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Denúncia de Moro

Um ano depois, que fim levou inquérito sobre suposta interferência de Bolsonaro na PF

Inquérito
Inquérito contra o presidente Jair Bolsonaro foi aberto no STF após denúncia do ex-ministro Sergio Moro. (Foto: Jonathan Campos/Arquivo Gazeta do Povo)

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A indefinição do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre como deve ser o depoimento do presidente Jair Bolsonaro tem travado o inquérito que investiga interferência indevida do chefe do Executivo na Polícia Federal. Aberto a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) após o ex-ministro da Justiça Sergio Moro deixar o governo levantando uma série de acusações contra o mandatário, a investigação completa um ano nesta terça-feira (27), sem chegar a um desfecho. Na semana passada, o relator do caso, ministro Alexandre de Moraes, prorrogou o inquérito por mais 90 dias.

Segundo o Estadão apurou, a tendência da PGR, hoje, é pedir o arquivamento da apuração. Moro largou o Ministério da Justiça e Segurança Pública acusando Bolsonaro de tentar interferir na Polícia Federal para obter acesso a informações sigilosas e relatórios de inteligência. "O presidente me quer fora do cargo" disse Moro à época, ao deixar claro que a saída foi motivada por decisão de Bolsonaro.

O objetivo do inquérito é apurar se foram cometidos os crimes de falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de Justiça, corrupção passiva privilegiada, denunciação caluniosa e crime contra a honra. Ou seja, o foco das investigações é tanto Bolsonaro, quanto o próprio Moro.

Em 27 de abril de 2020, o então decano do STF, Celso de Mello, determinou a abertura do inquérito "Moro versus Bolsonaro" e fixou um prazo de até 60 dias para que a PF ouvisse Moro, conforme solicitado pela PGR. Em sua decisão de 17 páginas — mesmo número pelo qual Bolsonaro saiu vitorioso nas urnas em 2018 — Celso observou que o presidente da República "também é súdito das leis", apesar de ocupar uma "posição hegemônica" na estrutura política brasileira.

Uma das últimas etapas da investigação, o depoimento de Bolsonaro não ocorreu até hoje, porque o plenário do STF precisa ainda decidir se o chefe do Executivo deve prestar esclarecimentos pessoalmente (como determinou Celso) ou por escrito. A discussão foi iniciada no plenário em outubro do ano passado, antes da aposentadoria de Celso de Mello, mas ainda não foi retomada.

Com a saída de Celso, o STF fez uma manobra interna, com a redistribuição do inquérito, que acabou encaminhado para outro integrante da Corte antes da chegada de Kassio Nunes Marques ao tribunal, que substituiu Celso. Dessa forma, o STF evitou que um inquérito que investiga Bolsonaro acabasse nas mãos do primeiro ministro da Corte indicado pelo presidente da República.

"Penso que o STF, como está em muitos atritos justificados com o Executivo e o Legislativo, está 'escolhendo' estrategicamente as disputas, para evitar um desgaste excessivo com os demais poderes", disse a professora de Direito Penal da FGV Direito SP Raquel Scalcon.

Nas últimas semanas, o STF se desgastou com o Congresso, ao mandar abrir a CPI da Covid, e contrariou o Palácio do Planalto no julgamento em que deu aval para que governadores e prefeitos de todo o país proíbam a abertura de igrejas e templos para enfrentar a pandemia. O inquérito Moro x Bolsonaro coloca o STF em rota de colisão com o chefe do Executivo.

"Uma resposta rápida nem sempre é uma resposta consistente. O rápido não é sinônimo de bom em termos de prestação jurisdicional. Mas a demora excessiva também é um problema", afirmou Raquel.

Bolsonaro tentou desistir de prestar depoimento em inquérito no STF

Em setembro do ano passado, Celso de Mello contrariou o procurador-geral da República, Augusto Aras, e determinou que Bolsonaro prestasse depoimento pessoalmente à Polícia Federal. Para Celso, a possibilidade de depoimento por escrito é uma prerrogativa de presidentes apenas nos casos em que são testemunhas, e não quando são investigados — o que é o caso de Bolsonaro.

Como informou o Estadão, Celso se amparou em precedentes da Corte para embasar o entendimento de que os chefes de Poderes, quando sujeitos a investigação criminal, não têm direito à prerrogativa de depor por escrito. Entre as decisões elencadas pelo ex-decano está uma proferida pelo ministro Teori Zavascki, em 2016, que negou depoimento por escrito ao senador Renan Calheiros (MDB-AL), à época em que era presidente do Congresso.

Após a decisão, a Advocacia-Geral da União (AGU) entrou com recurso no Supremo, alegando que o tribunal já autorizou que o então presidente Michel Temer prestasse depoimento por escrito, mesmo na condição de investigado. Em 2017, o ministro Luís Roberto Barroso autorizou que o emedebista apresentasse esclarecimentos por escrito sobre uma investigação envolvendo irregularidades no setor portuário. O ministro Edson Fachin, relator de um outro inquérito, aberto com base na delação da JBS garantiu a Temer o mesmo direito.

Com Celso de Mello afastado temporariamente por licença médica, Marco Aurélio Mello decidiu paralisar o inquérito e encaminhar o processo para o plenário virtual, acirrando os ânimos na Corte. "A indefinição em matéria penal é muito ruim", disse Marco Aurélio à reportagem. O ministro já divulgou o voto a favor de Bolsonaro depor por escrito. "Em um Estado de Direito, é inadmissível o critério de dois pesos e duas medidas", afirmou o atual decano no voto divulgado, mas ainda não computado.

Depois que retornou às atividades do tribunal, Celso tirou a discussão da esfera online e pediu para que o caso fosse pautado no plenário "físico", nas tradicionais sessões transmitidas ao vivo pela TV Justiça (agora realizadas por videoconferência). Perto da aposentadoria, em um de seus últimos atos no Supremo, Celso votou para que Bolsonaro prestasse o depoimento presencialmente — apenas o ministro aposentado já votou oficialmente no caso até agora.

Após defender a prerrogativa de Bolsonaro prestar depoimento por escrito, a AGU mudou de posição e informou à Corte que Bolsonaro havia desistido de se explicar às autoridades e que o processo poderia ser encaminhado à Polícia Federal para a elaboração do relatório final. Moraes, no entanto, já na condição de relator, após herdar o caso, concluiu que um investigado não pode deixar de ser submetido ao interrogatório policial, ainda que decida permanecer em silêncio.

"Somente a partir da concretização do ato investigatório oficial — intimação para interrogatório presencial ou envio de perguntas por escrito, dependendo da decisão do plenário desta Corte —, caberá ao Presidente da República, no real, efetivo e concreto exercício do direito de defesa, analisar e ponderar sobre qual a amplitude que pretende conceder ao 'diálogo equitativo entre o indivíduo e o Estado', como fator legitimador do processo penal em busca da verdade real e esclarecimento dos fatos", observou Moraes.

A controvérsia foi agendada para análise do plenário do STF no dia 24 de fevereiro, mas o processo não foi chamado para julgamento, adiando o desfecho do caso. Agora, segundo apurou o Estadão, o presidente do STF, Luiz Fux, está aguardando uma nova sinalização de Moraes para reagendar o julgamento. Como Celso de Mello já votou no caso, Nunes Marques — que assumiu a sua cadeira — não poderá se manifestar.

"Sobre como deve ser o interrogatório, o Código de Processo Penal silencia. Só diz como deve ser o depoimento do Presidente (quando é testemunha), não o seu interrogatório (quando é investigado)", destacou Raquel.

Procurados pela reportagem, o STF, a PGR e Moro não se pronunciaram. O Palácio do Planalto informou que "não se manifesta sobre processos em tramitação".

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