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Fila de pedidos

Reforma deixa vácuo legal e impede INSS de conceder benefícios aos mais pobres

Força-tarefa do INSS vai começar a atuar em abril; meta é encerrar a fila até outubro.
Força-tarefa do INSS vai começar a atuar em abril; meta é encerrar a fila até outubro. (Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo)

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Os problemas enfrentados pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para diminuir a fila de pedidos por benefícios vão além da falta de pessoal e do sistema informatizado defasado. Desde a reforma da Previdência, a ausência de regulamentação de um trecho do novo texto vem impedindo o Instituto de analisar os pedidos de contribuintes de baixa renda. O governo diz que está trabalhando com seu "esforço máximo". Em nota enviada no fim de fevereiro, afirmou que esperava resolver o problema no início de março (veja nota abaixo), o que não ocorreu.

O "abacaxi" foi criado pela inclusão de dois novos dispositivos na Constituição. Um deles, o parágrafo 14 do artigo 195, prevê que o segurado somente terá reconhecidos como contribuição à Previdência os valores iguais ou superiores à contribuição cobrada do salário mínimo. Antes, o trabalhador tinha a possibilidade de contribuir sobre menos do que o salário mínimo e, mesmo assim, ter acesso a benefícios como o auxílio-doença, por exemplo.

O artigo 29 da emenda constitucional aprovada pelo Congresso no ano passado, por sua vez, estabelece formas para que o trabalhador que ganha menos que o salário mínimo – e, consequentemente, pagou valores menores ao mínimo exigido pela nova lei à Previdência – possa complementar a contribuição e, com isso, ter direito aos benefícios.

São três os mecanismos descritos:

  • o pagamento do valor que falta, de modo a alcançar a contribuição mínima exigida;
  • a utilização da contribuição que exceda o limite mínimo em outra competência. Por exemplo, se o trabalhador tem rendimentos maiores em determinado mês e, por isso, contribuiu mais do que o mínimo naquele período, pode realocar esse excedente para o mês que tem déficit; e
  • o agrupamento da contribuição de vários meses até atingir o limite mínimo mensal. Por exemplo: se o trabalhador trabalhou seis meses ganhando meio salário mínimo, teria o equivalente a três meses de contribuição para o cálculo da aposentadoria.

Procedimentos para aplicar a regra não estão claros

Descrita dessa forma, a regra parece de simples aplicação pelo INSS. Na prática, entretanto, o Instituto não tem mecanismos para analisar os casos e avaliar os pedidos dos contribuintes.

"O INSS não sabe trabalhar com essa informação. Só o segurado pode decidir qual forma de compensação ele vai querer, e ainda não há um mecanismo no site ou no atendimento presencial para que a pessoa faça essa escolha", explica Emerson Lemes, contador e tesoureiro do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP).

Segundo ele, por conta do impasse, muitos segurados estão contratando advogados que apresentam cálculos já feitos ao INSS. "É uma regra que não dá para aplicar no dia a dia. Cada processo vira um monstro", afirma Lemes.

INSS não sabe se aplica regra para período anterior à reforma

Além de não haver definições claras sobre como o INSS deve operacionalizar esse complemento da contribuição, a nova lei também não especifica se a norma vale somente a partir de novembro do ano passado – quando a reforma foi promulgada – ou se deve ser aplicada a exercícios anteriores.

"Vou dar um exemplo. Um faxineiro trabalha quatro horas por dia e recebe meio salário mínimo por mês. Ele já contribuiu o tempo necessário para se aposentar e vai ao INSS solicitar o benefício. O Instituto sabe que, de novembro para cá, ele precisa complementar a contribuição. Mas e o tempo anterior? Ninguém sabe", diz o contador.

André Bittencourt, advogado e professor de Direito Previdenciário, explica que esse tipo de regime de trabalho ficou ainda mais comum após a reforma trabalhista, que autorizou o trabalho intermitente, por exemplo. "A reforma abriu mais possibilidades para que as pessoas ganhem menos do que um salário mínimo. O que está acontecendo agora é que as pessoas querem pagar a complementação para receber o benefício, mas não conseguem porque não há regulamentação. Não dá para entender [a lentidão do governo], porque a própria Previdência está deixando de arrecadar", afirma.

Como o impasse pode ser resolvido

Para que a regra fique mais clara e o INSS possa analisar esses pedidos, o governo precisa editar um decreto ou uma Medida Provisória que discipline a aplicação da nova norma. Outra possibilidade é a de que o próprio Congresso aprove uma lei regulamentando a situação.

A Secretaria de Previdência, vinculada ao Ministério da Economia, afirma que a regulamentação será implementada em março.

De acordo com o INSS, 1,8 milhão de pedidos estão aguardando por análise. Desses, 1,2 milhão estão acima do prazo de 45 dias. Os dados incluem os pedidos por todos os benefícios concedidos pelo Instituto. A perspectiva do INSS é de regularizar a situação até outubro. À Gazeta do Povo, o Instituto afirmou que não há o dado específico sobre quantos pedidos estão aguardando análise por conta da falta de regulamentação.

O que dizem o INSS e o Ministério da Economia

A Gazeta do Povo entrou em contato com o INSS para um posicionamento a respeito do caso. O Instituto informou, por meio de nota, que, como se trata de uma questão de legislação, o assunto deveria ser esclarecido pela Secretaria de Previdência do Ministério da Economia.

A Secretaria, por sua vez, encaminhou a seguinte nota à reportagem em 27 de fevereiro:

"O decreto está em fase final de elaboração, envolvendo diferentes áreas do governo federal, com a expectativa de que seja publicado no início de março, assim como as primeiras implementações em sistema para viabilizar as concessões. O texto tratará não apenas das mudanças trazidas pela Emenda Constitucional nº 103/2019, mas também de leis aprovadas nos últimos anos e que demandavam regulamentação, o que exigiu mais tempo. As equipes estão trabalhando em esforço máximo. Os trabalhos de desenvolvimento dos sistemas, por sua vez, estão ocorrendo em paralelo à elaboração do decreto, ou seja, não ficaram parados, aguardando".

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