Com o racha bolsonarista causado pela demissão de Sergio Moro, boa parte da base que continua apoiar o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) não tardou a acusar o agora ex-ministro da Justiça e Segurança Pública de “traidor”, “incompetente”, “parcial” ou “aliado da Globo” – apontamento inflamado sobretudo após a apresentação por Moro de conversas comprometedoras com membros do governo ao Jornal Nacional. Curiosamente, acusações muito semelhantes às que sempre permearam a relação do ex-juiz federal com partidos de esquerdas, principalmente o PT, nos anos mais intensos da operação Lava Jato.
A inimizade comum, porém, tem fatos geradores bem diferentes. Moro se tornou algoz do petismo pela sua atuação nos julgamentos da Lava Jato, principalmente na condenação em primeira instância do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à prisão, em 2017, no caso do tríplex do Guarujá – âmbito da Lava Jato. Por sua vez, ex-aliado de Bolsonaro, Moro despertou a ira do bolsonarismo ao romper com o governo em um pronunciamento com sérias denúncias de tentativa de interferência na atuação da Polícia Federal.
Apesar de um inimigo convergente, a aproximação das narrativas anti-Moro de bolsonaristas e petistas já presentes nas redes sociais não devem perdurar na esfera oficial, na opinião de especialistas. Para o analista político da Gazeta do Povo Francisco Escorsim, embora a esquerda tenha a ganhar com o racha exposto, ela se vê em uma posição delicada para assumir um dos lados. “Se ela fizer uma escolha, pode perder muito mais do que ganhar. Talvez seja o momento de maior fragilidade [do governo Bolsonaro], mas é aquela coisa: se eu for para cá, defendo o Moro, se for para cá, defendo o Bolsonaro”, avalia.
Para ele, isso ficou evidente nas primeiras declarações de Lula após a saída de Moro do governo. “Ele disse que não iria bater ainda no Bolsonaro; disse saber como funciona a troca de ministros.... Vão criar uma narrativa de uma tal maneira que as coisas sejam unificadas, que os dois [Moro e Bolsonaro] saiam perdendo”, aponta. Neste sábado, o ex-presidente voltou a se pronunciar pelo Twitter. “Nessa disputa toda, os dois são bandidos”, escreveu.
Para Emerson Cervi, cientista político e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), a esquerda “não ganha nem um centímetro” com a ruptura. “Ninguém que era ‘bolsonarista’ ou ‘morista’ será ‘petista’ a partir de amanhã. Nem um petista será ‘morista’ porque ele brigou com o Bolsonaro. Essa disputa é uma disputa no campo da direita. A esquerda até gostaria de ganhar, de capitalizar com isso, mas se ela vai conseguir, é outra coisa. Não me parece que está conseguindo”, analisa.
Advogado, mestre em Ciência Política e professor da Escola de Direito e Ciências Sociais da Universidade Positivo, Francis Ricken aponta, no entanto, a tendência de que a oposição busque, neste momento, atacar o presidente. “Acho que o alvo, por agora, é Bolsonaro. Ele está frágil, ele demonstra fragilidade. Foi um enfraquecimento muito forte nessa base ligada à corrupção. Mais próximo a 2022, Moro passa a ser alvo. Pela proximidade da eleição”, diz.
Para ele, o episódio fortaleceu mais outros partidos do que o PT. “O presidente Bolsonaro é uma pessoa muito atípica quanto a seus posicionamentos políticos. Mesmo assim ele estava mantendo uma base razoável no Congresso e aprovando agendas importantes para seu governo. E com popularidade. Com a demissão de [Luiz Henrique] Mandetta [ex-ministro da Saúde], ficou muito claro que ele não se submete a posicionamentos técnicos ou científicos. Com Moro, Bolsonaro também se insurgiu”, destaca Ricken.
“Obviamente que todos esses partidos -- MDB, PDT, PT e PSDB -- saem muito mais fortalecidos do que estavam antes. Alguns deles podem trazer Moro para dentro ou ter apoio político significativo. Aqueles que não compactuam com o posicionamento de Bolsonaro podem usar Moro falando sobre a interferência [na Polícia Federal]. Foi uma cutucada. Acho que todo mundo acabou se beneficiando”, diz.
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