A indicação do ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, para o Supremo Tribunal Federal (STF) feita pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva desagradou não apenas a oposição, mas também o próprio Partido dos Trabalhadores e uma vasta gama de ativistas que queriam no cargo uma mulher negra.
Ao anunciar o nome de Dino para o cargo, o presidente Lula descartou a indicação do advogado-geral da União (AGU), Jorge Messias. Nos bastidores, o PT via a candidatura de Messias como a melhor opção para o partido. Sendo próximo a Jaques Wagner (PT-BA), líder do governo no Senado, a expectativa era de que ele seria mais fiel à base do governo do que o ministro Cristiano Zanin, que já desagradou o partido em votações importantes - como a descriminalização das drogas.
Apesar de ser próximo de Lula, Dino é visto por setores do PT como uma figura imprevisível e, por ser um senador eleito pelo PSB, também é visto como alguém de “fora do partido”. Há ainda o inusitado receio em parte das fileiras do PT de uma possível candidatura de Dino à presidência da República, em 2026.
O raciocínio é de que, caso ganhe protagonismo no Supremo, Dino seria um concorrente de Lula ou de Haddad na disputa, podendo arrematar uma quantidade significativa de votos da esquerda. Mas essa possibilidade é considerada muito remota e até estranha, segundo analistas políticos ouvidos pela reportagem.
A indicação do ministro da Justiça à Corte segue o roteiro do Executivo de tentar diminuir o atrito entre o Executivo e Judiciário após a votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 08/2021, que limita decisões monocráticas do Supremo. O projeto foi aprovado no Senado com voto de Jaques Wagner, o que causou grande revolta entre os ministros do Supremo e teria pesado para o descarte do nome de Messias, que é ligado a Wagner.
Nos bastidores dessa indicação, os ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes eram os grandes interessados na indicação de Dino. O atual ministro da Justiça trabalhou para Gilmar Mendes em uma escola de direito chamada IDP (Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa) em Brasília, no começo dos anos 2010.
Indicação de procurador-geral ajudou a acirrar clima de descontentamento
O descontentamento do PT se soma à indicação de Paulo Gonet como procurador-geral da República no lugar de Augusto Aras. A sigla defendia o nome do sub-procurador Antonio Carlos Bigonha e vê em Gonet um “conservador” por ter defendido propostas contrárias.
Representante do Ministério Público Federal (MPF) na Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, Gonet foi voto vencido nos julgamentos que reconheceram a responsabilidade do Estado brasileiro pelas mortes dos terroristas marxistas Carlos Marighella e Carlos Lamarca e do ativista Edson Luis de Lima Souto, morto em confronto com a polícia em 1968 no Rio de Janeiro.
No artigo "Proteção do direito à vida: a questão do aborto", de 2011, o subprocurador afirmou que a rejeição "firme e eficaz do aborto" constitui "dever do Estado" independe de "razões religiosas". "O não nascido, mesmo que embrião, é titular do direito à vida", escreveu. Gonet também já se mostrou contrário à criminalização da homofobia, decidida pelo STF em junho. Segundo ele, a decisão só poderia ser tomada pelo Congresso.
Com a dupla derrota, o clima no partido é de frustração. De acordo com uma fonte ouvida pela Gazeta do Povo, os petistas mais fiéis ao partidos estão evitando comentar o assunto nos grupos de Whatsapp.
A possível divisão do ministério em duas pastas - Segurança Pública e Justiça - também causou receio em setores da legenda pela possível indicação do secretário-executivo do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) Ricardo Cappelli para alguma das pastas. Apesar de ter sido presidente da União Nacional dos Estudantes não é visto como alguém "de dentro". Lula já descartou o nome dele para o Ministério da Justiça.
Por outro lado, a indicação de Ricardo Lewandowski como ministro da Justiça é vista como positiva pelo partido. O ex-ministro do STF sempre foi próximo da legenda, tendo sido indicado por Lula, e foi responsável por manter os direitos políticos da ex-presidente Dilma Rousseff no processo de impeachment, em 2016.
Na avaliação do cientista político Juan Carlos Arruda, CEO do Ranking dos Políticos, a escolha de Dino teve forte impacto para o PT na Bahia, reduto de Jaques Wagner.
“O ministro Flávio Dino era considerado um dos potenciais herdeiros de Lula. Ele não só se destacava como um dos principais nomes do PSB em termos de votação, mas também era visto como um forte candidato para suceder o ex-presidente. No entanto, sua indicação para o Supremo Tribunal Federal certamente causou desconforto entre o grupo do PT na Bahia. Esse grupo preferia a nomeação de Jorge Messias, que por anos foi assessor do Senador Jaques Wagner”, avalia Juan.
Ele acrescentou: “Certamente, o PT preferia a indicação de uma mulher – haja visto que a cadeira aberta no STF pertencia a uma mulher. Quando venceu a eleição, Lula prometeu garantir essa isonomia. Com a indicação de Dino, certamente só o próprio Flavio Dino está feliz.”
Indicação de Dino evidencia falta mulheres no STF e desagrada ativistas
Ainda nesta semana, o Movimento pela Paridade no Judiciário emitiu nota criticando a indicação de Dino. Na visão do grupo, haverá uma “sub-representação de gênero e raça na mais alta Corte do Judiciário Brasileiro”. Com a saída de Rosa Weber, a ministra Cármen Lúcia será a única na Corte.
“O Supremo Tribunal Federal permanecerá com apenas uma representante feminina, a ministra Cármen Lúcia, mesmo após campanha que tomou abrangência internacional para que fosse indicada uma mulher à vaga deixada pela Ministra Rosa Weber, preferencialmente uma mulher negra. O próprio Movimento Nacional pela Paridade no Judiciário arregimentou a assinatura de 1.656 juízes e juízas de todo o país e de todos os níveis e graus de jurisdição para solicitar, ao Presidente da República, a garantia de manutenção da representatividade feminina na Corte Suprema brasileira, que já é inferior à média global e uma das piores da América Latina e Caribe”, disse o movimento em nota.
Ao assumir o governo neste ano, a pressão interna do partido para que houvesse indicação de uma mulher para o Supremo já rondava os bastidores do PT. A indicação de Cristiano Zanin para a vaga deixada pelo ministro Ricardo Lewandowski já era tomada como certa pela legenda.
No entanto, a expectativa era de que a segunda vaga pudesse ser preenchida com algum nome feminino. Antes da definição da vaga, as advogadas Dora Cavalcanti e Flávia Rahal apareceram como cotadas na disputa.
Em novembro, um grupo de 25 deputadas federais da base aliada enviou uma carta cobrando a indicação de uma mulher negra ao STF. “Desde a redemocratização do país, entre os 30 ministros que já ocuparam uma cadeira na Corte, apenas três eram mulheres, todas brancas, e houve apenas um homem negro”, consta trecho da tarde.
Representação feminina no governo Lula vem diminuindo
Além da rejeição de um nome feminino para a Corte, Lula precisou retirar mulheres de postos de comando em troca de apoio político no Congresso Nacional. Em outubro, o Planalto demitiu Rita Serrano do comando da Caixa para abrigar o Centrão em seu governo.
"Ser mulher em espaços de poder é algo sempre desafiador. Não foi fácil ver meu nome exposto durante meses à fio na imprensa. Espero deixar como legado a mensagem de que é preciso enfrentar a misoginia, de que é possível uma empregada de carreira ser presidente de um grande banco e entregar resultados, de que é possível ter um banco público eficiente e íntegro, de que é necessário e urgente pensar em outra forma de fazer política e ter relações humanizadas no trabalho", disse Rita após ser demitida.
Além dela, a Ana Moser, ex-ministra do Esporte, e Daniela Carneiro, que estava à frente do Turismo, também perderam o cargo. As pastas foram negociadas pelo governo como acordo para aprovação da Reforma Tributária na Câmara.
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