Ouça este conteúdo
O inquérito da Lava Jato contra o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), completa um ano agora em agosto parado na Procuradoria-Geral da República (PGR) sem que haja qualquer decisão sobre o indiciamento do parlamentar. E, desde setembro do ano passado, está na gaveta do procurador-geral da República, Augusto Aras, que assumiu naquele mês o comando da PGR.
Em maio, o ministro Edson Fachin, relator dos casos da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), pressionou Aras a tomar uma decisão. E pediu que a Procuradoria-Geral da República (PGR) decidisse se vai ou não denunciar Maia ao próprio STF. Até agora não houve manifestação de Aras.
Caso Aras decida por denunciá-lo, o Supremo ainda terá de avaliar se acata ou não a denúncia da PGR para só depois Maia virar réu. E apenas depois é que o processo efetivamente começa a tramitar para ser julgado.
Segundo a Polícia Federal (PF), Maia cometeu os crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica eleitoral por receber repasses da empreiteira Odebrecht.
Na planilha de propinas da Odebrecht, Maia é identificado como "Botafogo". Uma perícia da PF encontrou nos sistemas de comunicação e contabilidade da empreiteira registros de pagamentos de R$ 1,5 milhão para codinomes associados ao presidente da Câmara e ao pai dele, o ex-prefeito do Rio e vereador César Maia (DEM). Parte dos pagamentos está relacionada nas planilhas a obras da empresa.
De acordo com a PF, Maia e seu pai praticaram crime eleitoral “na modalidade ‘Caixa 3’, ao apresentar apenas as informações de cunho estritamente formal das doações repassadas por empresas interpostas, quando o verdadeiro doador era o Grupo Odebrecht”.
O presidente da Câmara nega as acusações da PF e afirma que todas as doações que recebeu em campanhas eleitorais foram solicitadas dentro da legislação, contabilizadas e declaradas à Justiça. Segundo Maia, “nunca houve pagamentos não autorizados por parte da Odebrecht ou de qualquer outra empresa”.
Depois que a PF concluiu o inquérito, o caso foi enviado a então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, em agosto de 2019. Ela tinha 15 dias para decidir se denunciava o político ou arquivava a denúncia. O prazo acabou em 9 de setembro do ano passado sem que houvesse uma decisão.
Augusto Aras substituiu Raquel Dodge no comando da PGR logo depois, em 26 de setembro. E, desde então, ele é quem ficou responsável pelo inquérito contra Rodrigo Maia.
Em fevereiro deste ano, Aras determinou a revisão da investigação contra Rodrigo Maia. Membros da equipe do procurador-geral teriam visto inconsistências nas investigações envolvendo o presidente da Câmara.
Maia também é investigado por propinas da OAS
O presidente da Câmara também é investigado por suposto envolvimento em um esquema de pagamento de propina da empreiteira OAS, também envolvida na Lava Jato. Para a PF, há indícios de que Maia prestou favores à empreiteira em troca de doações de campanha.
A PF chegou à essa conclusão depois de analisar mensagens no celular apreendido com o presidente da OAS, Leo Pinheiro. As conversas revelam supostos diálogos com Maia com pedidos de doações e conversas sobre projetos no Congresso Nacional. O parlamentar nega irregularidades.
Também cabe a Aras decidir se apresenta ou não denúncia contra Maia nesse caso. O procurador-geral da República pediu mais prazo ao ministro Fachin para tomar uma decisão.
Até agora, Maia não foi denunciado em nenhum caso envolvendo a Lava Jato no Supremo.
Maia apoiou Aras em críticas recentes à Lava Jato
Recentemente, Rodrigo Maia fez coro às críticas de Aras à Lava Jato, em meio a uma investida da PGR contra a força-tarefa de Curitiba. O procurador-geral afirmou que a operação é uma “caixa de segredos” e que é preciso uma “correção de rumos” para que o “lavajatismo não perdure”.
A fala de Aras provocou reações de defesa da Lava Jato de entidades e figuras políticas. Já o presidente da Câmara saiu em defesa do procurador-geral. Para ele, Aras tem legitimidade para fazer críticas à operação. “A crítica que eu faço é: o Ministério Público é um órgão fundamental para nosso país. Mas a impressão que me dá é que não gostam de ser fiscalizados muitas vezes”, disse Maia.
O deputado do Democratas também afirmou que os integrantes da Lava Jato se colocam "acima do bem e do mal". “Em determinado momento, qualquer coisa que a gente ia votar [na Câmara] tinha uma coletiva lá do pessoal de Curitiba: ‘não pode votar isso, não pode votar aquilo’, como se fossem um árbitro, uma figura acima do bem e do mal”, disse Maia.
O parlamentar também apoiou a proposta do presidente do STF, Dias Toffoli, que defendeu que magistrados e membros do Ministério Público sejam submetidos a uma "quarentena" de pelo menos oito anos caso queiram abandonar as carreiras no Judiciário e no MP para disputar eleições. Toffoli disse que o período de inelegibilidade evitaria a "utilização da magistratura e do poder imparcial do juiz para fazer demagogia, aparecer para a opinião pública e se fazer candidato".
Toffoli não citou nomes, mas a declaração dele foi vista nos meios políticos como uma crítica a procuradores da Lava Jato e ao ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro, que vem sendo cotado para se candidatar à sucessão de Jair Bolsonaro. Maia afirmou que a ideia de uma quarentena para juízes e procuradores está em discussão na Câmara e já pode ser votada nesse segundo semestre.
Delação do fim do mundo, mas nem tanto
A colaboração premiada de 77 executivos da Odebrecht, que cita Rodrigo Maia, foi fechada com a PGR em 2016 e ganhou o apelido de “delação do fim do mundo” por envolver políticos de diversos partidos. Mas até agora teve pouco efeito prático.
Durante a 23.ª fase da Lava Jato, em 2016, quando os investigadores descobriram o departamento de propina da empreiteira, foram coletados documentos que citam repasses de dinheiro para cerca de 300 políticos.
Em dezembro de 2016, a delação do ex-vice-presidente de Relações Institucionais da Odebrecht, Cláudio Melo Filho, revelou uma planilha com repasses a 48 políticos, identificados por codinomes.
A própria homologação da delação enfrentou percalços pelo caminho. Em janeiro de 2017, morreu o ministro do STF Teori Zavaski, que até então era o relator da Lava Jato no STF e que tinha a responsabilidade pela homologação das delações que citavam políticos.
A delação dos empreiteiros foi homologada pela ministra Carmen Lúcia, então presidente do STF, em caráter de urgência no final de janeiro de 2017.
Os primeiros pedidos de abertura de investigações com base na delação só chegaram ao Supremo em março de 2017.
Até agora, porém, houve poucas condenações com base na delação. O ex-presidente da empreiteira, Marcelo Odebrecht, já cumpriu a pena negociada no acordo. Mas a maioria dos políticos denunciados por ele e pelos outros 76 executivos ainda não foi condenada.
Um levantamento do jornal O Globo feito no final do ano passado mostrou que a delação do fim do mundo levou a apenas 18 ações penais em cinco estados: Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Distrito Federal e Goiás.