O interventor federal na Segurança Pública do Distrito Federal (DF), Ricardo Cappelli, apontou que houve “falha operacional” por parte das forças de segurança durante os atos de vandalismo ocorridos em Brasília no dia 8 de janeiro. Cappelli apresentou nesta sexta-feira (27) o relatório final sobre a invasão das sedes dos Três Poderes.
A previsão era de que o documento fosse entregue nesta quinta (26), mas houve adiamento para que imagens da depredação ao prédio do Supremo Tribunal Federal (STF) fossem analisadas. Cópias do relatório foram encaminhadas para o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, e para o ministro do STF, Alexandre de Moraes, responsável por conduzir o inquérito que apura os atos, informou a Agência Brasil.
Segundo o interventor, diante do alerta de uma possível ação violenta, a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal, então comandada por Anderson Torres, deveria elaborar um plano operacional e pedir para as forças de segurança apresentarem, em especial a Polícia Militar, diretrizes para a atuação e mobilização de tropas.
“No dia 8 isso não aconteceu. Não há plano operacional, nem ordem de serviço. De forma que não há um registro de quantos homens iriam a campo. O que houve foi apenas um repasse burocrático do ofício recebido para algumas unidades pelo Departamento de Operações da PM”, disse.
O interventor afirmou que as unidades mais diretamente relacionadas para conter esse tipo de evento não foram sequer acionadas, entre elas o Batalhão de Operações (Bope), o Batalhão de Policiamento com Cães (BPCães), o Batalhão de Aviação Operacional (Bavop) e o Regimento de Polícia Montada (RPMon).
“Há uma falha operacional, porque o relatório de inteligência que existe não gera o desdobramento operacional adequado. Quando a gente olha para o dia primeiro [data da posse de Lula] a gente vê uma diferença grande do que foi feito nesse dia e na falha operacional do dia 8”, comparou.
Outro ponto destacado por Cappelli foi que no dia 6 de janeiro, um documento da inteligência da polícia apontando a intenção de protestos violentos contra o resultado das eleições foi entregue ao gabinete de Torres. “Nesse relatório de inteligência dizia que uma manifestação era convocada como tomada do poder. Existia a ameaça concreta de invasão aos prédios públicos e ali está escrito tudo o que poderia acontecer”, disse.
Número de policiais não era suficiente para conter atos
O relatório, disse Cappelli, mostra que no dia dos ataques o número de policiais militares mobilizados para atuar na Esplanada dos Ministérios, de 555, era o previsto para uma rotina ordinária. “Tem um vídeo com as câmeras da Secretaria de Segurança onde pode-se constatar que não tínhamos metade disso na esplanada. A impressão que dá no vídeo é que haviam 150 homens na Esplanada naquele dia. É um efetivo que não guarda correspondência com o alerta de inteligência do dia 6”, criticou.
De acordo com o relatório, a manifestação saiu do acampamento localizado na frente do QG do Exército por volta das 13h do dia 8 de janeiro, e ao longo do caminho há registro de apreensões feitas pela polícia de pessoas com utensílios que já apontavam para a intenção de uma ação mais violenta. A quebra da linha de contenção na altura da Alameda dos Estados, em frente ao Congresso Nacional, ocorreu por volta de 14h43.
“O que demonstra que, entre a saída da manifestação e a chegada e quebra da linha de contenção tivemos em torno de uma hora e quarenta minutos, tempo suficiente para que fossem acionadas tropas para dar suporte a linha, uma vez que estava ficando clara a intenção dos manifestantes. O acionamento se dá somente às 15h e quando algumas tropas chegam na Esplanada [a sede] os Três Poderes já estavam invadidos”, disse Cappelli.
“Foi uma ação organizada, uma ação profissional, porque você vê pessoas com rádios comunicadores e é impressionante como, em um dado momento, todos se levantam ao mesmo tempo e puxam a primeira linha de gradis e elas tombam de ponta a ponta, foi um movimento coordenado”, afirmou.
Acampamento
De acordo com o interventor, os eventos que ocorreram em Brasília desde o final do ano passado até o dia 8 passaram pelo acampamento na frente do QG do Exército, em Brasília. Entre esses eventos está a tentativa de invasão da sede da Polícia Federal, no dia 12 de dezembro, que resultou no incêndio a veículos e na tentativa de explosão de uma bomba no Aeroporto Internacional de Brasília.
“Em todos esses eventos, todos os distúrbios no Distrito Federal, esses elementos saíam do acampamento, praticavam atos e depois regressavam para dentro do Setor Militar Urbano [onde fica o Quartel General do Exército]. Isso é importante registrar: a centralidade daquele acampamento em todos os atos criminosos registrados no Distrito Federal, ao longo de novembro, dezembro e que culminaram no dia 8”, afirmou.
Cappelli também disse que o relatório mostra que o acampamento tinha uma grande estrutura, com cozinha, banheiros químicos e geradores, chegando a ter mais de 300 veículos estacionados, entre eles caminhões vindos de diferentes estados do país. Segundo ele, na véspera dos ataques do dia 8 de janeiro, o local abrigava cerca de 4 mil pessoas. “Você tinha toda uma infraestrutura montada, numa verdadeira minicidade golpista, terrorista em frente o Quartel General do Exército”, disse o interventor.
Falta de comando
Cappelli afirmou que houve falta de comando e responsabilidade do então secretário de Segurança Pública do DF, Anderson Torres, e do alto comando da Polícia Militar no planejamento operacional relacionado aos atos do dia 8, uma vez que havia um relatório de inteligência mostrando a intenção de prática de violência.
"Na melhor das hipóteses faltou comando e responsabilidade. A Justiça está apurando e esse conjunto de coincidências podem caracterizar algo muito pior do que ausência de comando e responsabilidade", afirmou. Cappelli afirmou que nove coronéis, responsáveis por diferentes batalhões, estavam de férias no dia dos atos de vandalismo. “Essa é uma outra questão que pode ter tido impacto sobre os eventos que ocorreram no dia 8”, apontou.
O interventor disse que o Comandante da Polícia Militar, Fábio Augusto, esteve desde o início da manhã no campo de operações e que atuou para tentar defender a linha no Congresso Nacional e depois no STF. O militar está preso desde o dia 12 de janeiro.
“Apesar das tentativas dele de mobilizar os outros batalhões, as ordens e os apelos dele não foram atendidas. O comandante esteve em campo, atuou individualmente, mas perdeu o comando e a capacidade de comando das tropas ao longo do dia 8. Fez apelos que foram ignorados e não foram atendidos”, disse.
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