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Em meio a um ano atípico e que, como os anteriores, viu disputas entre o governo federal e o Congresso Nacional, a área da infraestrutura registrou importantes avanços dentro do Legislativo. Deputados e senadores aprovaram ou deixaram encaminhados projetos de relevo para o setor, como o novo Marco Legal do Saneamento, a BR do Mar, e a Lei do Gás.
As explicações para o desempenho diferente da infraestrutura na comparação com outros temas se dividem entre diferentes fatores. Parlamentares citam que a presença de uma bancada mais ligada a temas liberais influiu no avanço das propostas.
Há também o sentimento de que os investimentos em infraestrutura são essenciais para que o Brasil se recupere da crise econômica que marca o país desde a década passada. E o desempenho pessoal do ministro Tarcísio Gomes de Freitas (Infraestrutura), um dos mais populares do governo de Jair Bolsonaro (sem partido), foi outro elemento que deu sua contribuição ao quadro.
Existe ainda outro fator que ajudou na avaliação de congressistas: o fato de o Congresso ter promovido sessões remotas, em virtude da pandemia de coronavírus. Sem os encontros presenciais, as sessões e votações ficaram mais ágeis, o que impulsionou a aprovação de projetos.
Consciência coletiva liberal
Presidente da Comissão de Infraestrutura do Senado, Marcos Rogério (DEM-RO) é da opinião de que o entendimento generalizado de deputados e senadores sobre a importância da setor estimulou as aprovações sobre o tema no Congresso em 2020.
"Eu acho que o avanço dela [infraestrutura] é fruto da consciência coletiva do parlamento. O parlamento tem consciência de que o Brasil não cresce e não crescerá se não tiver uma infraestrutura adequada, em sentido amplo. É pensar a infraestrutura como base para todo e qualquer crescimento. Melhorar a logística de transportes, melhorar os modais de transportes", disse.
Posicionamento semelhante é o do deputado Enrico Misasi (PV-SP), que é o presidente da Frente Parlamentar do Saneamento da Câmara. "Houve um consenso, na sociedade, no parlamento e no governo, que havia e ainda há muito a ser feito no campo da estrutura, que permanece como um dos grandes gargalos do país. Há uma consciência generalizada de que se trata de prioridade", destacou.
"Não tenho dúvida de que o ambiente político atual, mais de centro-direita no campo da economia, ajudou e muito na aprovação dos projetos", acrescentou o parlamentar, que é o líder do seu partido na Câmara.
De fato, a tramitação das propostas sobre estrutura registrou, em muitos casos, embates menores do que o visto em outros campos. O ambiente de conflito entre a presidência da Câmara e o governo, ou mesmo entre diferentes segmentos de apoiadores da gestão Bolsonaro, não se viu em tópicos como o Marco Legal do Saneamento, que acabou aprovado sem muita resistência da oposição.
Já a nova Lei do Gás foi aprovada na Câmara com 351 votos favoráveis e 101 contrários, e no Senado a proposta foi tema de votação simbólica. Nestes projetos, a oposição de esquerda ao governo, representada por partidos como PSOL, PT e PCdoB, não conseguiu angariar a simpatia de muitos integrantes de outras legendas.
"Sem tempo, irmão"
O ministro Tarcísio Gomes de Freitas foi identificado, por meio de uma pesquisa realizada em junho, como o militar mais bem aprovado da gestão Bolsonaro. Freitas é alvo de "memes positivos" na internet, que celebram uma eventual disposição ao trabalho. Apelidos como "Asfaltador-geral da República" e "sem tempo, irmão" são frequentemente atribuídos ao titular da Infraestrutura.
A popularidade do ministro chega também ao Congresso, segundo os parlamentares, e influi na apreciação de projetos. "A aprovação que ele tem na sociedade chega até o parlamento. Ele tem uma boa credibilidade. E é comum que o trabalho dele seja contrastado com o de outros ministros, como se houvesse uma 'paralisia' nos outros ministérios e um trabalho maior na Infraestrutura", diz Misasi. O líder do PV menciona o empenho pessoal de Freitas na aprovação da BR do Mar, que tramitou em regime de urgência na Câmara.
"Ele tem se revelado alguém capaz de dialogar, capaz de compreender as preocupações do parlamento. Tem feito gestos, tem sido firme quando precisa ser firme, mas tem feito concessões quando precisa fazer concessões no sentido de garantir o avanço de pautas que são importantes para o país, disse Marcos Rogerio. "É o ministro certo no lugar certo", acrescentou o senador.
Sessões virtuais favoreceram projetos de infraestrutura
Rogério acredita que a pandemia e as consequentes sessões virtuais fizeram com que o Congresso trabalhasse ainda mais em 2020 - o que inlcui produção para a área de infraestrutura.
"O parlamento soube, mesmo com todas as contingências, cumprir o seu papel. Ouso dizer que o parlamento produziu mais estando na pandemia e com as contingências impostas pelas sessões remotas do que num período de normalidade. No período de normalidade, você tem os temas passando pelas comissões, o debate é mais profundo, é mais técnico, mas também mais político, e isso acaba engessando um pouco mais as matérias", disse.
Já Misasi vê a obrigatoriedade das sessões virtuais como um quadro com dois lados. O líder do PV concorda com a celeridade trazida pelas votações via internet, mas acredita que a impossibilidade dos encontros presenciais enfraquece o debate. No caso da Câmara, a situação ficou acentuada porque as comissões permanentes sequer chegaram a ser instaladas em 2020. "Isso dificulta o processo de maturação de temas mais polêmicos e também inibe a participação de muitos parlamentares", apontou.
Os avanços da infraestrutura
A conclusão da aprovação do Marco Legal do Saneamento foi um dos principais avanços que o Congresso fez no campo do saneamento em 2020. A proposta foi aprovada pelos senadores em junho; a parte dos deputados havia sido finalizada ainda em 2019. O tema, entretanto, deve mobilizar novamente o Congresso, já que os parlamentares precisam deliberar sobre os vetos que o presidente Bolsonaro impôs ao texto no ato da sanção.
A Lei do Gás é outro tema que ainda permanecerá no radar, uma vez que a aprovação pelo Senado, no último dia 10, foi feita com modificações, o que demanda nova apreciação pela Câmara. Na mão oposta, a "BR do Mar", projeto que cria novos regramentos para o transporte aquático, foi para análise dos senadores, após votação na Câmara no dia 8.
Para 2021, um dos pontos esperados pelos parlamentares é o de avanços em normas para o setor ferroviário.