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"Brasil profundo"

Como a eleição no interior é diferente das capitais; e o que isso diz sobre 2022

Como a eleição no interior é diferente das capitais; e o que isso diz para 2022
Partidos mais ao centro foram os grandes vencedores em 2020, mas ainda é cedo para afirmar que essa é a tendência para 2022 e que isso possa ser decisivo na corrida presidencial (Foto: Agência Brasil)

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O presidente Jair Bolsonaro não saiu necessariamente enfraquecido em seu projeto de reeleição após a derrota de vários candidatos apoiados por ele nas eleições municipais. Do outro lado, o PT não está politicamente “morto” para a disputa de 2022. Tampouco o Psol é a nova grande força da esquerda nacional. Leituras parciais ou apressadas sobre os resultado eleitorais de 2020 nas capitais pode sugerir o contrário disso.

A verdade, contudo, é que as urnas e outros indicadores mostram um retrato mais amplo. As capitais são vitrines e termômetros importantes para a política. Mas o interior é diferente das grandes cidades do país. E a eleição de 2022 necessariamente passa por esse "Brasil profundo".

A Gazeta do Povo levantou a votação de cada partido na eleição para vereador nas capitais e a comparou com o total obtido pelas siglas nos 5,5 mil municípios do país. O resultado desse comparativo, somado a outro indicadores, mostra uma correlação de forças políticas bem distinta entre as principais cidades do país e o restante do Brasil. E indica que nem sempre o "sucesso" nas capitais é garantia de vitória no país inteiro. Ou o contrário: que as derrotas em capitais representam o fim de um projeto político.

Veja infográfico com todos os dados do levantamento da Gazeta do Povo

Desempenho dos candidatos apoiados por Bolsonaro é um bom indicador?

O presidente Jair Bolsonaro não chegou a fazer campanha ostensiva nas eleições de 2020. Ainda assim, apoiou alguns candidatos em capitais e cidades do interior. A maioria deles saiu derrotado. Os casos mais expressivos foram os de Marcelo Crivella (no Rio de Janeiro), Delegado Federal Eguchi (Belém) e Capitão Wagner (Fortaleza) – os três perderam no segundo turno.

Com base principalmente nos insucessos do apoio presidencial nas capitais, surgiram análises de que Bolsonaro saiu enfraquecido das eleições de 2020 para a disputa presidencial de 2022.

O desempenho do PSL – ex-partido do presidente, mas que ainda abriga vários bolsonaristas – ajudou a reforçar essa percepção. Nas eleições para vereador em todo o país, a sigla foi apenas a 16.ª com mais votos (2,9 milhões) – um desempenho muito pior do que em 2018, quando a sigla foi a segunda mais votada para a Câmara dos Deputados. Contudo, Bolsonaro não está mais filiado ao PSL – o que impede a avaliação de sua potencial capilaridade partidária para 2022.

Outro fator a ser levado em conta é que o presidente já recebeu convites para se filiar a vários partidos do Centrão. O campo político do centro, que inclui outros partidos além dos do Centrão, aliás, teve um bom desempenho eleitoral tanto no interior quanto nas capitais (leia sobre isso mais abaixo na reportagem).

“Ter a máquina e a capilaridade do Centrão no interior ajuda. Prefeitos e vereadores poderão fazer uma diferença imensa na hora do voto no interior”, diz o cientista político Enrico Ribeiro, coordenador legislativo da Queiroz Assessoria em Relações Institucionais e Governamentais. E, atualmente, o Centrão é mais importante do que o PSL para garantir a governabilidade de Bolsonaro.

Além disso, outros indicadores mostram que Bolsonaro continua forte para 2022. No primeiro levantamento divulgado após o segundo turno das eleições, do Instituto Paraná Pesquisas, o presidente lidera com folga todos os cenários eleitorais.

Outra pesquisa do Data Poder, divulgada em novembro, indica que Bolsonaro tem taxa de aprovação de 54% entre as pessoas sem renda fixa. Esse estrato social concentra os beneficiários do auxílio emergencial – que, por sua vez, moram principalmente no interior.

Enrico Ribeiro diz que Bolsonaro ainda mantém um significativo apoio de eleitores no interior e também nas capitais. Isso apesar de a própria pesquisa Data Poder apontar para a desaceleração de sua aprovação mesmo entre o estrato beneficiário do auxílio emergencial, que chegou a ser de 61% em outubro.

“Bolsonaro é o candidato mais forte para 2022. Não por conta dele, que não conseguiu apresentar nenhum programa robusto capaz de deixar sua marca. Mas, sim, por conta dos concorrentes, que ainda não conseguiram se viabilizar. Ele tem o poder da ‘caneta’, da mídia espontânea, e consegue se comunicar com seu público”, afirma Ribeiro.

Como foi o desempenho da esquerda no interior

O PT não elegeu nenhum prefeito em capitais, ainda tem uma força significativa principalmente no interior. Segundo levantamento da Gazeta do Povo, dos 5,41 milhões de votos de candidatos a vereador do PT em todo o país, apenas 1,46 milhão são das capitais. Ou seja, cerca de 27% do eleitorado petista reside nelas. Na média nacional, os partidos tem apenas 20,5% de eleitores nas capitais – o que mostra a importância do interior.

o Psol, que chegou a ser apontado por alguns analistas como o “novo PT”, não tem penetração no interior. Do 1,61 milhão de votos obtidos pelos candidatos a vereador da sigla em todo o país, 1,14 milhão foram nas capitais. Ou seja, 70,7% do eleitorado psolista está concentrado nas grandes cidades. O partido, contudo, ganhou os holofotes principalmente por ter levado Guilherme Boulos para o segundo turno na eleição de São Paulo – a maior cidade do país e inevitável centro das atenções.

No campo "progressista", também tiveram um bom desempenho no interior o PDT e PSB – que podem estar juntos com uma aliança capitaneada por Ciro Gomes para a eleição presidencial de 2022.

Dos 5,32 milhões de votos do PDT para vereadores, 871,47 mil votos são das capitais. Já o PSB obteve 4,76 milhões, dos quais 870,7 mil nas capitais. Isso equivale, respectivamente, a uma concentração de 16,4% e 18,3% de votos nas capitais, abaixo da média nacional. Os percentuais colocam ambas as legendas entre os dez partidos menos dependentes dos votos nas capitais, ou seja, os mais “interiorizados”.

E mesmo dentro do interior há diferenças. Em artigo no qual analisou o resultado das eleições de 2020, o cientista político Jairo Nicolau, pesquisador da FGV, mostrou que o PT é forte nas cidades do interior com mais de 500 mil habitantes. Nesses municípios, o PT atingiu teve de 7,5% dos votos. Já o PDT, nessas cidades ficou com 4%.

Apesar disso, os pedetistas tiveram um percentual de votos maior que o PT nas cidades com até 50 mil habitantes e nos municípios com população entre 50 mil e 150 mil. Ambos os partidos empatam nas cidades entre 150 mil e 500 mil habitantes. Em tese, esses dados demonstram que o pedetista Ciro Gomes é um candidato que não pode ser descartado para 2022.

O cientista político Josué Medeiros afirma que todos esses dados sugerem um cenário muito aberto no campo da esquerda.

Medeiros, que é coordenador do Núcleo de Estudos Sobre a Democracia Brasileira da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), também afirma que os resultados eleitorais também descartam a tese da inviabilidade do PT. “O fato de o PT estar capilarizado no interior e nas maiores cidades mostra que um equilíbrio no campo progressista não pode ser descartado. Quebra a ideia de que o partido não tem mais a liderança natural e que, tampouco, está ‘morto’.”

Embora não seja carta fora do baralho, o PT pode encontrar dificuldades em 2022. Apesar de manter um nicho bem conservado no interior, o cientista político Enrico Ribeiro, coordenador legislativo da Queiroz Assessoria em Relações Institucionais e Governamentais, avalia que os petistas não terão mais a mesma força para emplacar um candidato, ainda que use a imagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Ele sempre vai ser uma liderança política importante. Mas hoje a força é cada vez menor e está sumindo com o tempo, à medida em que mais jovens atingem a idade de votar”, justifica.

No ABC Paulista, onde Lula surgiu para a política, o PT conseguiu fazer apenas dois prefeitos, em Diadema (SP) e Mauá (SP). “O próprio Lula anda mais afastado da mídia. Então, isso vai dando a ele uma posição ainda mais de ex-presidente, igual à do Fernando Henrique [Cardoso]”, avalia Ribeiro.

Para o analista, a própria soltura do petista, que estava preso por condenações na Lava Jato, joga contra o partido e favorece uma candidatura de Ciro Gomes. “A soltura dele esfria a narrativa de 2018 e pode beneficiar o PDT. Isso abre, sim, espaço para o Ciro. Não vindo alguém de mais prestígio nesse campo político, o Ciro pode crescer."

Ribeiro descarta Guilherme Boulos como uma alternativa viável para 2022 na esquerda. "Não enxergo o Boulos ainda preparado para a disputa”, explica.

O cientista político Josué Medeiros concorda com Ribeiro. Os dados eleitorais de 2020 reforçam essa percepção. O Psol tem baixa capilaridade no interior – o que leva Medeiros a descartar as chances de uma candidatura forte de Guilherme Boulos para uma eventual disputa à Presidência da República, apesar do bom resultado em São Paulo, nas eleições municipais.

“O Psol é uma legenda que tem um problema de ser um partido do Legislativo. Só agora, com a vitória do Edmilson [Rodrigues, eleito prefeito em Belém, no Pará], vão ter uma primeira experiência de gestão para mostrar às pessoas”, diz Medeiros.

Partidos de centro foram bem nas capitais e interior

Um dos poucos pontos de convergência entre capitais e interior em 2020 foi o desempenho eleitoral dos partidos de centro, e mais especificamente os de centro-direita. Eles se fortaleceram nas eleições deste ano. Essas legendas tiveram boa votação nas capitais e também no interior – o que aumenta seu capital eleitoral para 2022

Segundo estudo do cientista político Jairo Nicolau, o DEM elevou seu percentual de votos nos municípios pequenos, médios e grandes. E o levantamento da Gazeta do Povo mostra que apenas 21,4% do eleitorado do partido está nas capitais, mostrando sua força no "Brasil profundo".

Essa força, aliás, é ainda maior no PP, partido que pode receber Bolsonaro para a disputa de 2022. A sigla tem apenas 10,65% dos votos nessas grandes cidades. É a proporção mais baixa entre todos os 33 partidos que lançaram candidaturas. Além disso, O PP também cresceu em todos os tipos de cidades em comparação com as eleições municipais de 2016, segundo dados de Jairo Nicolau.

Já o PSDB e o MDB, apesar do recuo em relação a 2016 nas quatro faixas de cidades analisadas por Nicolau, mostraram força no interior. O levantamento feito pela Gazeta do Povo mostra que, dos 6,47 milhões de votos obtidos pelos tucanos, 1,14 milhão estão nas capitais – uma concentração de 17,6%, abaixo da média nacional. Já os emedebistas tiveram 8,35 milhões de votos, dos quais 896,86 mil nas capitais, o que mostra uma concentração de apenas 10,73% nas capitais.

O PSDB, MDB e DEM inclusive já negociam uma aliança para a eleição presidencial de 2022 em torno da candidatura do governador de São Paulo, o tucano João Doria. Recentemente, o próprio Doria se reuniu com os presidentes do DEM (ACM Neto, prefeito de Salvador) e do MDB (deputado Baleia Rossi) para conversarem sobre o assunto.

Para o cientista político Josué Medeiros, a capilaridade que os três partidos têm nas capitais e no interior pode se tornar uma ferramenta importante para impulsionar as pretensões presidenciais de Doria.

Outro trunfo de Doria para "nacionalizar" seu nome é a coronavac, a "vacina chinesa" contra a Covid-19 que no Brasil será produzida no Instituto Butantan, ligado ao governo paulista. Medeiros avalia que, se a vacina de Doria se mostrar eficaz na imunização de brasileiros, o tucano ganhará projeção em todo o país. “A vacina poderia ser esse caminho", diz ele.

Mas o cientista político diz que é preciso mais. "Esse campo defende reformas estruturais neoliberais, mas pouco se sabe sobre o que pensa em áreas como meio ambiente e saúde”, diz Medeiros. Para ele, Bolsonaro acaba tendo vantagem. “Gostando ou não, as pessoas sabem o que ele pensa, e ele não esconde.”

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Prefeitos e vereadores do interior podem fazer a diferença em 2022

A interiorização de uma campanha é uma das várias estratégias possíveis para eleger um presidente. O cientista político Josué Medeiros explica que, no médio e longo prazo, a melhor estratégia é ter um plano de enraizamento para consolidar núcleos e lideranças no maior número de municípios.

Enrico Ribeiro concorda. E, segundo ele, é por isso que as alianças nos municípios pode fazer a diferença. “Com prefeitos e vereadores, é possível ter um canal de diálogo com a população e as instituições, como as igrejas, que acabam sendo o vetor político daquela região”, destaca.

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