A abertura de sete novas investigações no Supremo Tribunal Federal (STF) para apurar os crimes ocorridos na invasão às sedes dos três poderes, no dia 8 de janeiro, deram ao ministro Alexandre de Moraes um poder inédito dentro da Corte na seara criminal. Com esses inquéritos, o ministro passou a supervisionar diligências, prisões ou acusações contra mais de 1,4 mil pessoas envolvidas no caso.
A maior parte dos investigados é composta por gente que participou diretamente dos atos de vandalismo nos edifícios do Congresso, do Palácio do Planalto e do STF, ou que estavam acampados, no dia seguinte, em frente do quartel-general do Exército, sendo presos por ordem do próprio Moraes. Esses são investigados em inquérito específico, focado no “executores” de atentados contra o Estado Democrático de Direito.
Há um segundo inquérito para apurar a responsabilidade de autores intelectuais ou instigadores dos atos do 8 de janeiro. Outro investiga os financiadores e pessoas que prestaram auxílio material para as manifestações. Um quarto examina a conduta de autoridades do Distrito Federal responsáveis pela segurança pública, que podem ser punidos por omissão. Há ainda outros três inquéritos, muito semelhantes, para analisar se alguns deputados incentivaram os ataques.
Todos os inquéritos foram pedidos pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e encaminhados a Moraes por ter conexão com investigações anteriores que já apuravam o modo de atuação de grupos formados nas redes sociais e em outras manifestações de rua para criticar ou protestar contra as decisões do STF e a atuação dos ministros. São os chamados inquéritos das “fake news”, das “milícias digitais” e outro aberto por ocasião das comemorações do Dia da Independência em 2021, quando caminhoneiros e militares da reserva fizeram ameaças de violência contra ministros do Supremo nas redes sociais.
Essas investigações sempre foram vistas com reservas por parte da comunidade jurídica e entre alguns dos ministros do STF. A razão foram as medidas duras proferidas por Moraes, tais como restrições excessivas à liberdade de expressão e à imunidade de parlamentares que se tornaram alvo das investigações. Também há críticas por razões processuais, como a falta de competência para investigar pessoas sem foro privilegiado no STF e pela falta de clareza em relação ao objeto do inquérito, ainda que quase sempre o foco estivesse em apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
A invasão e depredação das sedes dos três poderes deram força a Moraes e dissiparam boa parte dessas críticas. Um dos motivos é porque os pedidos de investigação partiram do Ministério Público, que agora participa ativamente do caso (ao contrário dos inquéritos anteriores, em que tinha participação secundária). Outra razão para o esvaziamento das críticas ocorreu porque os atos efetivamente ocorreram dentro das dependências físicas do STF – requisito do regimento interno da Corte, que tem força de lei, para abertura de investigações próprias pelo Supremo, ainda que contra pessoas sem prerrogativa de foro.
O procurador-geral da República, Augusto Aras, por sua vez, também passou a ser pressionado nos bastidores, por ministros do STF. Na Corte, sempre houve o entendimento de Aras deveria ter se empenhado mais na defesa das instituições, investigando mais a fundo, denunciando e pedindo a prisão de opositores do Supremo. Essa é uma razão frequentemente apontada para justificar a abertura e continuidade dos primeiros inquéritos conduzidos por Moraes e em curso até hoje.
Não à toa, logo nos primeiros dias após os atos de 8 de janeiro, Aras se mobilizou para organizar uma resposta contundente do Ministério Público Federal (MPF) no caso. Designou um experiente penalista da Procuradoria-Geral da República (PGR), o subprocurador Carlos Frederico do Santos, para chefiar um “Grupo Estratégico de Combate aos Atos Antidemocráticos”. O grupo reúne outros membros auxiliares para processar a grande quantidade de pessoas envolvidas no vandalismo em Brasília.
Para dar eficácia à persecução penal e alguma rapidez ao grande volume de trabalho, sem deixar de individualizar as imputações a cada um dos alvos, Carlos Frederico dividiu o trabalho em subgrupos, separados pelos inquéritos dos autores intelectuais do 8 de janeiro, o das autoridades locais, dos executores e dos parlamentares. Até o momento, a PGR já denunciou ao STF 479 pessoas, das mais de 1,4 mil presas e/ou investigadas.
A maior parte dessas investigações está sob sigilo. Abaixo, está uma breve descrição do que já existe de conhecimento público sobre cada um desses inquéritos.
Inquérito contra os “autores intelectuais”
O alvo mais importante e conhecido dessa investigação é o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Ele foi inserido no caso após a abertura do inquérito. Isso porque, em 10 de janeiro, dois dias após as invasões às sedes dos três poderes, postou um vídeo na internet que atribuía ao STF e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), insinuando um conluio para dar a vitória ao petista.
Esse tipo de discurso passou a ser considerado criminoso por ecoar a ideia de que o processo eleitoral foi viciado – motivação para os pedidos de intervenção militar feitos pelos manifestantes que, desde o fim da eleição, passaram a se concentrar em frente aos quartéis do Exército e que, em 8 de janeiro, depredaram as sedes dos poderes em Brasília.
“A postagem em tela, ainda, feita na atual conjuntura, teve por efeito alimentar a narrativa de que, não sendo confiáveis as instituições democráticas, as Forças Armadas deveriam sobre elas intervirem – algo que, aliás, Bolsonaro tem sugerido em diversas manifestações públicas, desde 7 de setembro de 2021”, afirmou a PGR no pedido de investigação do ex-presidente.
A Procuradoria-Geral da República considerou que as palavras de Bolsonaro têm um “peso fundamental” para mover “atos antidemocráticos graves e violentos”, podendo configurar crimes como os de dano, tentativa de homicídio e de violenta de abolição do Estado de Direito.
A PGR deu como exemplo o caso do militante George Washington de Oliveira Sousa, de 54 anos, preso pela suspeita de planejar um atentado que explodiria um caminhão perto do aeroporto de Brasília. Em depoimento à Polícia Civil, Sousa afirmou que, após a derrota de Bolsonaro, passou a participar de atos em frente aos quartéis no Pará, mas resolveu ir Brasília em novembro, levando na caminhonete dinamites, escopetas, revolves, pistolas e fuzil. “A minha ida até Brasília tinha como propósito participar dos protestos que ocorriam em frente ao QG do Exército e aguardar o acionamento das Forças Armadas para pegar em armas e derrubar o comunismo. A minha ideia era repassar parte das minhas armas e munições a outros CACs [ caçadores, atiradores e colecionadores] que estavam acampados”, disse.
Questionado sobre o motivo de ter se licenciado como CAC respondeu: “O que me motivou a adquirir as armas foram as palavras do presidente Bolsonaro, que sempre enfatizava a importância do armamento civil dizendo o seguinte: ‘Um povo armado jamais será escravizado’ e também a minha paixão por armas que tenho desde a juventude”.
Ao aceitar o pedido da PGR para investigar Bolsonaro, Moraes afirmou que “afirmações falsas”, como a de que o resultado das eleições foi fraudado, cria uma narrativa “que, a um só tempo, deslegitima as instituições democráticas e estimula que grupos de apoiadores ataquem pessoalmente pessoas que representam as instituições, pretendendo sua destituição e substituição por outras alinhadas ao grupo político do ex-presidente”. “De maneira ainda mais grave, instiga que apoiadores cometam crimes de extrema gravidade contra o Estado Democrático de Direito, como aqueles ocorridos no dia 8/1/2023”, completou o ministro.
A PGR pediu a investigação de Bolsonaro por incitação ao crime, que tem pena leve: de três a seis meses de detenção – punição não implica prisão em regime fechado – ou multa.
Como o inquérito corre em sigilo, ainda não se sabe quais os outros alvos do inquérito.
Inquéritos sobre as autoridades do Distrito Federal
Trata-se da primeira e mais transparente investigação até o momento. Tem como principais alvos o governador afastado do Distrito Federal, Ibaneis Rocha; o ex-secretário da Segurança Pública Anderson Torres, o ex-secretário-executivo da pasta Fernando de Sousa Oliveira; e o ex-comandante da Polícia Militar Fábio Augusto Vieira. Todos são suspeitos de omissão dolosa [intencional], por suposta conivência com os atos violentos, por deixarem de prover a devida proteção das sedes dos poderes.
Foram acusações feitas pelo próprio Moraes, em sua primeira manifestação sobre o caso, ainda no dia 8 de janeiro, quando afastou Ibaneis do cargo. Nessa decisão, o ministro do STF escreveu que o “descaso e conivência” de Anderson Torres “com qualquer planejamento que garantisse a segurança e a ordem no Distrito Federal, tanto do patrimônio público – Congresso Nacional, Presidência da República e Supremo Tribunal Federal – só não foi mais acintoso do que a conduta dolosamente omissiva do governador".
Em relação a Ibaneis Moraes relatou que o governador deu declarações públicas defendendo as manifestações dos apoiadores de Bolsonaro em Brasília, “mesmo sabedor por todas as redes que ataques as instituições e seus membros seriam realizados”. Além disso, segundo o ministro, Ibaneis “ignorou todos os apelos das autoridades para a realização de um plano de segurança semelhante aos realizados nos últimos dois anos em 7 de setembro, em especial, com a proibição de ingresso na esplanada dos Ministérios pelos criminosos terroristas; tendo liberado o amplo acesso”.
Moraes ainda afirmou de forma genérica, que em tese pode incluir todos os envolvidos, que as autoridades também podem ter cometido, por “omissão dolosa”, os crimes de terrorismo, dano, associação criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.
A PGR ainda não denunciou nenhuma dessas autoridades do Distrito Federal.
Por ser aberto e público, esse inquérito também tem recebido manifestações de outras partes interessadas em punir envolvidos. Foi nele, por exemplo, que um grupo de advogados próximo de Lula, o Prerrogativas, pediu a Moraes para impedir a posse de 11 deputados recém-eleitos por supostamente terem incentivado as invasões no dia 8, em postagens nas redes sociais. Seguindo parecer da PGR, Alexandre de Moraes já negou esse pedido, dizendo que cabe à Comissão de Ética da Câmara analisar a situação deles.
Inquéritos sobre deputados
Apesar de ter opinado contra a suspensão da posse desses 11 deputados, a PGR pediu para investigar três deles – Silvia Waiãpi (PL-AP), André Fernandes (PL-CE) e Clarissa Tércio (PP-PE). A suspeita é de possível cometimento do delito de incitação ao crime de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, que consiste em incitar, publicamente, animosidade entre as Forças Armadas, ou delas contra os poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade. A pena é de três a seis meses de detenção (que não leva a regime fechado) ou multa.
Para pedir a investigação de Waiãpi, a PGR citou uma postagem dela no Instagram, em meio a vídeos da manifestação, com a seguinte frase: “Povo toma a Esplanada dos Ministérios nesse domingo! Tomada de poder pelo povo brasileiro insatisfeito com o governo vermelho”.
Contra André Fernandes, a PGR citou a seguinte postagem do deputado em rede social: “Neste final de semana acontecerá, na Praça dos Três Poderes, o primeiro ato contra o governo Lula. Estaremos lá”.
A base para pedir a investigação de Clarissa Tércio foi a postagem de um vídeo em que uma mulher dizia: “Acabamos de tomar o poder. Estamos dentro do Congresso. Todo povo está aqui em cima. Isso vai ficar para a história, a história dos meus netos, dos meus bisnetos”.
Para a PGR, “o discurso em apoio [à manifestação] e a conclamação dos atos que culminaram na invasão às sedes dos Poderes constitucionais são indicativos de que o incitamento difundido pelo requerido [deputado ou deputada] por meio da referida postagem estimulou a prática das ações criminosas acima narradas”.
Cada um dos três deputados está sendo investigado em um inquérito à parte. Caso sejam denunciados e condenados, é possível que o STF determine a perda do mandato. Mas a palavra final sobre a cassação é sempre da própria Câmara dos Deputados.
Inquérito sobre os executores
Na investigação sobre os executores dos atos de vandalismo em Brasília está a maior parte das pessoas já denunciadas pela PGR. São aquelas identificadas por invadirem e depredarem as sedes dos três poderes. Até o momento, são ao menos cinco pessoas acusadas por vandalizarem a Câmara, outras cinco por danos causados ao STF e mais 39 pelo vandalismo no Senado.
Eles responderão por uma quantidade maior de crimes: associação criminosa armada (com pena de 1 a 3 anos de reclusão), abolição violenta do Estado Democrático de Direito (4 a 8 anos), golpe de Estado (4 a 12 anos); dano qualificado pela violência e grave ameaça com emprego de substância inflamável contra o patrimônio da União e com considerável prejuízo para a vítima (6 meses a 3 anos); e deterioração de patrimônio tombado (6 meses a 1 ano).
Para todas essas pessoas, a PGR defendeu a prisão preventiva, por tempo indeterminado. A Procuradoria entendeu haver risco de que, se forem soltas, venham a cometer novos ataques, atrapalhem as investigações ou fujam do país. Além disso, a PGR pediu que, se condenadas, paguem mais de R$ 40 milhões de reparação aos cofres públicos em função dos danos que causaram.
“No interior do prédio sede do Congresso Nacional e insuflando a massa a avançar contra as sedes do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal, os denunciados destruíram e concorreram para a destruição, inutilização e deterioração de patrimônio da União, fazendo-o com violência à pessoa e grave ameaça, emprego de substância inflamável e gerando prejuízo considerável para o erário”, diz uma das denúncias.
A PGR não seguiu o entendimento de Alexandre de Moraes para imputar terrorismo a essas pessoas. Argumentou que, apesar da gravidade dos atos, juridicamente esse crime não pode enquadrar quem comete atentados por motivação política, mas somente por por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião.
Um outro grupo maior de denunciados pela PGR foi acusado apenas por estar em frente do quartel-general do Exército, em Brasília, no dia seguinte às invasões, apesar da ordem de Moraes para que o acampamento fosse desfeito. A estes, o órgão acusou de associação criminosa (1 a 3 anos de reclusão) e incitação à animosidade das Forças Armadas contra os poderes constitucionais (3 a 6 meses de detenção).
Nessas denúncias, a PGR destaca que os acusados cometeram esses crimes porque pediam um golpe militar. “A associação criminosa insuflava as Forças Armadas à tomada do poder. Para tanto, a ação delituosa engendrada pelos agentes, da qual participou o denunciado, com o imanente dolo de impedir de forma contínua o exercício dos Poderes Constitucionais e ocasionar a deposição do governo legitimamente constituído, incitando o Exército Brasileiro a sair às ruas para estabelecer e consolidar o regime de exceção”, diz a acusação.
Ao menos 429 pessoas foram denunciadas nessa categoria, mas a PGR entende que eles não representam perigo e poderiam ser soltos. Ainda assim, ao menos boa parte deles continua em prisão preventiva.
Devido à grande quantidade de denunciados nesse inquérito, há conversas para que, após as denúncias, os processos sejam enviados à primeira instância judicial.
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