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O intercâmbio entre MP e Receita na Lava Jato sempre seguiu a lei

Sede do Ministério Público Federal – Procuradoria da República no Paraná.
Sugestão do MPF é para que o presidente Bolsonaro vete nove artigos do abuso de autoridade (Foto: Albari Rosa /Arquivo Gazeta do Povo)

O Estado funciona melhor na repressão de crimes de colarinho branco quando Ministério Público, Receita Federal, Polícia Federal, Coaf, Cade, CGU e outros órgãos cooperam entre si ou quando cada um se isola?

A resposta é óbvia, mas no Brasil ela precisou ser estabelecida em lei. A Lei 12.850/13, que rege a investigação de organizações criminosas, expressamente instituiu como um meio de obtenção de provas a “cooperação entre instituições e órgãos federais, distritais, estaduais e municipais na busca de provas e informações de interesse da investigação ou da instrução criminal”.

A cooperação foi um dos fatores de sucesso da Lava Jato. Mas há quem alegue que o MP teria tido acesso ilegal a informações fiscais. A acusação, equivocada, é fruto da incompreensão sobre o tema.

Todas as provas produzidas na Lava Jato, inclusive informações fiscais, estão nos autos das investigações e ações penais e têm amparo na lei. O fornecimento de informações fiscais pela Receita ao MP na Lava Jato ocorreu em 3 situações, sempre com amparo na lei.

A primeira situação foi quando houve quebra de sigilo fiscal decidida por juiz. A segunda, quando o MP requisitou informações fiscais. Essa possibilidade está prevista na Lei Complementar 75/93 e em atos e decisões da Administração Pública e do Judiciário. O próprio Manual de Sigilo Fiscal da Receita prevê essa situação. A terceira, sempre que a Receita identificou indícios de crimes, comunicou ao MP. Essa comunicação é obrigatória e está prevista no art. 5º da Portaria 671/14.

É missão precípua dos Escritórios de Pesquisa e Investigação Receita Federal do Brasil realizar atividades de pesquisa e investigação e, constando indícios e provas da prática de crimes, como lavagem de dinheiro, comunicar ao Ministério Público.

A portaria 671/14 da Receita afirma expressamente que é sua função “subsidiar os órgãos responsáveis pela persecução penal no combate aos ilícitos tributários, aduaneiros, à lavagem de dinheiro e a outros ilícitos praticados em detrimento da Administração Tributária Federal, inclusive aqueles que concorram para sua consumação”.

Nessa atividade, o Escritório de Pesquisa e Investigação pode agir por iniciativa própria ou ser alimentado por cidadãos ou por outros órgãos públicos com informações. Em seguida, realiza suas pesquisas e análises e, quando encontra indícios de crimes, realiza a comunicação.
Essa atividade permitiu, de um lado, que o MPF fosse subsidiado pela Receita com importantes provas e informações, fundamentais para que complexas operações de lavagem de dinheiro viessem à tona e seus autores fossem responsabilizados criminalmente.
De outro lado, essa atividade ensejou que informações, provas e documentos obtidos pelo MP ao longo das 62 fases da operação deflagradas fossem compartilhadas com a Receita. Como resultado, apenas as autuações fiscais relacionadas à Operação Lava Jato já somam mais de R$ 24 bilhões, sendo que 40% desse valor já ingressou nos cofres públicos via pagamento à vista ou parcelamento de débitos.

Essa é a essência de uma força-tarefa, a união de vontades, habilidades e atribuições direcionadas a um fim, no caso específico, ao combate à criminalidade sistêmica, a partir do intercâmbio legal de informações.

Vivemos um momento de reação contra a ação anticorrupção dos últimos anos. Existe uma campanha difamatória em curso. Investigados influentes que se encontravam acuados avançam contra as investigações.

A marcha do retrocesso engloba criminalizar a atividade legítima dos agentes da lei por meio de um projeto contra supostos abusos de autoridade, impedir o compartilhamento de informações entre órgãos, proibir a prisão em segunda instância, mudar as regras da colaboração premiada e afastar e punir servidores públicos que trabalharam na operação.

A omissão é um ambiente fértil para o sepultamento das iniciativas anticorrupção dos últimos anos. Silenciar, neste momento, também é decidir. É deixar que seja destruído o que se construiu. É deixar que se impeçam novos avanços.

Seguiremos cumprindo nosso dever, com esperanças de que a instituições e a sociedade brasileira, maior interessada nesta conjuntura crítica que definirá seu futuro, assegure a marcha que se iniciou na direção de um país mais justo.

* Orlando Martello, Paulo Roberto Galvão e Roberson Pozzobon são procuradores da República integrantes da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba. Esse texto foi publicado originalmente no blog do Fausto Macedo, no jornal O Estado de S. Paulo.

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