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A possibilidade de afrouxamento nas regras de isolamento social para se proteger do novo coronavírus a partir desta segunda-feira (13), conforme possibilidade aberta pelo Ministério da Saúde em boletim epidemiológico, pode gerar conflitos entre estados e municípios. Caso pretendam seguir a recomendação, reabrindo comércio e escolas, por exemplo, alguns os prefeitos estarão indo contra decretos feitos por seus governadores.
O boletim divulgado pelo Ministério da Saúde no dia 6 de abril estabelece regras para flexibilizar o distanciamento social. Pelo texto, poderiam passar de um modelo de isolamento amplo (todas as pessoas) para o seletivo (para grupos específicos, como idosos e portadores de doenças crônicas, por exemplo), os municípios e estados que tiverem mais de 50% do sistema de saúde desocupado.
Uma exceção a essa recomendação se faz para lugares que tenham incidência de casos de coronavírus 50% maior que o índice nacional – que, no domingo (12), era de 9,8 para cada 100 mil habitantes.
Diante da repercussão da sugestão de afrouxamento das medidas, a pasta voltou a falar sobre o tema em boletim epidemiológico publicado na quinta (9). Esclareceu que “nunca recomendou a adoção de qualquer medida de distanciamento social específica” e que a orientação deveria ser interpretada pelos gestores locais “com base em suas realidades epidemiológicas e estruturais”.
Cidades e estados podem viver impasse no afrouxamento do isolamento
Se a sugestão do ministério for considerada e acatada por governadores e prefeitos, o relaxamento de alguns municípios pode acabar afetando as medidas de contenção da transmissão do vírus adotadas por seus estados.
Porto Alegre, por exemplo, tinha até esta sexta-feira (9) um dos níveis mais altos de incidência da Covid-19 no Brasil, com 21,7 casos para cada 100 mil habitantes, mais que o dobro da média nacional, de 9,8. No entanto, seu estado, o Rio Grande do Sul, é apenas o 14º estado brasileiro nesse índice, com coeficiente de 5,6, longe da incidência 50% acima da nacional. A abertura do comércio em municípios vizinhos pode, por exemplo, incentivar o fluxo de pessoas da capital para o interior.
Além de Porto Alegre, capitais como Florianópolis e Vitória também chamam a atenção por destoarem consideravelmente dos índices de seus estados, Santa Catarina e Espírito Santo, respectivamente. As três capitais têm mais do que o triplo de incidência da Covid-19 em relação aos seus estados inteiros.
Outro impasse poderia ser a tentativa de ruptura do decreto estadual por prefeitos, com respaldo nas recomendações do Ministério da Saúde. No dia 7, por exemplo, a prefeitura de Brusque (SC) tentou decretar a reabertura do comércio no município, à revelia do decreto do governo de Santa Catarina, que ordena o fechamento da maioria das atividades comerciais.
No fim de março, o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, sugeriu que liberaria, aos poucos, as atividades comerciais na capital do RJ. Wilson Witzel, governador do Rio, ameaçou publicar um decreto barrando a medida de Crivella, mas, até agora, o conflito não envolveu assinaturas de documentos e acabou se limitando a declarações informais dos dois políticos.
Municípios podem fechar mais que o estado, mas não abrir
A flexibilização sugerida pelo ministério não pode ser usada como argumento para que prefeitos descumpram decisões impostas pelos governadores. Um município não pode desacatar o decreto de fechamento do comércio feito pelo governo do estado, de acordo com o advogado Acacio Miranda, especialista em Direito Constitucional.
Os decretos de fechamento de atividades são constitucionais, segundo Miranda, por se apoiarem no argumento de necessidade de manutenção da saúde pública. Nesse ponto, estados não podem querer revogar medidas restritivas de municípios, assim como a União não pode impedir os estados de limitarem as atividades, como o próprio Supremo Tribunal Federal (STF) reafirmou na quarta-feira (8).
Se um governador determinou o fechamento do comércio, o prefeito não pode determinar a abertura, explica Miranda. Por outro lado, se o governador determinou o fechamento de algumas atividades, o prefeito pode estabelecer o fechamento de outras atividades além daquelas que a autoridade estadual já previu.
“O ideal é que o estado faça um decreto estabelecendo o isolamento de acordo com suas competências, e os municípios complementem”, diz o advogado. Municípios podem, por exemplo, determinar o horário de funcionamento do comércio, que o STF já determinou como competência deles.
"O estado regulamenta de forma geral, e o município complementa aquilo que não esteja estabelecido pelo estado. No estado de São Paulo, o [governador João] Doria determinou que o abastecimento não poderia ser interrompido. A prefeitura de São Paulo determinou a forma como as padarias trabalham, a forma como os restaurantes trabalham, como supermercados trabalham. Há uma complementação entre eles", esclarece Miranda.