A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado tem pronta para entrar na pauta uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que altera os critérios de escolha de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e dá fim aos mandatos vitalícios dos membros da Corte.
A proposta é de autoria do senador Lasier Martins (Podemos-RS) e o relatório já está pronto para discussão no colegiado. O conteúdo, porém, tem gerado polêmicas. Há quem acuse os senadores de tentar impedir a indicação do ministro da Justiça, Sergio Moro, para o cargo, além de esvaziar atribuições constitucionais do presidente da República.
A PEC altera o artigo 101 da Constituição, que determina a forma de escolha dos ministros do STF. Atualmente, a escolha cabe ao presidente da República e o indicado precisa passar por uma sabatina no Senado e ser aprovado pelo plenário da Casa para ser nomeado. O relator da PEC que propõe novas regras é o senador Antônio Anastasia (PSDB-MG), que já apresentou um substitutivo para votação na CCJ.
Autor da proposta, Lasier Martins defende o texto e cita as vantagens proporcionadas pelos critérios propostos. “Em primeiro lugar, a insuspeição da nova composição do STF. O Supremo deixaria de ser um foro de interesses políticos, ideológicos e partidários”, afirma o senador. “Precisamos de juízes de notório saber jurídico, que tenham escrito obras, que tenham alcançado notoriedade”, completa Martins.
O senador afirma, ainda, que é preciso entender o contexto político à época da apresentação da PEC, em 2015. “Havia uma indignação e revolta porque o STF estava virando mais um foro político do que uma instituição para fazer justiça”, diz.
Para o procurador da República Ailton Benedito, a proposta é um jabuti. “O jabuti que eu considero é porque essa proposta, de fato, a pretexto de atender aos anseios da sociedade, traz em si um conteúdo que representa algo que a sociedade não pede. A sociedade não quer que a escolha de ministros do STF se dê por formação de lista tríplice”, diz.
Quais as mudanças propostas para indicação de ministros do STF
Entre as novas regras para indicação de ministros do STF que a PEC estabelece estão as seguintes:
- Indicação do presidente a partir de uma lista tríplice, que será formada por um membro do Judiciário, indicado pelo STF; um membro do Ministério Público, indicado pela Procuradoria-Geral da República; e um jurista (professor, advogado público ou privado, defensor público, etc.) apontado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
- A indicação dos nomes para a lista tríplice terá um prazo de 30 dias a partir do surgimento da vaga;
- Fixação de prazo para escolha presidencial para ocupar vagas abertas no STF, no período de 30 dias após o recebimento da lista tríplice;
- Previsão para que, se o prazo não for cumprido pelo presidente, o Senado possa fazer a escolha a partir da lista tríplice;
- Mandato de 10 anos para os ministros do STF indicados depois da promulgação da PEC, proibindo a recondução ao cargo;
- Inelegibilidade de cinco anos após o fim do mandato de ministro do STF;
Prós e contras das novas regras para indicação
Em seu substitutivo, Anastasia reconhece que a questão da composição de Tribunais responsáveis pelo controle de constitucionalidade é um dos pontos “mais sensíveis” de qualquer ordenamento jurídico. “Isso porque os membros de uma tal Corte devem deter um conhecimento técnico inabalável, mas por desempenharem funções que não são puramente técnicas, devem também possuir habilidades políticas — no melhor sentido da palavra — para o bom desempenho de sua função”, esclarece o senador.
Para Benedito, a PEC é inconstitucional e fere cláusula pétrea da Constituição ao violar a separação entre os poderes e eliminar a prerrogativa do presidente da República de nomear os ministros do STF. “Estamos falando de retirar prerrogativa daquele que é escolhido por um universo de eleitores para cumprir funções do Poder Executivo e de chefia de Estado, e a escolha de ministros do STF é prerrogativa do chefe de Estado”, explica o procurador.
Além disso, a PEC esbarra em outra previsão constitucional: a vitaliciedade de juízes. “A Constituição, em sua redação originária, estabeleceu que ministro do STF é vitalício. Não se pode esvaziar vitaliciedade do cargo de ministro do Supremo ou de qualquer juiz do Brasil”, diz Benedito.
Para Anastasia, a PEC não é inconstitucional por determinar mandatos para os ministros do STF. O senador argumenta que o mandato que se pretende fixar é maior do que o tempo médio de permanência dos ministros na Corte atualmente. A proposta também não valeria para os atuais ministros que compõem o STF, que ficariam nos cargos até a aposentadoria compulsória, aos 75 anos de idade.
Anastasia defende a fixação de mandatos para ministros do STF, alegando que a prática é adotada em países como Itália, Alemanha, Espanha, França, Colômbia, Dinamarca e Portugal. “Em termos de tempo de permanência na Corte, entendemos que o melhor desenho institucional é realmente substituir a vitaliciedade pelo mandato. Sem pessoalizar o debate, não parece ser de bom alvitre que um Ministro possa, ao ser nomeado aos quarenta anos, por exemplo, exercer suas funções por mais de 35 anos, até a idade da aposentadoria compulsória”, diz o senador no substitutivo.
Critérios de escolha de novos ministros do STF
A PEC também altera os critérios de escolha dos ministros. No substitutivo, Anastasia argumenta que a escolha presidencial para os nomes que podem compor o STF é “excessivamente aberta e discricionária”. Para o senador, é preciso “criar algum tipo de filtragem prévia dos nomes, de modo que o Chefe de Estado escolha o nome que mais lhe parece apropriado, dentro de uma lista tríplice, como já ocorre em vários outros casos previstos na Constituição”.
Anastasia defende no relatório a indicação a partir de uma lista tríplice. “Entendemos que esse modelo gera o necessário pluralismo para a lista tríplice, e ainda assim permite ao Presidente da República escolher, dentre três nomes de grande relevo para o mundo jurídico nacional, qual deles lhe parece mais capaz”, afirma o senador.
O autor da proposta concorda com a indicação a partir de uma lista pré definida, mas discorda da solução adotada por Anastasia. Para Lasier Martins, a lista que chegará as mãos do presidente para a escolha deveria ter pelo menos sete nomes, não apenas três. “Isso daria uma boa margem de diversidade de opiniões”, afirma o senador, que diz que continuará insistindo na proposta original durante o debate da proposta.
Já Benedito diz ser contrário à qualquer forma de indicação por lista tríplice - inclusive para o cargo de procurador-geral da República. “Temos experiências de listas tríplices espalhadas por diversos órgãos da sociedade e eu tenho minhas críticas em relação a isso porque isso acaba esvaziando sobremaneira a competências e prerrogativas daquele que é eleito pela sociedade para governar”, explica o procurador.
Além disso, Benedito destaca que, ao determinar a escolha a partir de uma lista tríplice, a PEC colocará os “candidatos” a ministro do STF em uma situação de disputar votos nas entidades responsáveis pelas indicações. “Há o risco de candidatos a ministros do Supremo entrarem em uma campanha eleitoral de disputa por votos dentro da Câmara, do Senado, do Ministério Público, da OAB. Isso não é saudável para as instituições”, completa.
Mudanças tiram Moro do páreo na disputa pela cadeira no STF?
Uma das críticas feitas à PEC é de que ela impossibilitaria a indicação do ministro da Justiça, Sergio Moro, para uma vaga no STF. Moro já foi um forte candidato à vaga que vai abrir no final deste ano com a aposentadoria do ministro Celso de Mello, mas seu nome parece ter perdido força. O novo favorito do presidente Jair Bolsonaro para a vaga é o advogado-geral da União, André Luiz de Almeida Mendonça.
Para Lasier, a crítica é infundada. “Tem uma certa indignação porque isso estaria ameaçando a indicação do Sergio Moro, se é que ela vai acontecer, o que é uma grande dúvida”, diz o senador. Segundo Lasier, o substitutivo de Anastasia deixa claro que as novas regras só valeriam para o próximo governo. “É uma correção jurídica muito elogiável do Anastasia, porque ele entende que o Bolsonaro perderia um direito adquirido que outros presidentes tiveram e ele não teria [de indicar um ministro fora de uma lista tríplice]”, afirma.
Pressão para votação na CCJ
O relatório de Anastasia foi entregue no final de outubro do ano passado e está pronto para ser votado na CCJ do Senado. O autor da proposta afirma que vai cobrar que a presidente do colegiado, Simone Tebet (MDB-MS), paute o tema o quanto antes.
Martins diz esperar o apoio dos 22 senadores que compõem o Muda Senado. O grupo de senadores defende bandeiras como a instalação da CPI Lava Toga, para investigar o Poder Judiciário, a derrubada do foro privilegiado, a redução dos custos do Legislativo, a abertura de processos de impeachment de ministros do STF e a defesa da operação Lava Jato, entre outros temas.
Ainda não há previsão de quando a PEC será votada na CCJ, já que quem define a pauta de votações é a presidente do colegiado. Depois de passar pela CCJ, a PEC precisa ser aprovada em dois turnos no plenário do Senado e da Câmara antes de ser promulgada e entrar em vigor.