Apresentada nesta sexta-feira (30) pela Secretaria da Fazenda do Ministério da Economia, a proposta orçamentária para 2020 prevê o menor patamar de investimento público já registrado pela Secretaria do Tesouro Nacional, que iniciou sua série histórica de análise de contas da União em 2007. Serão apenas R$ 19,3 bilhões disponíveis para investimento no ano que vem, uma redução de 15% em relação ao que dever ser gasto neste ano (previsão de R$ 22,7 bilhões).
Em valores corrigidos pelo Índice de Preços ao Consumidor (IPCA), a previsão de investimentos no ano que vem é de menos da metade do que foi investido em 2007 (R$ 42,7 bilhões) e de menos de um quinto do total de R$ 103,2 bilhões investidos em 2014. O valor previsto para investimentos é inferior até aos valores nominais de 2007, quando foram investidos R$ 21,8 bilhões do orçamento da época (quando as despesas totais foram de R$ 458 bilhões, ante o R$ 1,48 trilhão deste ano).
Os investimentos fazem parte das despesas discricionárias, aquelas sobre as quais o governo têm liberdade de gastos e remanejamento. Além dos investimentos, tal rubrica prevê os gastos com o custeio da máquina. Para o ano que vem, serão apenas R$ 89 bilhões destinados aos gastos discricionários, também o menor valor do índice histórico do Tesouro Nacional (neste caso, a série teve início em 2009).
No orçamento deste ano, por exemplo, havia R$ 123,9 bilhões destinados para os gastos discricionários. Com o contingenciamento de 25% promovido pelo governo, R$ 31,2 bilhões foram bloqueados e R$ 92,7 bilhões liberados para despesas, valor superior ao que será autorizado para 2020 e que já vem causando dificuldades financeiras para ministérios e outros órgãos da União.
O secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, afirmou que o valor previsto para investimentos e custeio da máquina é sim muito baixo, mas negou que vai comprometer a eficiência da máquina pública. Ele disse que o governo vai tentar conseguir receitas adicionais em 2020 para tentar aumentar o valor disponível para despesas discricionárias.
Orçamento "livre" em queda
Nunca o governo federal teve tão pouco recurso para investimentos, execução de políticas públicas ou, mesmo, para o custeio da máquina, como o pagamento de contas de água e de luz, serviços terceirizados (limpeza, segurança), compra de materiais e manutenção de equipamentos. O Boletim Macrofiscal, da Secretaria de Política Econômica, órgão vinculado ao Ministério da Economia, mostra que as despesas discricionárias caíram 24% no primeiro semestre, em comparação a igual período do ano passado.
As discricionárias são aquelas despesas em que o gestor tem liberdade para definir a alocação dos recursos, de acordo com as necessidades e as prioridades do governo. Do orçamento de R$ 3,2 trilhões deste ano, R$ 1,5 trilhão é gasto com despesas financeiras (resultantes do pagamento de uma dívida do governo, na concessão de empréstimo ou no subsídio dos juros de empréstimos tomados por outra instituição ou pessoa). Mais R$ 1,59 trilhão são gastos obrigatórios (que a União tem a obrigação legal ou contratual de realizar, como as despesas com pessoal e encargos sociais e os benefícios da Previdência Social). Sobrariam, assim, R$ 124 bilhões para o governo empenhar como quiser. É esta pequena fatia do orçamento que a União pode destinar para obras, programas de governo, custeio da máquina público, ou, contingenciar.
Com o crescimento das despesas obrigatórias, principalmente e a ampliação dos subsídios e gastos tributários, o governo já precisou contingenciar R$ 31,2 bilhões neste ano, deixando disponíveis apenas R$ 92,7 bilhões. Desses, R$ 64 bilhões já foram gastos; outros R$ 25 bilhões já estão empenhados, sobrando pouco mais de R$ 3,7 bilhões para novas despesas.
“Não quer dizer que o dinheiro acabou e que vai faltar recursos para coisas básicas, pois muito do que está empenhado pode se tratar de contratos anuais para esses serviços. Mas é, sim, uma situação delicada”, explica Gil Castelo Branco, da organização não governamental Contas Abertas, que faz monitoramento em tempo real do Orçamento público.
Para o economista, a situação atual é decorrente da crise fiscal de anos anteriores. “Tivemos um aumento enorme de pessoal e Previdência. Temer entrou e concedeu todos os aumentos que Dilma já tinha negociado. Foram aumentos escalonados em 2016, 2017, 2018 e 2019. Uma enxurrada de aumentos salariais num momento de instabilidade, não deveria ter sido feito, mas era um cenário de governo fraco saindo e governo fraco entrando, então, deram o aumento salarial, o que aumentou a despesa com pessoal significativamente”, comenta.
“Com o custo da Previdência aumentando e a arrecadação murchando, não houve alternativa que não a compressão das despesas discricionárias. Os valores nominais, de agora, sem nem corrigir pela inflação, são iguais aos de quatro ou cinco anos atrás. Corrigidos, são os piores da década”, acrescenta.
De acordo com o Boletim Macrofiscal, a crescente elevação dos gastos obrigatórios do governo federal, sobretudo as despesas com pessoal e previdência, levou a uma redução de 24% das despesas discricionárias no primeiro semestre de 2019 em comparação ao mesmo período de 2018. "Dentre as funções que mais sofreram estão as áreas da Saúde, Educação e Transportes cujos orçamentos juntos caíram mais de 30% nos primeiros seis meses", diz o relatório.
“Além dessas três áreas, outras 17 funções governamentais tiveram perda de orçamento, quando comparados os primeiros seis meses dos dois anos. Em 2019, os gastos discricionários da União estão no menor nível desde 2008, quando começou a ser feita a série histórica”, prossegue o boletim.
De acordo com o subsecretário de Política Fiscal do Ministério da Economia, Marco Cavalcanti, o governo federal vem buscando maneiras de até o fim do ano recompor o orçamento discricionário. “Estamos trabalhando para que novas receitas sejam viabilizadas ainda em 2019”, observou no relatório, ressaltando que hoje mais de 93% do orçamento primário federal é composto por despesas obrigatórias.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, já anunciou a intenção de desbloquear pelo menos R$ 13 bilhões em setembro, o que, para Castelo Branco seria o suficiente para tirar os ministérios do sufoco. “A receita está reagindo favoravelmente e eles estão querendo reduzir a despesa prevista com o aumento de capital de empresas estatais federais. A expectativa é de que teremos um desbloqueio em setembro”, diz.