A decisão do governo federal de abrir o mercado de gás natural, quebrando o monopólio da Petrobras, é vista com otimismo pela indústria, maior consumidor do combustível no país. O setor, no entanto, cobra uma regulação eficiente para impedir que esse monopólio estatal se converta em um outro monopólio, desta vez privado.
Representantes da indústria confiam na projeção do governo federal de que, com a saída da Petrobras do serviço de transporte e distribuição de gás – conforme acordo assinado com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) – e com a possibilidade de compra direta de produtores locais e internacionais, o valor pago pelo gás natural possa cair até 40% em um período de dois anos, o que causaria um impacto de quase 2 pontos percentuais no crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).
Estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI) aponta que para cada 10% de redução na tarifa do gás, o PIB industrial é incrementado em 2,1%. Uma queda de 40%, portanto, corresponderia a um crescimento de 8,4% no PIB industrial. E, como a indústria corresponde a 22% da atividade econômica, tal avanço causaria um impacto de 1,84% no PIB brasileiro nos mesmos dois anos.
Hoje o gás natural chega à indústria brasileira a cerca de US$ 14 por milhão de BTU, enquanto a média mundial é de US$ 7,5. Uma redução de 40% representaria um preço de US$ 8,4 por milhão de BTU.
Um estudo de 2018 da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), estatal controlada pela União, põe em dúvida as chances de uma queda desse tamanho no custo do combustível. Conforme o trabalho, o transporte e a distribuição respondem, juntos, por 30% do preço do gás natural no Brasil. Uma queda de 40% no preço, portanto, seria maior até que a representatividade desses dois itens na composição desse mesmo preço.
Os setores que dependem do gás natural
“O gás representa uma parcela muito alta do custo de produção de todos os setores da indústria que precisam gerar calor para sua produção. No setor de cerâmica, por exemplo, o gás representa 25% do custo. A metalurgia, papel e celulose, a indústria da madeira e o setor automotivo também dependem do gás natural”, conta o gerente dos Conselhos Temáticos e Setoriais da Federação das Indústrias do Paraná (Fiep), João Arthur Mohr, que tem atuado como consultor de infraestrutura junto à CNI na discussão sobre a redução do preço do gás. Ele estima que, se confirmada a redução estimada pelo governo no preço do gás, setores como o de cerâmica poderão ter uma redução de custos de até 10%.
A quebra do monopólio da Petrobras e a consequente redução do preço do gás ocorreria pela confluência de, ao menos quatro fatores:
- a saída da estatal da exploração do transporte e distribuição de gás, por conta do acordo com o Cade;
- o fim do monopólio na produção, exploração e compra da molécula de gás;
- o fim do contrato da Petrobras com o Gasoduto Brasil-Bolívia, que, hoje, mantém a estatal como único comprador de gás boliviano;
- e o incentivo do governo federal à privatização das companhias estaduais de gás, responsáveis hoje pela distribuição em sociedade com a Petrobras.
“A Petrobrás é dona da molécula de gás, é ela quem produz e quem pode importar gás. Ela também detém o transporte do gás, através dos gasodutos, e faz parte do controle acionário das companhias estaduais de gás, controlando a distribuição. Então, ela detém o monopólio de toda a cadeia e ninguém sabe o preço real do gás aqui”, diz Mohr.
Um mercado livre para o gás natural
Ele compara a expectativa para o mercado de gás com o funcionamento do chamado mercado livre de energia elétrica: "Ela também tem as três etapas: a geração, a transmissão e a distribuição. Nosso objetivo é fazer igual à energia, transformando o mercado de gás em mercado livre. Você pode comprar a molécula de gás de quem quiser, pagar à empresa de gasoduto pelo transporte e pagar uma taxa à empresa operadora para a distribuição. Na energia, esse mercado livre reduziu o preço em 20%".
Mohr explica que, com a abertura do mercado, a indústria poderá optar entre comprar o gás diretamente da Bolívia, das companhias estaduais ou operadoras privatizadas (no futuro), ou importá-lo de Rússia, Irã ou Estados Unidos, o que geraria uma concorrência saudável, reduzindo o preço da molécula.
“O grande fator de competitividade será o pré-sal. Como os campos do pré-sal já foram abertos a outras empresas exploradores e a Shell e a BP (British Petroleum) já anunciarão que explorarão, também, o gás natural no pré-sal, o que fará com que a Petrobras também se obrigue a fazer em seus campos, o que vai aumentar a oferta e, consequentemente, reduzir o preço”, avalia o gerente da Fiep. “Hoje, a concorrência ao gás da Bolívia é um gás que precisa vir de outro continente, de navio, precisa ser liquefeito para ser transportado, depois ser regaseificado, o que vai aumentando o custo. E a Bolívia pratica preços semelhantes. Com o pré-sal, eles também serão obrigados a reduzir seu preço”.
Regulação tem de impedir monopólio privado
O grande entrave para se chegar a essa redução de 40% está na regulação dos serviços de transporte e distribuição. Mesmo com a abertura do mercado e a saída da Petrobras do cenário, há limites físicos para a concorrência, uma vez que os gasodutos e sistemas de distribuição são únicos e os usuários dependerão deles para ter acesso ao combustível. Assim, sendo controlado por empresas estaduais ou por instituições privadas, é preciso que o sistema tenha uma regulação rígida e eficiente por parte da Agência Nacional do Petróleo (ANP) para que, de fato, ocorra redução na tarifa.
“Porque, senão, você sai de um monopólio estatal e cai em um monopólio privado, já que não há alternativa ao gasoduto. Então precisa de uma forte atuação da ANP definindo como serão esses contratos, estabelecendo uma tarifa teto. O monopólio privado é pior que o monopólio público”, alerta.
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