Transparência Internacional mostra que Brasil caiu um lugar no ranking de percepção da corrupção em 2019| Foto: Marcos Santos/USP
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O Brasil manteve-se em 2019 no pior patamar da série histórica do Índice de Percepção da Corrupção (IPC), o principal indicador de corrupção no setor público do mundo, produzido pela Transparência Internacional desde 1995. O país caiu da 105.ª posição em 2018 para a 106.ª em 2019, ficando ao lado de países como Albânia, Mongólia, Costa do Marfim, Macedônia, Argélia e Egito no ranking mundial.

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Os 35 pontos da nota brasileira no ano passado equivalem ao valor mais baixo desde 2012. No relatório anual, a Transparência Internacional destaca retrocessos promovidos pelo Congresso, Judiciário e pelo governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no combate à corrupção.

Segundo o coordenador de pesquisa da Transparência Internacional no Brasil, Guilherme France, o baixo índice no Brasil já era esperado. “Olhando a curva de evolução do Brasil nos últimos anos, o que a gente identifica é que o país já vinha sofrendo uma queda desde 2014, quando começa a operação Lava Jato, pelo motivo de que a operação revela graves esquemas de corrupção, que se encontravam em todos os cantos do governo brasileiro e aumenta a percepção de que há corrupção no Brasil”, explica.

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Mas, para o coordenador, só as investigações da Lava Jato não explicam o desempenho ruim do Brasil no IPC de 2019. “O que a gente esperava, no entanto, é que essas investigações com baixa impunidade levassem eventualmente à aprovação de reformas sistêmicas que fossem endereçar às causas da corrupção, às condições que permitiram que aqueles esquemas se estabelecessem. E infelizmente não temos visto isso ao longo dos últimos cinco anos”, lamenta France.

A escala do IPC vai de 0 a 100, na qual 0 significa que o país é percebido como altamente corrupto e 100 significa que o país é percebido como muito íntegro. A nota mais alta alcançada pelo Brasil foi em 2012, quando obteve nota 43, pontuação repetida em 2014.

As principais causas da posição brasileira no ranking

Na avaliação da Transparência Internacional, a corrupção segue como uma das maiores barreiras ao desenvolvimento econômico e social brasileiro. “A corrupção agrava as desigualdades, afeta de forma desproporcional as pessoas mais pobres, as pessoas que dependem mais dos serviços básicos, por exemplo. De forma semelhante, ela prejudica o desenvolvimento econômico porque ela, por exemplo, limita a concorrência entre os atores privados”, diz Guilherme France, da Transparência Internacional no Brasil.

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O coordenador da força-tarefa da Lava Jato no Ministério Público Federal (MPF) do Paraná, Deltan Dallagnol, concorda. "É uma questão de empatia, de compaixão e de justiça social. Basta olhar para as filas do SUS, a pobreza de nossa educação retratada em rankings recentes, a desigualdade social, nossa infraestrutura deficitária e por aí vai. O dinheiro desviado poderia ser aplicado para salvar e melhorar vidas. Além disso, a corrupção está atrelada à ineficiência e à baixa confiança na democracia e nas instituições", afirma.

A Transparência Internacional lista uma série de causas que contribuíram para a manutenção da pior nota brasileira na série histórica (que começou a ser medida metodologicamente em 2012), e que levaram o país a cair um patamar no ranking mundial. São elas:

Eleição foi influenciada pela pauta de combate à corrupção, que não se concretizou

A Transparência Internacional destaca que o resultado das eleições de 2018 no Brasil foi claramente influenciado pela pauta do combate à corrupção. “O elevado índice de renovação política se deu com a vitória de diversos candidatos que tinham baseado suas campanhas em agressivos discursos anticorrupção – a começar pelo próprio presidente da República, Jair Bolsonaro. Para completar, o início de 2019 teve a posse no Ministério da Justiça e da Segurança Pública do ex-juiz da Lava Jato Sergio Moro”, destaca a entidade.

Desde então, porém, a Transparência Internacional afirma que o que se viu foram retrocessos na pauta anticorrupção de todos os lados. “Infelizmente, além de não termos visto reformas significativas, nós tivemos vários retrocessos ao longo do ano no combate à corrupção”, diz France. “Tivemos em quase todos os setores do governo e dos poderes constituídos retrocessos e grandes disputas para manter o nível que nós tínhamos dos órgãos públicos de controle. Foi um ano bastante difícil”, completa o coordenador.

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Na Justiça, a entidade critica a decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, que em julho do ano passado paralisou todas as investigações de lavagem de dinheiro do país com base em dados do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), com base em um pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro (sem partido) – filho do presidente. As investigações ficaram suspensas até o plenário deliberar sobre o tema, em novembro.

“Situações que pareciam absolutamente pacíficas, como compartilhamento de informações do Coaf e da inteligência financeira foram questionadas e por conta disso ao longo do segundo semestre de 2019 diversas investigações ficaram paralisadas”, destaca France.

No Congresso, a Transparência Internacional critica a aprovação de “leis na contramão do combate à corrupção”, como a que enfraqueceu a transparência de partidos políticos e o controle do uso de recursos públicos em campanhas eleitorais.

Transparência Internacional critica governo Bolsonaro

O governo Bolsonaro também não é poupado pela Transparência Internacional na análise da colocação brasileira no ranking mundial. A entidade destaca o aumento das tentativas de interferência política do Palácio do Planalto nos órgãos de controle, com substituições polêmicas na Polícia Federal e Receita Federal e nomeação de um Procurador-Geral da República fora da lista tríplice.

“Na esfera do Poder Executivo, a gente teve no começo do ano uma tentativa de ampliar as hipóteses de atribuição de sigilo a informações públicas, tivemos diversos escândalos de corrupção de ministros e pessoas próximas ao centro de poder”, acrescenta France. “Além disso a gente também teve no Poder Executivo interferências em diversos órgãos que exercem papel importante no combate à corrupção, como Coaf, Receita Federal, Polícia Federal, Ministério Público. Uma série de medidas que testemunhamos ao longo de 2019 que também justificam esse resultado”, completa o coordenador da Transparência Internacional no país.

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Os ataques de Bolsonaro e seus ministros à imprensa e à sociedade civil organizada também foram criticados pela Transparência Internacional no relatório. “A imprensa exerce papel fundamental no combate à corrupção. Ela é responsável, muitas vezes, por trazer à luz esquemas de corrupção que existem, trazer informações sobre propostas de mudanças e reformas legislativas e administrativas que afetam funcionamento do Estado e essas informações, muitas vezes, são capazes de gerar mobilização social para eventualmente contê-las”, explica France. “Do outro lado, a sociedade civil exerce um papel fundamental. São diversas organizações pelo Brasil que realizam trabalhos importantes de monitoramento e fiscalização do poder público”, completa.

A Transparência Internacional também destacou casos de corrupção no governo federal ao longo do ano passado. “Em 2019, houve casos de denúncias de corrupção que atingiram, inclusive, o ex-partido e familiares do presidente Jair Bolsonaro, como um sinal de que a corrupção ainda acontece no país a despeito de haver um novo governo e em oposição ao discurso oficial.

Entre as maiores denúncias e escândalos de corrupção de 2019 estão as suspeitas das candidaturas laranja do PSL, inclusive, com suposto envolvimento do Ministro do Turismo, e as movimentações financeiras suspeitas de Fabrício Queiroz, ex-assessor do então deputado estadual Flávio Bolsonaro”, diz a entidade no relatório anual.

O procurador do MPF Deltan Dallagnol avalia que "a presidência não é a arena das grandes mudanças nessa área", mas "tem sua influência". "O presidente por exemplo não vetou pontos que seria importante vetar do projeto anticrime e da lei de abuso de autoridade. Além disso, poderia encaminhar ao Congresso uma reforma anticorrupção mais abrangente, estabelecendo-a como prioridade do governo", disse.

Dallagnol destaca também outros fatos que, segundo ele, são retrocessos no combate à corrupção: o fim da prisão em segunda instância e a aprovação da lei de abuso de autoridade, por exemplo.

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"O principal foi a proibição da prisão em segunda instância, mas houve vários outros: mudança na lei da colaboração premiada, a lei de abuso de autoridade, a mudança das regras de prisão, a ampliação do fundo eleitoral, a lei que enfraqueceu a transparência dos partidos e o controle das verbas federais, a decisão que determinou que casos de corrupção tramitem na Justiça Eleitoral quando envolvem dinheiro para campanha, a suspensão por quase seis meses de investigações com informações da Receita e do Coaf e a decisão que criou risco de anulação de casos ao determinar que réus delatados falem depois sem dispor simultaneamente que isso só valeria para o futuro", lista.

Lava Jato rompeu com governo em 2019

Os retrocessos no combate à corrupção já eram visíveis antes mesmo do relatório da Transparência Internacional. Poucos meses depois do governo Bolsonaro ter início, a Lava Jato em Curitiba já alertava para possíveis passos atrás nos esforços de combater a corrupção.

Em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo em agosto do ano passado, o coordenador da Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, elencou uma série de medidas tomadas pelo presidente, pelo Congresso e pelo Judiciário consideradas por ele preocupantes para a pauta anticorrupção no país.

“O que a gente vê no Brasil? A gente vê um movimento amplo [de enfraquecimento do combate à corrupção]. Não é um movimento restrito; não é uma pessoa ou duas. A gente vê um movimento que engloba o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”, disse Deltan à época.

Desde meados de 2019, a Lava Jato enfrenta ainda outro obstáculo: a divulgação, pelo site The Intercept Brasil, de diálogos atribuídos a membros da força tarefa, que colocaram a credibilidade da investigação à prova.

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“O que entendemos é que Vaza Jato trouxe à luz informações importantes e levantou preocupações justas sobre o sistema de Justiça brasileiro, mas as informações levantadas foram também utilizadas ao longo de 2019 por agentes políticos para atacar operações de investigação e combate à corrupção”, pontua Guilherme France. “A Vaza Jato, de alguma forma, acabou agravando essa polarização e acirrando os ânimos em torno de uma pauta que não deveria ser de um lado ou de outro do espectro político”, acrescenta.

"Informações são distorcidas para atacar a operação e o próprio combate à corrupção como meio para salvação de líderes ou das causas que estes carregam. Contudo, nosso trabalho apenas aplica a lei a quem as investigações demonstram que cometeu crimes", defende Dallagnol, chefe da Lava Jato.

Retrocessos barrados

A Transparência Internacional também cita retrocessos significativos ao combate à corrupção no Brasil que foram barrados pelas instituições e pela sociedade civil organizada, como a decisão do plenário do STF de destravar as investigações e permitir o compartilhamento de dados do Coaf com órgãos de investigação, como Ministério Público, sem prévia autorização judicial.

O Congresso também é elogiado pela entidade por ter derrubado um decreto presidencial que facilitava a classificação de sigilo sobre informações públicas. O decreto havia sido assinado pelo vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB) enquanto ocupava a presidência interinamente.

A aprovação do pacote anticrime também foi elogiada pela instituição por ter propiciado medidas que podem ter impacto positivo, como confisco alargado, reformas pontuais do sistema prescricional e melhorias na proteção de informantes. O pacote anticrime entra em vigor nesta quinta-feira (23).

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A Transparência Internacional também destaca a ampliação do efetivo da Polícia Federal com 1,2 mil novos agentes e recomposição das equipes dedicadas à Lava Jato em Curitiba, Rio e Brasília; e a criação de 29 delegacias especializadas em combate à corrupção nos estados brasileiros.

Deltan Dallagnol também destaca alguns avanços ao longo de 2019 no combate à corrupção. "Houve pequenos avanços que são mínimos diante dos retrocessos, como a ampliação da possibilidade do confisco do dinheiro desviado, a criação de proteção ao cidadão que relata crimes e uma melhoria tímida nas regras de prescrição", exemplificou o procurador.

Outros candidatos à OCDE tiveram resultados melhor que o do Brasil na percepção da corrupção

O Brasil tenta ingressar na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) há alguns anos, e fazer parte deste "clube dos países desenvolvidos" é prioridade para a gestão Bolsonaro. Para atingir o objetivo, segundo a OCDE, o país vai precisar fazer a lição de casa no combate à corrupção.

Dentre os 36 membros atuais da OCDE, o Brasil só é melhor que o México no que se refere ao combate à corrupção, que, com 29 pontos, ficou na 130ª posição. Outros dois países da região que também são candidatos à OCDE tiveram resultados melhores que o Brasil: a Colômbia ficou com 37 pontos, ficando na 96ª posição, e a Costa Rica obteve 56 pontos, figurando no 44º lugar.

No ranking internacional, o Brasil está de países como Tanzânia (96.º lugar), Vietnã (96º), Colômbia (96º), África do Sul (70º), Argentina (66º) e Cuba (60º), por exemplo.

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Sobre o IPC

O IPC é a mais longeva e abrangente ferramenta de medição da corrupção no mundo. Trata-se de um índice composto, isto é, uma combinação de 13 pesquisas e avaliações de percepção de corrupção realizadas por várias instituições reconhecidas. É também a referência para o nível relativo de corrupção nacional mais utilizada no planeta por tomadores de decisão dos setores público e privado para avaliação de riscos e planejamento de suas ações

Recomendações da TI para melhorar o combate à corrupção no Brasil

A Transparência Internacional lista no relatório do IPC 2019 uma série de recomendações para melhorar o combate à corrupção no Brasil. “Nós precisamos pensar em quais são as medidas que podem produzir resultados mais significativos no longo prazo”, defende Guilherme France.

“Nesse sentido, me parece que a análise e apreciação das novas medidas contra a corrupção pelo Congresso Nacional, a partir de uma priorização dada pela presidência da República, seria uma medida importante para garantir que essas reformas andassem e o Brasil de fato mudasse de patamar no Índice de Percepção da Corrupção”, afirma o porta-voz da entidade.

Veja outras recomendações para o combate à corrupção: 

  • O Congresso Nacional deve deliberar e aprovar reformas estruturais anticorrupção baseadas no pacote de medidas elaboradas por especialistas brasileiros: as Novas Medidas contra a Corrupção. 
  • O Poder Judiciário e o Ministério Público devem agir frente à sua ineficiência administrativa; à falta de responsabilização de seus membros por mau desempenho e corrupção; e aos privilégios, como férias abusivas e remunerações exorbitantes, que resultam na prestação jurisdicional ineficiente, morosa e seletiva;
  • A Justiça Eleitoral e os órgãos de controle devem atuar em coordenação nas eleições municipais de 2020 contra o financiamento ilícito de campanhas e o desvio de fundos públicos sob controle dos partidos, incluindo a utilização de candidatas laranjas e novas modalidades de manipulação virtual, como uso de robôs e disseminação de fake news;
  • O governo federal deve afastar seus membros investigados por corrupção, além de propor e defender a aprovação junto ao Congresso Nacional de reformas estruturais anticorrupção. Deve respeitar integralmente as liberdades constitucionais de expressão e associativismo, abstendo-se de hostilizar profissionais da imprensa e de organizações da sociedade civil;
  • Os governos estaduais e municipais devem aprimorar sua engenharia institucional de controle, atualizar seus marcos legais anticorrupção e promover Programas de Integridade que fortaleçam o enfrentamento da corrupção nos níveis subnacionais; 
  • O setor privado deve promover ações coletivas para o estabelecimento de códigos de conduta setoriais, pactos de integridade, inserção de valores éticos nos processos de capacitação de mão-de-obra e fomento ao compliance nas cadeias de suprimento, incluindo pequenas e médias empresas. Deve também exercer a liderança das federações de indústria e comércio e outras associações empresariais para a promoção de melhores práticas de integridade pública e privada;
  • A sociedade brasileira deve exercer conscientemente seu direito de voto nas eleições municipais de 2020 para eleger candidatos com passado limpo, compromisso com a pauta anticorrupção e respeito aos valores democráticos, pressionando também os partidos para que incrementem sua transparência, governança e democracia interna..
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