o deputado apresentasse defesa, por escrito. Mas o relatório não chegou a considerar o conteúdo dessa peça, e apenas confirmou o entendimento da Corte Eleitoral. O processo seguiu para a Mesa Diretora, a qual agora também chancelou o entendimento do TSE.
Por meio de nota, a Mesa informou que "não cabe à Câmara, ou a qualquer de seus órgãos, discutir o mérito da decisão da Justiça Eleitoral. Não se trata de hipótese de em que a Câmara esteja cassando mandato parlamentar, mas exclusivamente declarando a perda do mandato, conforme já decidido pela Justiça Eleitoral".
Já Dallagnol afirmou que o "Poder Legislativo decidiu se curvar à criação da lei pelo Judiciário". Com a decisão da Mesa da Câmara de confirmar a cassação do mandato, o futuro político dele está nas mãos do Supremo Tribunal Federal (STF). A defesa já recorreu à Suprema Corte.
No pedido apresentado ao Supremo, a defesa de Dallagnol alegou que ele corre risco de perder o mandato por uma decisão questionável. E pede que o mandato seja mantido até uma decisão do STF sobre o caso. O processo foi distribuído por sorteio, e o relator escolhido foi o ministro Dias Toffoli.
"Mais uma vez, o Poder Legislativo decidiu se curvar à criação da lei pelo Judiciário. Hoje, a casa do povo se tornou contra a vontade do povo. Eu lutei e vou lutar até o fim pelos eleitores. Meu crime foi ter defendido meus valores, a verdade e ter buscado colocar políticos corruptos na cadeia pela primeira vez na história do Brasil", disse o parlamentar.
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CPI do Abuso de Autoridade
Após decisão do TSE contra Dallagnol, o episódio deu fôlego à proposta de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Abuso de Autoridade, para investigar decisões do TSE e do Supremo Tribunal Federal (STF) vistas pelos parlamentares como ilegais. A proposta conta com o apoio de cerca de 150 deputados, a maioria oposicionista e de direita, acompanhada por setores da sociedade críticos à “perseguição política” dos tribunais superiores.
Um requerimento do deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS) pela criação da CPI apresentado em novembro de 2022 foi resgatado e espera atingir 171 assinaturas de apoio para ser viabilizado. “Não aceitaremos viver numa ditadura”, diz o autor da proposta.
Dallagnol afirmou que vai recorrer “até o fim” para manter o seu mandato na Câmara, pois considera a decisão do TSE fruto de uma vingança do “sistema político”.
Nos bastidores, parlamentares avaliam que o apoio de parlamentares da direita a Dallagnol pode ter sido circunstancial e não se repetiria com Moro, ex-ministro do governo Bolsonaro, contra quem as resistências são maiores.
Bandeira da antipolítica criou dificuldades para lavajatistas dentro e fora do Congresso
Analistas consultados pela Gazeta do Povo explicam que a Lava Jato, que angariou amplo respaldo da sociedade e tornou-se discurso político, sobretudo de vozes à direita, acabou perdendo espaços desde a saída do ex-ministro Sergio Moro do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Isso deixou muitos dos apoiadores da operação expostos a ataques do sistema que combatem. Embora ações da Lava Jato tenham sido questionadas por advogados dos réus e pela ala do STF favorável ao garantismo penal, a chamada “criminalização” dos responsáveis pela operação reflete a mudança de cenário político e certo enfraquecimento da popularidade.
O pesquisador Antonio Lavareda entende que a inação da Câmara diante da cassação do Dallagnol foi, por sua vez, uma prova de a bandeira da antipolítica não é bem-vinda no ambiente parlamentar.
Leandro Gabiati, diretor da consultoria política Dominum, considera natural que críticos da chamada política tradicional, como Dellagnol, Moro e a mulher do senador, a deputada Rosangela Moro (União Brasil-SP), não sejam bem-recebidos na arena parlamentar. “Sob o emblema da Lava Jato, eles formam um grupo vindo do Judiciário que atacava a atuação de alguns que hoje são colegas. O esperado era de que seriam apartados, exigindo deles busca por espaços para negociar com lideranças e partidos”, observa.
O especialista, contudo, não vê indiferença absoluta do Parlamento com a derrota de Dallagnol, tendo em vista o forte espírito corporativista de suas duas Casas. “O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), fez questão de dar recado ao TSE sobre prerrogativas do Legislativo sobre o mandato de parlamentares, lembrando que o deputado teria garantido amplo espaço de defesa”, disse. Ele também entende que a demonstração de continuidade do ativismo do Judiciário, com decisões questionáveis, cria embaraços para o esforço de normalização das relações entre os três poderes.
Bruno Carazza, professor da Fundação Dom Cabral, observou em recente artigo publicado no jornal Valor Econômico que Dallagnol foi, em grande parte, vítima do seu powerpoint em que coloca o presidente Lula no centro das incriminações da Lava Jato. A imagem, de 14 de setembro de 2016, deu munição aos que apontavam excessos e até mesmo intenções políticas da operação. “Curiosamente, a Operação Mãos Limpas (Itália) começou a sofrer retrocessos quando alguns de seus expoentes cederam ao canto da sereia da política. Por aqui aconteceu o mesmo”, disse.
Para o cientista político Ismael Almeida, a cassação traz impactos negativos para a imagem do Judiciário e para o sentimento da sociedade em geral, ao mesmo tempo que pode ter efeitos variados para os envolvidos. “O TSE reformou decisão unânime do TRE-PR e contrariou a própria jurisprudência para cassar o mandato de um deputado eleito com grande número de votos. O episódio pode aumentar o desgaste do Judiciário em geral perante a população e pode dar a sensação de que processos judiciais são decididos com base no nome envolvido e não conforme as leis”, explica.
Por outro lado, Almeida acredita que Dallagnol pode ser beneficiado com a decisão caso seja visto como mártir, o que aumentaria sua popularidade. “Se o objetivo era afastá-lo da cena política, o efeito pode ser contrário ao esperado. No entanto, é cedo para afirmar como tudo vai se desenrolar”, ressalta.
Quanto à inação do Congresso diante da decisão da Justiça Eleitoral, o especialista não vê indisposição do Congresso em conviver com forças sociais externas a ele. “O espírito de cooperação é muito importante no Parlamento, e aqueles que não entendem isso podem acabar isolados e sem apoio político quando enfrentam dificuldades”, disse.
Moro critica derrota do deputado, mas teme ser a próxima vítima do TSE
Logo após a cassação de Dallagnol pelo TSE, o senador Sergio Moro também corre o risco de perda do mandato por julgamento no TSE, embora por circunstância distinta. Ele é acusado pelo PL de envolvimento em caixa dois e irregularidades no financiamento da campanha ao Senado. A ação da legenda do ex-presidente Jair Bolsonaro contra Moro tramita ainda no Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR) sob segredo de justiça, o que impede conhecer as provas apresentadas contra ele.
Dallagnol, por sua vez, foi enquadrado na Lei da Ficha Limpa por ter pedido exoneração do cargo no Ministério Público para evitar uma hipotética condenação em processo administrativo disciplinar (PAD).
De toda forma, Moro tem procurado se precaver, incluindo uma reunião com o presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, no dia seguinte à cassação de Dallagnol. Além disso, o senador tem tomado cuidado com as palavras nas manifestações públicas em defesa do deputado cassado.
Caso Moro seja cassado, o PL tende a ser o maior beneficiado, com sua substituição pelo segundo colocado no pleito, o ex-deputado federal Paulo Martins (PL). O PL tem usado o caso da ex-senadora juíza Selma Arruda (Podemos-MT), apelidada de “Moro de saias” nas eleições de 2018, como precedente para tentar tirar o senador paranaense do Senado. Selma foi cassada em razão de irregularidades na prestação de contas e a sua vaga foi preenchida pelo atual ministro da Agricultura, Carlos Fávaro (PSD), terceiro colocado nas eleições. A defesa de Moro não vê qualquer conexão entre os casos.
Já com a cassação de Dallagnol, existe também a possibilidade do partido de Jair Bolsonaro ganhar novo representante na Câmara, alcançado a marca de 100 deputados. A cadeira pode ser a Itamar Paim (PL), conforme indicou o Tribunal Regional Eleitoral (TRE-PR). Pastor na Igreja do Evangelho Quadrangular, em São José dos Pinhais (PR), Paim conquistou 47.052 votos.
Mas a questão ainda não está definida, pois o Podemos vai recorrer ao STF para ficar com a vaga. Após a divulgação de decisão da Mesa Diretora, o Legislativo afirmou que a Justiça definirá quem irá ocupar a vaga de Dallagnol, já que existe uma disputa entre Itamar Paim (PL) e Luiz Carlos Hauly (Podemos).