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Walter Delgatti
Depoimento do hacker Delgatti, na CPMI do 8 de janeiro, põe em dúvida sua real capacidade| Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados

O depoimento do hacker Walter Delgatti à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos atos de 8 de janeiro levantou questionamentos a respeito da sua atuação e da segurança da informação. Delgatti é conhecido como “hacker de Araraquara” e também "hacker da Vaza Jato". Ele ficou conhecido há quatro anos por invadir contas de autoridades ligadas à Operação Lava Jato. As mensagens obtidas por Delgatti por meio das invasões, e entregues à imprensa, contribuíram para o enfraquecimento da Lava Jato.

Não é possível avaliar por ora suas reais habilidades como hacker, se é testa de ferro de um grupo de criminosos cibernéticos ou se é apenas um estelionatário (crime pelo qual responde na Justiça em diversos casos).

Apesar do histórico de invasões e até prisões relacionadas à atuação de Delgatti, especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo afirmam que suas declarações não foram técnicas o suficiente para avaliar a sua capacidade.

“Não tem nada de muito técnico. Ele fala algumas coisas que são absurdas de qualquer jeito que você olha. Do ponto de vista técnico e também do ponto de vista do processo”, afirmou Eduardo Guy de Manuel, formado em Engenharia Eletrônica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA).

Para o general da reserva e analista político Marco Aurélio Vieira, Delgatti é o que se apelida de "lobo solitário". "Não acredito que ele tenha um chefe. Ele é aquele esperto mal-intencionado. Ou seja, um amador que tem alguma expertise. Ele invadiu a Lava Jato, mas e Lava-jato trabalhava de forma amadora em relação ao sigilo das próprias comunicações", afirmou.

Para o engenheiro Eduardo Guy de Manuel, Delgatti teria se aproveitado da oportunidade de falar em uma CPMI e responder só às perguntas que lhe convinham. “Em um determinado momento, ele diz que o Giuseppe Janino [ex-secretário de Tecnologia da Informação do Tribunal Superior Eleitoral] era o único responsável [pelos sistemas das urnas eletrônicas]. Então um cara só pode resolver a eleição para 150 milhões de eleitores?”, questionou Guy de Manuel ao destacar que há uma equipe responsável pela Tecnologia da Informação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

A falta de técnica nas colocações do hacker durante o depoimento à CPMI é outro ponto enfatizado por Guy de Manuel. “Ele mistura o lado da urna com o lado da totalização, que é centralizado nos computadores do TSE. Ele deixou na dúvida se a urna é passível de ser fraudada ou não, se o programa-fonte é o mesmo para todas as urnas”, destacou o engenheiro. Ele salientou ainda que há programas-fonte diferentes, dependendo da versão da urna.

"Do que ouvi ele falar, eu não confiaria nele. O que ele falava não fazia sentido. Uma coisa não faz sentido com a outra. [A fala de Delgatti] é uma coisa que vai ter que ser verificada”, disse Guy de Manuel.

O engenheiro observou ainda que o hacker não teria credenciais para entrar em um grupo seleto, que é conhecido como “hackers do bem”, que são profissionais capazes de descobrir falhas em sistemas de grandes empresas. “Dos hackers que eu conheço, que tem credibilidade para falar, ou não o conhecem, ou não dão credibilidade a ele [Delgatti]”, acrescentou Guy de Manuel.

Hacker, cracker e engenharia social: o que Delgatti pode ter feito para obter dados e informações 

O depoimento de Delgatti aponta que ele pode ter usado diversas técnicas para obter dados e informações. O termo hacker, atribuído a ele, inclusive, pode não ser o melhor para definir a atuação revelada no depoimento à CPMI.

De acordo com o coordenador do curso de Ciência da Computação da Unochapecó, Sandro Silva de Oliveira, hacker é um termo genérico que, além da conotação negativa relacionada a crimes cibernéticos, por vezes é atribuído àqueles que se dedicam a obter soluções e efeitos positivos aos sistemas, especialmente no que diz respeito à segurança da informação.

“Muitas vezes eles são contratados por empresas para apontar falhas de segurança em seus sistemas. Hackers vão dizer que a empresa está com problemas de vulnerabilidade, que são passíveis de invasão, por exemplo”, explicou Oliveira.

Neste contexto, há ainda os termos cracker e engenharia social, que teriam sido usados por Delgatti para obter os dados. “Um cracker é alguém que usa seu conhecimento para tirar proveito”, afirmou Oliveira. O professor universitário destacou ainda que a capacidade desses indivíduos é medida pelas barreiras na segurança dos sistemas que eles conseguem ultrapassar.

“Quando se fala em segurança, existe a obscuridade de dados. Ou seja, não há como afirmar que um sistema é 100% seguro. O que acontece é que é possível criar barreiras para impedir que os sistemas sejam acessados. Neste contexto, uma pessoa mal-intencionada vai quebrar algumas dessas barreiras”, explicou o professor universitário.

Já na engenharia social, os criminosos virtuais se utilizam de técnicas para induzir usuários desavisados a enviar dados confidenciais, por exemplo. Essa técnica é muito utilizada no dia a dia para aplicar golpes. Tanto na obtenção das informações, como na utilização e envio para os interessados, Delgatti pode ter persuadido pessoas a fornecer dados ou divulgá-los. Para Oliveira, diante do depoimento de Delgatti à CPMI, é possível afirmar que o "hacker da Vaza Jato" se utilizou também desta técnica. “No entanto, é muito difícil de afirmar se tudo o que ele diz ser capaz de fazer é o que ele realmente faz”, pontuou Oliveira.

Outra possibilidade usada por hackers é subornar funcionários de empresas de telefonia celular para ter acesso remotamente às comunicações de seus clientes. Esse acesso pode fazer com que o hacker tome outras ações para ter acesso completo às comunicações de suas vítimas.

O hacker também pode ter usado a chamada "deep web" (páginas de internet que só podem ser acessadas com navegadores especiais) para comprar vírus de computador feitos por outros hackers para invadir as comunicações de suas vítimas.

Uma hipótese muito mais remota é que telefones e contas de aplicativos de mensagens de políticos tenham sido acessados por meio de "artefatos cibernéticos". Eles são armas eletrônicas que permitem a invasão de sistemas de comunicações de vítimas sem que elas tenham tomado nenhum tipo de ação -- como acessar uma página infectada por vírus ou digitar sua senha em um aplicativo não confiável. Mas esses artefatos são complexos e caros e na prática só são possuídos por Estados e não indivíduos, por isso é improvável que Delgatti tivesse acesso a eles. Não se sabe se o Brasil possui esse tipo de arma cibernética, mas países vizinhos possuem.

Em vídeo, Delgatti já afirmou ter pretensões na política 

Em vídeo divulgado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e pelo deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) em redes sociais e na CPMI, Delgatti aparece dizendo ter planos futuros na política. Ele supostamente teria a intenção de se lançar candidato por um partido de esquerda, sem citar qual seria ele. Delgatti afirma ainda que seu advogado o informou ter sido procurado por um partido de centro.

“Caso eu ganhe alguma notoriedade positiva com tudo isso, que eu me candidate a deputado pelo meu estado. Não tenho um partido definido. Segundo o advogado, um partido me chamou, mas não lembro qual. Seria um partido de centro. Mas não sei no futuro, mas, atualmente, se fosse me candidatar, seria em um partido de esquerda”, afirmou o hacker Walter Delgatti no vídeo divulgado por Bolsonaro.

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