O indiciamento pela Polícia Federal (PF), nesta quinta-feira (21), do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e de outras 36 pessoas, suspeitas de integrar um suposto plano de golpe de Estado, desarticulou a mobilização no Congresso em favor da anistia dos presos do 8 de Janeiro. Apesar disso, a bancada de direita que faz oposição ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) promete reorganizar forças e seguir adiante.
O propósito dos parlamentares é continuar esse debate em todos os espaços disponíveis, independentemente da figura de Bolsonaro, e seguir na estratégia de focar no tema do perdão legislativo aos condenados, na realidade concreta de centenas de pessoas, vistas como vítimas de abusos judiciais e de perseguição política. Nesse sentido, deputados e senadores avisam que buscarão a anistia até quando for preciso.
Para as bancadas conservadoras do Congresso, que dependem de articulação com partidos do Centrão para atingirem a maioria em votações, a investida da PF que mirou militares suspeitos de envolvimento em suposta trama golpista não invalida a necessidade de corrigir excessos, como falhas no devido processo legal, falta de individualização de condutas e desproporcionalidade das penas aplicadas.
Apesar da ofensiva policial, amparada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e das condenações crescentes, a avaliação é de que o tema continua sendo uma bandeira política da direita e uma batalha jurídica das famílias dos presos com grande apoio da sociedade, tudo ainda marcado por um cenário de forte polarização do cenário nacional e por conflitos entre os poderes da República.
O projeto que prevê anistia aos envolvidos nos protestos de 8 de janeiro de 2023, na Praça dos Três Poderes, estava em análise na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. Mas o texto foi direcionado pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), no começo do mês para uma nova comissão especialmente dedicada ao tema. Sem a definição dos 34 membros nomeados para o colegiado especial, a tramitação da proposta segue sem previsão de avanço.
Nas últimas semanas, as vitórias da direita nas eleições municipais e a reeleição de Donald Trump nos Estados Unidos injetaram ânimo no movimento pró-anistia.
No entanto, explosões em frente ao STF no último dia 13, que resultaram na morte do autor, serviram como combustível para os críticos do perdão a réus do 8 de Janeiro. Não por acaso, o PT se apressou em pedir o arquivamento dos projetos nessa direção. A esse cenário, somam-se os novos eventos desta semana - Operação Contragolpe e indiciamento de 37 pessoas, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Parlamentares da direita prometem seguir na causa dos presos do 8 de janeiro
Da tribuna, a senadora Damares Alves (Republicanos-DF) prometeu não abandonar a causa da anistia dos presos do 8 de janeiro, e comparou o caso com outros processos históricos adotados no país em nome da pacificação social e política, sobretudo o de 1979. "Se no passado assaltantes, assassinos e torturadores foram anistiados, por que donas de casa inocentes não merecem o mesmo tratamento?", discursou.
O deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS) estranhou as ações da PF na Operação Contragolpe, e afirmou que não existe na lei previsão de crimes de planejamento, adotando a mesma linha de raciocínio do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).
O deputado disse ser também intrigante a reunião secreta no Palácio do Alvorada da semana passada entre Lula, ministros do STF e o diretor-geral da PF, que só veio à tona devido às explosões no DF.
“Parece que tudo foi pensado pelo STF para atrapalhar o projeto para anistiar os presos do 8 de janeiro. Mas os abusos e absurdos dessa e tantas outras operações da PF só reforçam a necessidade da anistia”, disse o parlamentar à Gazeta do Povo.
Em referência ao primeiro aniversário da morte de Clériston Cunha, o Clezão, nesta quarta-feira (20), durante prisão por envolvimento no 8 de janeiro e após apelos pela soltura da defesa e do Ministério Público em razão do estado de saúde, Van Hattem disse que “a vida dele não será em vão”.
“Um homem que representava o povo brasileiro decente e trabalhador, que não poderá ter justiça em vida por conta da perseguição cruel a que foi submetido. Clezão se tornou um símbolo, junto com a sua família, que segue forte e unida lembrando de seu legado todos os dias”, sublinhou.
A deputada Júlia Zanatta (PL-SC) ressaltou - durante audiência pública na última terça-feira (19) com familiares e advogados dos presos do 8 de janeiro - que a correção de injustiças nesse episódio é a prioridade de seu mandato desde o começo, em fevereiro de 2022. “Temos de seguir adiante até o fim, em nome do Estado Democrático de Direito”, enfatizou.
O deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) declarou ao Valor Econômico que defende uma reação do seu partido caso o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), não paute o projeto de anistia antes do fim do ano. Ele afirmou que qualquer decisão deve ser discutida com os líderes do PL e descartou se candidatar à presidência da Câmara, mas condicionou o seu apoio ao candidato Hugo Motta (Republicanos-PB), apoiado pela maioria das bancadas, à aprovação do perdão aos condenados do 8 de Janeiro.
Flávio Bolsonaro defende anistia e diz que abusos de Moraes serão punidos
Durante sessão especial no Senado para tratar da situação dos presos do 8 de janeiro, realizada na Comissão de Segurança Pública (CSP), o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), disse que a anistia é essencial para garantir justiça e “restaurar a democracia”. Segundo ele, a ausência da medida perpetua arbitrariedades e desequilíbrios institucionais. “A anistia é caminho de pacificação e gesto político necessário para enfrentar ações desmedidas do Judiciário”, disse.
Ao citar Moraes como símbolo dos abusos judiciais no país, Flávio Bolsonaro sublinhou que, sem a anistia, “o país perde a oportunidade de corrigir erros que violam princípios democráticos e direitos fundamentais”. O senador argumentou que o magistrado será derrotado pela combinação de mudanças políticas e institucionais nos próximos anos. “Ele só escapará da punição se incluir o próprio nome no projeto de anistia”, afirmou.
O senador sustenta que o acúmulo de ações controversas por parte do magistrado, incluindo decisões arbitrárias e censura, enfraqueceu a legitimidade de suas ações. Além disso, com a eventual mudança na composição do Senado a partir de 2027, será possível atingir maioria necessária para aprovar o impeachment dele, por exemplo.
Por fim, apontou que instituições internacionais já estão reagindo aos abusos, como nos casos das revelações feitas pelo Congresso dos EUA - documentos revelaram pelo ordens do STF para derrubar contas da direita no Brasil - e ainda as visitas feitas por congressistas brasileiros para denunciar naquele país a perseguição política contra a direita.
Para a oposição, investida da PF é cortina de fumaça para encobrir erros do governo
O inquérito da PF resultante da Operação Contragolpe ainda segue na maior parte protegido por sigilo, dentro da investigação que apura suposto plano para assassinar no fim de 2022 o presidente Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e o ministro Alexandre de Moraes, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), associado a uma suposta tentativa de golpe de Estado.
Parlamentares próximos de Jair Bolsonaro saíram em defesa do ex-presidente, apontando inconsistências legais e a falta de isenção em ações encabeçadas por Moraes, apontado pelo próprio juiz como vítima da suposta orquestração. Muitos postaram fotos ao lado de Bolsonaro em sinal de solidariedade e apoio e expuseram contradições dos fatos relatados pela PF.
Segundo o líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN), Alexandre de Moraes não tem condições legais de julgar o suposto plano golpista. Em entrevista à Folha de S. Paulo, ele apontou que o magistrado seria uma das “vítimas”, por isso não poderia julgar o caso. Nas redes sociais, o parlamentar afirmou que a narrativa de golpe “já está cansativa”, bem como “inquéritos de ofício e ministros do STF fazendo análises políticas”. "É mais uma cortina de fumaça para encobrir o desastre desse desgoverno”, anotou.
Bolsonaro e aliados lembram que ex-presidente foi alvo de plano de assassinato
A nova operação da PF serviu também para reforçar a conexão narrativa entre os casos apurados nos inquéritos conduzidos por Moraes, ampliando a pressão contra a anistia. O Palácio do Planalto aposta em perda de capital político para Bolsonaro e esvaziamento de ações que pudessem ajudá-lo a recuperar sua elegibilidade em tempo de concorrer à Presidência em 2026.
A deputada Bia Kicis (PL-DF) endossou a fala do vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (PL) de que o ex-presidente foi o único que efetivamente sofreu tentativa de assassinato. O próprio Jair Bolsonaro publicou na manhã desta quarta-feira (20), na plataforma X, vídeo de 2019 em que um youtuber sugere que a esquerda deveria elaborar um plano para assassiná-lo.
Em pronunciamento sobre a Operação Contragolpe e o indiciamento pela PF, Bolsonaro frisou que todas decisões de Moraes foram tomadas fora do que manda a lei.
Além disso, em entrevista à Veja, Bolsonaro afirmou que o suposto plano para eliminar adversários políticos nunca foi discutido com ele.
“Lá na Presidência havia mais ou menos 3 000 pessoas naquele prédio. Se um cara bola um negócio qualquer, o que eu tenho a ver com isso? Discutir comigo um plano para matar alguém, isso nunca aconteceu", disse o ex-presidente ao site da revista.
Motivações e procedimentos da operação são criticados por juristas e parlamentares
O ministro Alexandre de Moraes, do STF, decretou na última terça-feira (19) a prisão preventiva de um policial federal e quatro militares, incluindo um general da reserva, por suposto envolvimento em um plano de golpe de Estado que incluiria o assassinato da chapa presidencial eleita em 2022, além do próprio Moraes, citado 44 vezes em seu próprio despacho.
A decisão baseia-se em investigações da PF que indicam uma organização criminosa com “cinco eixos de atuação”, incluindo ataques às instituições democráticas e medidas sanitárias relacionadas à pandemia. Críticos, como o jurista André Marsiglia, apontam possíveis excessos na decisão, incluindo criminalização de opiniões e confusão entre planejamento e execução de crimes. Além disso, há críticas sobre como o debate científico foi tratado, sobretudo em relação a vacinas e medidas de combate à Covid.
Denúncias de abuso de autoridade por parte do STF e de perseguição política contra a direita brasileira apontam ações do sistema judicial carregadas de medidas autoritárias e inconstitucionais justificadas pelo pretexto de “salvar a democracia”. Para os críticos, essas ações têm se acelerado no país, ao mesmo tempo que grupos conservadores ganham força no cenário político nacional e internacional e tentam denunciá-las.
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