A prisão nesta sexta-feira (13) do presidente do PTB, Roberto Jefferson, é uma amostra de como o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), pretende se portar a partir de agora para revidar insultos proferidos por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro contra a Corte. A medida, a mais dura no direito penal, foi decretada dentro de uma investigação que nasceu em julho deste ano, e cuja abertura se deu forma semelhante à criação, em 2019, do inquérito das fake news: de ofício, sem provocação do Ministério Público, mas desta vez por iniciativa do próprio ministro e não do presidente do STF, como ocorreu anteriormente.
Já chamado de "inquérito das milícias digitais", ele foi instaurado na mesma decisão em que Moraes acolheu um pedido da Procuradoria-Geral da República para arquivar outro inquérito, o dos chamados "atos antidemocráticos", este sim requerido pelo MP. Após mais de um ano de investigações, a PGR pediu o fim do inquérito no STF por não ter encontrado indícios de que deputados aliados de Bolsonaro estivessem à frente da organização e financiamento de protestos de rua que, em parte, clamavam por uma intervenção das Forças Armadas na Corte e no Congresso.
Por meio de buscas e apreensões e quebras de sigilo, a Polícia Federal juntou farto material sobre a rede de apoiadores digitais do presidente. Além de não enxergar participação de parlamentares, a PGR também não viu provas claras de uma liderança que estaria orquestrando atentados contra o regime democrático.
Em manifestação enviada ao ministro em junho, o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, afirmou que "não se pode prolongar investigações sabidamente infrutíferas, apenas por motivações como a de que, talvez, em algum momento indefinido no tempo possam vir a surgir indícios contra os investigados, ou, ainda, como forma de se evitar que esses mesmos agentes voltem a delinquir".
Mesmo assim, a PGR concordou com a continuidade das investigações, mas na primeira instância da Justiça. Moraes não se deu por satisfeito e, no dia 1º de julho, instaurou o novo inquérito, que teria por objetivo prosseguir com as investigações "em virtude da presença de fortes indícios e significativas provas apontando a existência de uma verdadeira organização criminosa, de forte atuação digital e com núcleos de produção, publicação, financiamento e político absolutamente semelhante àqueles identificados no Inquérito 4.781 [inquérito das fake news], com a nítida finalidade de atentar contra a Democracia e o Estado de Direito".
A prisão de Roberto Jefferson ocorreu dentro desse novo inquérito e a pedido da delegada da PF Denisse Ribeiro, que já tocava a investigação anterior. No requerimento, ela afirmou que a prisão preventiva era a única forma de interromper as ofensas do ex-deputado aos ministros e a incitação de seus seguidores "a agirem ilicitamente, em violação às regras do Estado Democrático de Direito".
"Não se vislumbra, neste momento inicial, medida alternativa apta a preservar a ordem pública dos ataques promovidos e que podem culminar na efetiva execução de atos de violência, diretamente ou por interpostas pessoas", escreveu a delegada no pedido.
Ofensas e ameaças
Das 38 paginas da decisão em que mandou prender Roberto Jefferson, Moraes dedicou 25 a declarações e postagens em redes sociais nas quais o presidente do PTB dispara uma série de impropérios contra os ministros do STF, os senadores da CPI da Covid, tachados de "corruptos", e até contra o embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, chamado por ele de "macaco".
Em entrevistas, Jefferson defendeu uma "intervenção militar" de Bolsonaro na Corte para aposentar forçadamente 10 ministros da Corte (exceto Kassio Nunes Marques, indicado pelo atual presidente); conclamou o povo a invadir o Senado para "colocar pra fora, a pescoção", os senadores que se opõem ao governo; e, ao pregar aprovação da PEC do voto impresso, falou em "botar fogo no Tribunal Superior Eleitoral, explodir aquele troço".
Para Moraes, "as manifestações, discursos de ódio e homofóbicos e a incitação à violência não se dirigiram somente a diversos Ministros da Corte, chamados pelos mais absurdos nomes, ofendidos pelas mais abjetas declarações, mas também se destinaram a corroer as estruturas do regime democrático e a estrutura do Estado de Direito".
Para fundamentar a prisão, o ministro citou a decisão do plenário do STF, de abril, que tornou o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) réu, por causa do vídeo de fevereiro em que dizia imaginar o ministro Edson Fachin tomando uma "surra", elogiava o AI-5 e desafiava Moraes a prender o general Eduardo Villas-Bôas. Moraes considerou que, assim como no caso de Silveira, haveria também um flagrante, uma vez que as declarações de Roberto Jefferson continuam na internet.
Por fim, afirmou que a liberdade de expressão não permite afrontas ao regime democrático. "Tanto são inconstitucionais as condutas e manifestações que tenham a nítida finalidade de controlar ou mesmo aniquilar a força do pensamento crítico, indispensável ao regime democrático; quanto aquelas que pretendam destruí-lo, juntamente com suas instituições republicanas; pregando a violência, o arbítrio, o desrespeito à Separação de Poderes e aos direitos fundamentais, em suma, pleiteando a tirania, o arbítrio, a violência e a quebra dos princípios republicanos", escreveu Alexandre de Moraes na decisão.
O ministro elencou indícios contra Jefferson dos crimes de calúnia, difamação, injúria, incitação ao crime, apologia ao crime ou criminoso, associação criminosa, denunciação caluniosa, organização criminosa e também em delitos previstos na Lei de Segurança Nacional, revogada nesta semana pelo Senado.
Aval do STF
Dentro do Supremo, Moraes não consultou qualquer ministro para tomar a decisão. Nenhum deles, no entanto, manifestou oposição à prisão de Jefferson. A avaliação interna é de que, há muito tempo, era preciso tomar uma medida contra os ataques do presidente nacional do PTB.
Moraes também não pretende levar a decisão a referendo do plenário de forma rápida, como ocorreu com Daniel Silveira. Só vai submeter a decisão aos pares depois que chegar um recurso e quando considerar mais oportuno. O advogado de Jefferson, Luiz Gustavo da Cunha, disse que vai pedir a conversão da prisão preventiva para domiciliar antes de discutir o mérito da prisão.
"A prisão é arbitrária, isso é fato, fundamentada em opinião, por mais dura que seja. A ordem constitucional foi quebrada, o ministro é suspeito porque processa civilmente o Roberto Jefferson. E ele não tem foro privilegiado para ser investigado no STF. Estava em casa há uma semana e meia, com inflamação aguda no fígado, esteve internado esses dias. Estamos avaliando se o tratamento será cirúrgico ou não. Vou pedir a prisão domiciliar e depois discutir o mérito", disse à Gazeta do Povo.
Dentro do STF, a expectativa é de que a prisão sirva como mais um alerta para Bolsonaro e seus seguidores, e com o lembrete que Moraes — que também relata outras três investigações contra o presidente — não precisa do aval da PGR para decretar medidas duras. A delegada da PF Denisse Ribeiro é considerada pessoa de sua confiança e pode apresentar a ele outros pedidos semelhantes.
Oficialmente, a PGR protestou contra a decisão. Disse, em nota, que se manifestou "no tempo oportuno" contra a prisão, porque entende que a prisão "representaria uma censura prévia à liberdade de expressão, o que é vedado pela Constituição Federal". Antes, Moraes afirmou, em nota, que pediu a manifestação do órgão no dia 5 e deu 24 horas. O parecer só foi protocolado no STF nesta quinta-feira (12), quando a decisão já estava tomada.
Nos bastidores do STF, os ministros acham que a PGR fez "corpo mole" propositalmente e apostam que a investigação sobre a "organização criminosa digital" perdure, no mínimo, até a eleição do ano que vem.
O que dizem juristas sobre a prisão de Roberto Jefferson
Assim como ocorreu com o inquérito das fake news, a nova investigação divide a comunidade jurídica. O advogado Eugênio Pacelli, mestre, doutor em direito penal, que por mais de 20 anos foi membro do Ministério Público em Minas Gerais, entende que, "em situações de normalidade", não cabe ao Judiciário abrir uma investigação de ofício, exceto quando há inércia do MP e uma situação de flagrante delito.
"O momento do Brasil não é de normalidade, é de conflagração. Existem instituições que estão sendo atacadas de modo virulento e violento. Então, o que a gente pode entender disso? Ao Judiciário se reserva o papel de imparcialidade. Em princípio, o Judiciário não tem que atuar na fase de investigação, não determina instauração de inquérito. Em princípio. Quando se está diante de uma situação de inércia do Ministério Público, de superação de seu prazo para tomar providências que a Constituição e a lei lhe impõem, e ele não faz nada, o Judiciário pode e deve tomar medidas de proteção. Em situações de urgência, em que há risco imediato ao atingimento dessas instituições, tem aí uma situação de flagrante delito. Então, as medidas são válidas, o Judiciário pode e deve sim tomar providências imediatas e deflagrar a investigação. E depois tem que encaminhar isso ao Ministério Público", afirmou Pacelli à Gazeta do Povo.
Ele lembra que a própria Constituição e a legislação penal dão a particulares o direito de moverem ações penais quando o Ministério Público se omite. E também podem prender quem comete crimes em flagrante.
"Qualquer autoridade pública, sendo juiz ou sendo particular, diante de um flagrante delito, pode atuar, pode dar voz de prisão a quem esteja a praticar um crime. Esse crime pode ser praticado, inclusive, via online. Não tenho que estar na presença física diante da vítima para praticar esse crime. Havendo situação de flagrância delitiva, qualquer pessoa do povo, incluindo o Judiciário, pode sim determinar a prisão."
Quanto às declarações de Jefferson, Pacelli entende que elas não estão protegidas pela liberdade de expressão. "O exercício de liberdades é incompatível com a prática de delitos. Então, se há na Constituição a garantia da proteção da honra e da imagem, qualquer ataque contra a honra e a imagem de pessoas e instituições, não é exercício de liberdade de expressão e opinião."
Professor de direito da Uerj, o procurador do Ministério Público do Rio de Janeiro Marcelo Rocha Monteiro discorda da prisão e da forma como foi aberta e é conduzida a investigação. Ele diz que, em situações em que ministros são ofendidos ou ameaçados por pessoas sem foro privilegiado, como é o caso de Roberto Jefferson, eles podem acionar um delegado para que investigue o caso perante a primeira instância, no qual outro juiz, que não seja vítima dos crimes, vai supervisionar a investigação.
"Qual o truque? Inventar que existe uma organização criminosa, dizer que alguns membros têm foro especial no Supremo e que, portanto, todos os demais integrantes também poderão ser julgados e presos por ordem do ministro", disse Monteiro à Gazeta do Povo. "O que ele está chamando de organização criminosa digital é você fazer uma postagem criticando um ministro do Supremo e o meu primo, minha vizinha, o Juquinha da esquina, compartilharmos a postagem e isso nos transformar, nessa visão torta do ministro, numa quadrilha, numa organização criminosa. Pessoas que talvez nunca se falaram e nunca organizaram nada. Pessoas que individualmente resolveram compartilhar um post, sem nem concordar, porque nem sempre compartilhar significa endossar", acrescentou.
Monteiro considera algumas declarações de Roberto Jefferson graves, mas, mesmo assim, diverge de Moraes por este dizer que a liberdade de expressão não admite manifestações contra a democracia.
"Se a Constituição não permite que a liberdade de expressão seja usada contra o regime democrático, em toda manifestação que se levantasse a bandeira da foice e do martelo, do regime comunista, tinha que sair todo mundo preso. Nunca vi ninguém preso. A democracia permite que você se manifeste contra a democracia. Você não pode tomar medidas concretas contra a democracia, mas quando fica em manifestações pela ditadura do proletariado, é tão permitido quanto pedir intervenção militar. A Constituição diz que o Brasil é uma República, mas ninguém vai ser preso por ir a manifestação monarquista", afirmou.
Monteiro vai além: afirma que, enquanto o STF investiga ofensas ao Judiciário, aquelas contra o presidente Jair Bolsonaro são deixadas de lado. "É mais que óbvio que esses inquéritos estão sendo utilizados como instrumento de pressão política. O STF está sendo criticado e reage com esse tipo de procedimento. Todos esses inquéritos são contra quem ataca o Supremo. O presidente sofre ataque e o STF não investiga. Em nenhum momento o STF considera que chamar o presidente de genocida é atentado à democracia. Quando tem ataque ao presidente, é crítica. Quando é contra o ministro o Supremo, é ataque contra a democracia e o Estado de Direito. Então, o ministro acha que ele é a democracia."
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