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O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) registrou aumento de 86% nas demandas por informações motivadas por suspeitas ou investigações contra tráfico de drogas entre 2014 e 2023. O Coaf, vinculado ao Banco Central, é responsável por fornecer informações financeiras para investigações criminais.
No mesmo período, os pedidos com base em investigações sobre facções criminosas subiram de 3,4% para 11% do total de demandas do Coaf. Por outro lado, as demandas de informação sobre investigações ou denúncias de corrupção tiveram decréscimo de 38,5% para 14,2%.
Os pedidos de informação ao Coaf são dirigidos por órgãos como a Polícia Federal e a Polícia Civil. Os dados revelam que as instâncias investigadoras no Brasil estão investigando mais crimes comuns, como tráfico e os vinculados às facções criminosas, do que os crimes de colarinho branco.
Os dados são do estudo Segurança Pública e Crime Organizado no Brasil. O documento foi idealizado pelo Esfera, um think thank criado para pensar sobre questões políticas e sociais do país, em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, uma ONG de viés progressista voltada para a pesquisa em segurança pública.
A publicação ainda destaca que, entre 2014 e 2023, o número de comunicações formais recebidas pelo Coaf aumentou 553%. Desde 2020, quando foi realizada uma reestruturação no órgão, o Conselho tem recebido anualmente entre 6 e 7 milhões de comunicações de operações financeiras. Dessas, 71% de comunicações de operações em espécie (COE) e 29% são de comunicações de operações suspeitas (COS), casos que já apresentam indícios mais consistentes de práticas criminosas.
Maiores facções criminosas diversificam atividades
A publicação ainda traz dados sobre a atuação das facções criminosas no país. Atualmente, 72 delas atuam em todo o território nacional. O Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro, e o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, são as duas maiores, também com atuação internacional.
Um ponto chave para entender o domínio de ambos os grupos é a variação de seus negócios, incluindo, inclusive, atividades legais, como a construção civil, transportes e hotelaria, que geram novas fontes de renda e as auxiliam a lavar o dinheiro gerado com o tráfico.
O PCC se tornou a maior facção brasileira após ter conquistado importantes rotas do tráfico em uma alegada "guerra" contra o CV que teria acontecido entre 2016 e 2017, bem como por sua capacidade de lavar dinheiro. Esse suposto conflito vem sendo usado por pesquisadores para justificar altas da violência sem culpar políticas de segurança com falhas.
Denúncias recentes do Ministério Público de São Paulo contra empresas concessionárias de ônibus na capital do estado demonstram a amplitude dos negócios do PCC. Integrantes da facção teriam se tornado sócios de empresas de transporte para fraudar licitações e lavar dinheiro do tráfico.
Além disso, associações internacionais com a máfia da sérvia Šarić e com a italiana Ndrangheta demonstram as ligações internacionais da facção para viabilizar o escoamento da droga produzida na Bolívia e no Peru, para países da Europa e da África.
No Brasil, o PCC está presente em 23 estados, principalmente no Centro-oeste e Sul, de onde operacionaliza o transporte da droga até chegar aos portos do Sudeste e Sul para que, então, seja enviada para outros países.
Atrás apenas do PCC, o Comando Vermelho atua em 20 estados do Brasil. Após a rival paulista dominar as rotas do tráfico no Centro-oeste e Sul, a facção carioca se moveu para a região Norte e dominou rotas vindas do Peru e da Colômbia para abastecer postos internos no país e exportar a droga. A facção também integrou o garimpo e a extração ilegais de madeira às suas atividades.
Propostas para o governo brasileiro lidar com o crime
O estudo ainda destaca a influência das criptomoedas nas dinâmicas criminosas. Em razão do anonimato e da portabilidade característicos desse tipo de ativo, as organizações criminosas acabam estabelecendo mercados virtuais para golpes, fraudes e para crimes como tráfico de pessoas, de armas e de drogas. As moedas digitais também são utilizadas para lavagem de dinheiro.
Diante dessas questões, a publicação traz sugestões para a segurança pública no país, como o fortalecimento do Coaf. O estudo indica que em 2023, o órgão conseguiu atender a 73,3% dos pedidos informação originados na Polícia Federal e 64,1% das solicitações das polícias civis.
A criação de um Comitê Interministerial de Combate ao Crime Organizado e a racionalização da base de dados da segurança pública no país, também são propostas pelo Esfera, assim como medidas para atualizar legislações de proteção de dados e prestação de serviços de ativos virtuais.