Decisões do Senado e do STF sobre o marco temporal de terras indígenas geram imbróglio e insegurança| Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
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O marco temporal para demarcação de terras indígenas vem sendo o centro de recentes debates no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Senado Federal. Mas o imbróglio e a insegurança jurídica para indígenas e proprietários de áreas pretendidas em demarcações não têm data para terminar.

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O fim da votação do julgamento sobre o marco temporal no STF não garante que os debates sejam encerrados na Corte. Na sessão desta quinta, o placar final ficou em 9 votos contrários ao marco temporal, e 2 votos favoráveis. Mas o Supremo ainda vai discutir na próxima semana a tese que será definida sobre a questão, a qual terá repercussão geral e deverá nortear decisões futuras sobre o tema. Além disso, os ministros ainda podem ser provocados a decidir sobre o assunto, caso a lei em discussão no Congresso seja aprovada e sancionada e depois se torne alvo de questionamentos.

No Senado, a tramitação de um projeto de lei, que levou 16 anos para ser aprovado na Câmara dos Deputados, vem empenhando esforços de senadores ligados à Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). Enquanto isso, a bancada formada por deputados indígenas, e apoiada pela ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara e pela presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana, tem demostrado que é contrária às propostas legislativas e focado esforços na busca por apoio internacional.

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Com relação ao projeto que tramita no Senado, a votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) está marcada para a próxima quarta-feira (27). Diante disso, a Casa se encaminha para a reta final da apreciação da proposição. Após a aprovação na CCJ, o projeto será analisado no plenário e, caso não haja alterações no texto, será enviado para sanção presidencial. Se não for vetado, irá se tornar lei.

Caso o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) decidir vetar pontos do projeto ou a totalidade da medida, o Congresso ainda poderá derrubá-los e promulgar a lei sobre o marco temporal.

Na hipótese de serem feitas alterações no texto no Senado, o projeto de lei retornará para nova apreciação da Câmara dos Deputados.

A tese do marco temporal prevê que a cessão das áreas em favor dos indígenas só valeria para terras que já estivessem habitadas pelos indígenas na data da promulgação da Constituição de 1988. A aplicação ou não da tese afeta indígenas e proprietários de terras, pois determina quem será a posse de milhares de áreas em todo o Brasil.

Discussões sobre o marco temporal devem seguir

Os advogados ouvidos pela Gazeta do Povo são unânimes ao afirmar que o imbróglio em torno do marco temporal deve permanecer, mesmo com o fim do julgamento no STF e, posteriormente, quando a votação no Congresso Nacional também chegar ao fim.

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O advogado Albenir Querubini ressalta que, ainda que seja aprovado no Congresso Nacional, o projeto de lei pode ter sua constitucionalidade questionada perante o STF.

O questionamento sobre a futura lei aprovada no Congresso pode ser feito por partidos políticos, por exemplo, por meio da apresentação de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) ao STF.

“Nada impede que, depois da aprovação do PL, o STF venha a ser provocado por eventual inconstitucionalidade, mediante Adin por eventual legitimado (por ex. partidos políticos). Se isso acontecer, o imbróglio poderá perdurar”, explica o advogado Paulo Roberto Kohl.

Na opinião dele, deveria haver a garantia dos direitos de ambas as partes, indígenas e não indígenas. “Acredito que deveria haver um pacto federativo dos estados e União para resolução do problema, preservando os direitos de ambos os envolvidos. A maioria dos não índios que hoje estão sob risco de serem expropriados possuem títulos das áreas e confiaram no Estado. Sua boa-fé deverá ser preservada”, disse Kohl.

No entendimento de Kohl, em se tratando dos não indígenas, os títulos de propriedade concedidos pelos estados e pela União deveriam ser indenizados de acordo com o valor da terra, sem levar em conta o que está plantado nela, por exemplo. “O Direito Ocidental desde há muito preserva o direito dos terceiros de boa-fé. No mínimo, deveriam ter direito à indenização pela terra ou a possibilidade permuta de áreas, mediante consulta à comunidade indígena”, pontuou o advogado.

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O advogado Antônio Pinheiro Pedro vai além e afirma que o correto seria o STF ter interrompido o julgamento em razão da tramitação do projeto no Senado. “Visando observar a decisão do Legislativo para então extinguir o feito, pelo fato de o objeto já estar contemplado em lei. Ou ainda, desde já extinguir a ação, por conta da iniciativa estar sendo cumprida pelo Poder Legislativo”, afirmou Pinheiro Pedro.

Juristas divergem sobre melhor solução para o marco temporal 

As possíveis soluções para os impasses que afligem indígenas e agricultores por todo o país passam ainda pela divergência sobre a melhor forma de regulamentação da medida pelo Congresso, se deve ser por meio de projeto de lei ou de proposta de emenda à Constituição (PEC).

Ainda no que tange ao marco temporal, há juristas que entendem que a Constituição Federal garante os chamados “direitos originários” aos povos indígenas. Por outro lado, há aqueles que entendem que as definições do Poder Legislativo, como representante do povo, deveriam prevalecer.

Para os juristas que defendem o entendimento sobre os direitos originários, os direitos dos indígenas sobre suas terras são anteriores à criação do próprio Estado e levam em conta o histórico de dominação da época da colonização. “Eu penso que, depois que garantimos um determinado avanço na atribuição de direitos a quem não tem, através de uma decisão, você não poderia retroceder e negar esse direito a eles.  Mesmo que em sede de aprovação de uma proposta discutida no Congresso Nacional, seja lei, seja emenda constitucional”, afirmou o doutor em Direito Constitucional Rubens Beçak.

No entanto, há juristas que entendem que deve prevalecer o voto do legislador e o Poder Judiciário não teria essa legitimidade. “Lembrando que o Poder Judiciário só veio a dar esses direitos, como [...] vai dar na questão do marco temporal, porque isto não foi feito pelo Poder Legislativo, o que teria sido mais adequado”, salientou Beçak.

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Embora haja essa divergência, a equipe técnica da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) afirma que “até a edição da lei, o entendimento do STF deverá ser aplicado. Contudo, sendo publicada a lei, é ela que regulamenta as relações jurídicas sobre a matéria”.

PL ou PEC? FPA deve “correr” com PEC sobre indenizações 

Além da queda de braços entre os Poderes, há diferentes entendimentos sobre o tipo de proposta legislativa utilizada pelo Congresso Nacional para tentar pacificar a questão. Há a possibilidade de tratar do assunto por meio de Propostas de Emenda à Constituição (PEC) ou de Projetos de Lei (PL).

“Penso que a solução definitiva passaria pela aprovação de uma PEC. Ante a essa injustificável mudança do STF, a PEC se faz necessária nesse sentido”, afirmou o advogado Albenir Querubini. A afirmação é reforçada pelo advogado Paulo Roberto Kohl. “A melhor opção seria uma Emenda à Constituição. Porém, uma lei tem mais alcance em regulamentar questões específicas que em uma PEC não caberia”, acrescentou Kohl.

A demarcação de terras indígenas já foi debatida em PECs, como a PEC 215, que pretendia permitir que o Congresso Nacional pudesse dar o aval para as demarcações. Ou ainda a PEC 132/2015, já aprovada no Senado, que trata da indenização aos proprietários de terra em áreas indígenas. Nos últimos anos, a FPA também tem buscado a aprovação do projeto do marco temporal (PL 2903/2023) para garantir os direitos de proprietários rurais e regulamentar vários pontos relacionados às terras indígenas, a exemplo na mineração nas áreas e da indenização pelas terras.

Com a formação de maioria pela derrubada da tese do marco temporal no STF, a FPA deve retomar os debates sobre a PEC 132/2015 e empenhar esforços para aprová-la na Câmara dos Deputados. A afirmação foi feita em vídeo divulgado pelo presidente da FPA, deputado Pedro Lupion (PP-PR), após a confirmação do voto do sétimo ministro contrário à tese do marco temporal.

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Nesta quinta (21), Lupion disse que a decisão do Supremo que derrubou o marco temporal é “política” e “viola a harmonia entre os Poderes”. O presidente da FPA ressaltou que a bancada do agronegócio irá obstruir a tramitação de pautas importantes até que projetos de lei e propostas de emenda constitucional (PECs) sobre o marco temporal sejam analisadas pelo Congresso Nacional.

No STF, o tema das indenizações também está sendo abordado. No julgamento do marco temporal, a tese apresentada pelo ministro Alexandre de Moraes, que tende a sair vitoriosa até o final do julgamento, prevê a possibilidade de um pagamento de indenização, por parte da União, a produtores rurais ou outros proprietários que estejam ocupando áreas de territórios indígenas para que seja cumprida a demarcação. A discussão sobre a tese deve ocorrer na próxima semana.

Já para a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a proposta da indenização sobre o valor da terra “pode inviabilizar as demarcações e o usufruto exclusivo das terras indígenas também é um direito inviolável”.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]