O presidente Jair Bolsonaro passou os últimos dias debruçado sobre o indulto natalino que deve ser assinado ainda nesta semana. O tema já foi abordado pelo presidente várias vezes desde a campanha eleitoral e ao longo do primeiro ano de mandato. O que se sabe até agora é que o indulto deve incluir, de alguma forma, a soltura de policiais presos. O presidente falou sobre isso no último sábado (14), quando afirmou que não haverá indulto para ninguém se policiais que cumprem pena após condenação judicial não forem incluídos.
O indulto é o perdão da pena, que pode resultar em sua redução, quando parcial, ou, até mesmo, extinção, quando total. É concedido somente pelo presidente da República, por meio de decreto, e atinge um grupo de pessoas, não somente um único indivíduo. Com o decreto, o chefe do Executivo estabelece as condições para a concessão do benefício. Os requisitos envolvem pontos como bom comportamento, estar encarcerado há determinado tempo, ter filho pequeno ou estar acometido por doença grave. Condenados que cumprem pena por crimes de tortura, terrorismo ou tráfico de drogas e condenados por crime hediondo, previstos na Lei 8.072/1990, não podem ser beneficiados.
O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) vinculado ao Ministério da Justiça, contrariou uma promessa do presidente Jair Bolsonaro e elaborou proposta para o indulto natalino deste ano sem incluir o perdão da pena a policiais presos. O conselho é formado por especialistas na área criminal e tem a incumbência de dar o ponto de partida na discussão. A palavra final é sempre do presidente da República.
A proposta do conselho abrange apenas presos em condições graves de saúde, a exemplo do indulto concedido por Bolsonaro em fevereiro deste ano. Na ocasião, foram beneficiados detentos com doenças como câncer, aids e que adquiriram deficiências físicas após terem cometido o crime. O texto aprovado pelo colegiado será analisado pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, antes de ser encaminhado a Bolsonaro.
Nesta terça-feira (17), Bolsonaro disse no Palácio Alvorada que estuda conceder neste final de ano uma espécie de indulto individual a presos, chamado de "graça". "Estamos estudando", disse, admitindo pela primeira vez a possibilidade de conceder o benefício. Assim como o indulto, a graça também não pode ser concedida a condenados por crimes hediondos.
Em agosto, Bolsonaro disse a jornalistas que o indulto que ele pretende conceder incluirá perdão a policiais envolvidos nos casos de Eldorado dos Carajás, no massacre de Carandiru e também no sequestro do ônibus 174, ocorrido no Rio de Janeiro, em 2000. "Os que se enquadrarem no indulto, eu vou dar. Estou pedindo a policiais de todos os estados uma lista de nomes, com justificativas", afirmou.
Questionado se daria indulto também aos comandantes ou apenas ao comandados de operações em que policiais militares foram condenados por sua atuação, ele disse que, se puder, perdoará também os líderes. "Se o comandante do Carandiru [coronel Ubiratan Guimarães] estivesse vivo, eu dava indulto pra ele também", completou.
Impedimentos legais
A concessão de indulto para estes casos, porém, esbarra em uma série de impedimentos legais. A Constituição dá ao presidente da República a competência exclusiva para definir as regras para concessão de indulto. Mas, segundo o advogado especialista em Direito Penal Militar Eduardo Miléo, há problemas técnicos na promessa de Bolsonaro.
“No caso de Carandiru, por exemplo, o indulto só extingue punibilidade quando já há trânsito em julgado”, explica o advogado. O caso envolvendo o massacre no Carandiru, que em 1992 deixou 111 mortos após uma rebelião no extinto presídio, ainda não teve todos os recursos julgados.
Miléo também ressalta que o caso de Eldorado de Carajás envolve condenações por crimes hediondos. “A lei proíbe indulto, graça e anistia para esse tipo de crime”, ressalta o advogado. O caso ocorreu no Pará, em 1996, quando 19 trabalhadores rurais sem terra foram mortos em confronto com a Polícia Militar. Mais de 150 policiais, armados de fuzis, com munições reais e sem identificação nas fardas, foram destacados para interromper uma caminhada que o MST fazia até Belém.
O especialista também destaca que, no caso dos envolvidos no sequestro do ônibus 174, os policiais foram absolvidos. O caso ocorreu em 2000, quando um sequestrador tomou conta de um ônibus da linha 174 e fez os passageiros reféns por quase cinco horas. O sequestrador tentou sair do ônibus usando uma passageira como escudo, e um policial tentou atirar nele, mas errou o tiro e acertou na refém, que morreu no local.
Miléo destaca, ainda, que o indulto com foco nestes policiais pode ter efeitos colaterais, uma vez que as regras estabelecidas no indulto valem para todos os presos. “Se ele fizer alguns critérios que alberguem esses policiais, se isso for aceito pelo STF, pode ser estendido a outros tipos de pessoas condenadas”, ressalta, citando o Supremo Tribunal Federal.
Indulto para policiais é promessa antiga
À época da campanha, Bolsonaro prometeu não dar indulto algum. Mas, em fevereiro, o presidente concedeu perdão judicial a um grupo específico de presos, entre eles deficientes e doentes graves. Ficaram de fora presos que tinham cometido crimes hediondos ou com grave violência, entre outros critérios estabelecidos no decreto.
Em agosto deste ano, durante uma live nas redes sociais, Bolsonaro pediu sugestões de nomes de policiais presos injustamente por “pressão da mídia” para serem beneficiados pelo indulto. "Vou escolher colegas policiais presos injustamente por pressão da mídia. Vai ter policial nesse indulto aqui. Espero que o pessoal me abasteça para a gente analisar. Esses, sim, a gente tem que botar na rua”, afirmou.
Após o CNPCP divulgar a decisão de não incluir os policiais, Bolsonaro apressou-se em dizer que a categoria será sim beneficiada pela medida, ou não assinará o indulto esse ano. "O indulto não é para determinadas pessoas, mas sim pelo tipo de crime pelo qual ela foi condenada. Vai ter policial sim, civil e militar, tudo lá", disse o presidente ao deixar o Palácio da Alvorada no sábado (14).
Bolsonaro reclamou que o conselho "esqueceu" dos policiais. "Não é justo. Tem policial que está preso por abuso porque deu dois tiros em um vagabundo de madrugada. Estava cumprindo sua missão. Não podemos continuar criminalizando policiais que fazem excelente trabalho", salientou. O presidente disse ainda que, se o indulto não incluir os policiais, ele poderá não assinar a medida. "Ou tem indulto para todo mundo ou não tem para ninguém. Quem assina sou eu".
Indulto de Temer foi parar no STF
O indulto de Natal virou tema de polêmica em 2017, quando o então presidente Michel Temer (MDB) incluiu condenados por corrupção na lista de crimes que poderiam ser perdoados. O decreto foi visto na época como uma tentativa de beneficiar alvos da Lava Jato. Diante da reação contrária à medida, a ministra Cármen Lúcia, que presidia o Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu sua validade.
Posteriormente, em maio deste ano, a medida foi considerada legal pela maioria da Corte. O entendimento foi de que a medida, por ser um ato privativo do presidente, não poderia ser barrada pela Justiça.
Liberado pelo Supremo, o decreto de Temer resultou no fim da pena a condenados na Lava Jato, como o ex-diretor da Petrobras Jorge Zelada, o ex-senador Gim Argello e o ex-deputado Luiz Argolo.
Em 2018, Temer decidiu não conceder o benefício a ninguém, o que também foi criticado por entidades de direitos humanos e órgãos do sistema penitenciário. O perdão a condenados que não representem risco à sociedade é uma forma de reduzir a superlotação nos presídios.