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Não é só o fogo

Descontrole na Amazônia: garimpo ilegal retira 30 toneladas de ouro todo ano

Presidente Jair Bolsonaro disse que pretende enviar ao Congresso projeto de lei para legalizar garimpos clandestinos do país. Mercúrio permanecerá vetado.
(Foto: Ascom/ Ibama)

O fogo na Amazônia não é a única preocupação do governo de Jair Bolsonaro (PSL) com a região. O presidente já falou mais de uma vez que deseja legalizar o garimpo e mineração na área, inclusive em terras indígenas. O Executivo diz estar montando um projeto de lei para ser avaliado pelo Congresso ainda nesse semestre. O debate sobre o tema é urgente: o garimpo ilegal na região chega a movimentar 30 toneladas de ouro por ano, gerando recursos financeiros seis vezes maiores que os obtidos legalmente.

O completo descontrole da cadeia econômica do ouro no Brasil começa a ser revelado após três anos de investigações de uma operação do Ministério Público Federal (MPF) e da Polícia Federal (PF). Segundo as corporações, a ação ilegal é “responsável por prejuízos financeiros, sociais e ambientais de proporções devastadoras”.

O MPF, do Pará, denunciou a empresa Ourominas, localizada em Itaituba, no sudoeste do Pará, por fraudar documentação e acobertar a origem clandestina do ouro. Só entre 2015 e 2018, o grupo teria fraudado a compra de 610 quilos do minério, causando um prejuízo de R$ 70 milhões aos cofres públicos. A Ourominas é uma das maiores empresas de comércio do ouro na bacia do Rio Tapajós, umas das áreas mais afetadas pelo garimpo ilegal.

Segundo os investigadores, a operação revelou apenas a ponta do iceberg do garimpo ilegal na região. A procuradoria cita dados revelados em uma audiência pública realizada em abril deste ano pela Agência Nacional de Mineração (ANM) na Câmara dos Deputados. A informação é de que só na bacia do Rio Tapajós são comercializadas ilegalmente 30 toneladas de ouro por ano – R$ 4,5 bilhões em recursos não declarados –, seis vezes mais que o comércio legal na mesma região.

Levantamento realizado pela ONG Amazônia Saqueada e outras organizações de Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela, mostra que na Amazônia há 2312 pontos e 245 áreas de garimpo ou extração de minerais como ouro, diamantes e coltan. Do total, 132 áreas estão no Brasil, principalmente na região do rio Tapajós.

Legislação arcaica

A legislação arcaica no setor do comércio de minérios facilita as fraudes. A operação revelou que as notas fiscais da compra de ouro eram preenchidas manualmente, à caneta, e ficavam estocadas com os compradores, dificultando a fiscalização e o cruzamento de dados por parte do poder público. É a própria lei a exigir, no máximo, o uso de máquina de escrever e papel-carbono para a confecção dos documentos.

O MPF alerta sobre as falhas na regulamentação, que permitem que empresas mineradoras de porte industrial tenham “seus impactos considerados equivalentes à atividade de um garimpeiro artesanal”. A falta de limites para a emissão de autorizações de exploração de lavra é outro ponto destacado pelos investigadores: a lei permite que uma mesma pessoa ou cooperativa detenha quantas permissões de lavra conseguir registrar em seu nome. Entre os comerciantes e garimpeiros envolvidos no esquema, o empresário Francisco do Nascimento Moura resultou titular de 66 permissões de lavras garimpeiras.

Além disso, a União não tem qualquer controle quantitativo sobre a exploração de suas jazidas. “O ouro não tem classificação de origem e a lavra não tem estimativa de ouro expedido, ou seja, posso fazer toneladas de ouro sem que o governo saiba. Isso porque o sistema não é informatizado, não tem alerta eletrônico que é disparado para o governo”, explica à Gazeta do Povo, Paulo De Tarso Moreira de Oliveira, um dos procuradores da força-tarefa Amazônia, que apresentou a denúncia.

Ação contra ANM, União e Banco Central do Brasil

Paralelamente à denúncia criminal, o MPF apresentou uma ação civil contra a Agência Nacional de Mineração (ANM), a União e o Banco Central do Brasil por omissões no controle e regulamentação. O MPF acusa a ANM de inércia e ausência de fiscalização, “o que tem contribuído para o crescimento exponencial da comercialização de ouro ilegal no país”.

A responsabilidade do Banco Central do Brasil, segundo o Ministério Público, “reside em seu absoluto descontrole quanto à comercialização de ouro”. O banco é o órgão responsável para fiscalizar e autorizar o funcionamento das Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários (DTVM) e os Postos de Compra de Ouro (PCO), únicos estabelecimentos licenciados para comprar ouro proveniente de garimpo. É por meio destes estabelecimentos que o minério, inclusive extraído ilegalmente, ingressa formalmente no mercado financeiro.

Segundo o procurador, o rastreio do minério é extremamente falho e o ouro extraído ilegalmente é facilmente apresentado como se estivesse sido obtido de garimpos legais: “Se esse ouro é derretido e inserido [no mercado legal], nunca mais vai ser recuperado”, explica De Tarso.

Envenenamento em massa

A extração ilegal do ouro tem consequência não só no circuito financeiro, mas também sobre a saúde e o meio ambiente. Laudo elaborado pela Polícia Federal e pela Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) apontou que foram encontrados dejetos tóxicos nas águas do Rio Tapajós, causados pela mineração ilegal. A quantidade despejada nas águas do rio, a cada 11 anos, é equivalente a do rompimento da barragem da Samarco, ocorrido em Mariana, Minas Gerais, em 2015.

A estimativa é de que são liberadas no meio ambiente 221 toneladas de mercúrio por ano. O elemento envenena trabalhadores e as comunidades indígenas e ribeirinhas da região. Isto ocorre porque o ouro é encontrado em amalgama com o mercúrio. Para liberar o mineral precioso, os garimpeiros submetem o mercúrio a altas temperaturas, que evapora liberando o ouro.

Combate passa pela legislação

A emissão de notas fiscais manuais, sem controle informatizado, é só a falha mais evidente entre as detectadas pela operação. “Há inúmeras falhas legislativas em torno desse assunto [cadeia econômica do ouro]: desde o direito ambiental ao minerário, fundiário e tributário. Há muitas coisas erradas”, afirma De Tarso.

Na opinião do procurador, a legislação precisa ser atualizada. “[Hoje] não tem mais esse garimpeiro tradicional, trabalhador braçal com pouca educação que extrai para a sua sobrevivência. Hoje tem pessoas ou grupos fortes economicamente, que usam maquinas pesadas, tem acesso a informações privilegiadas e às vezes se servem de geólogos”, explica.

* Na primeira versão, o texto reportou erroneamente que o órgão fiscalizador da cadeia do ouro é o Banco do Brasil, quando na verdade é o Banco Central do Brasil. A matéria foi atualizada às 15h16.

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