Principal política de prevenção ao novo coronavírus no mundo, o isolamento social é motivo de divergência no Brasil. O presidente Jair Bolsonaro defende que apenas idosos e doentes crônicos fiquem isolados e que o restante das pessoas volte à normalidade de suas atividades para não prejudicar a economia. Já o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, recomenda que se siga os protocolos de isolamento preconizados pela Organização Mundial da Saúde.
Na segunda-feira (6), boletim epidemiológico do Ministério da Saúde apresentou regras para afrouxar o distanciamento social. Mas, afinal, até quando é necessário manter as pessoas em casa como estratégia de combate ao coronavírus?
O Ministério da Saúde divide as estratégias de isolamento social em três vertentes principais. A medida adotada atualmente em boa parte do país é o Distanciamento Social Ampliado (DSA), que recomenda que todos permaneçam em casa durante a vigência da medida, restringindo ao máximo o contato com as pessoas.
Outro método é o Distanciamento Social Seletivo (DSS), quando apenas alguns grupos ficam isolados. Fazem parte desses grupos aqueles que apresentam mais riscos de desenvolver a doença ou os que podem apresentar um quadro mais grave, como idosos e pessoas com doenças crônicas, por exemplo.
Por fim, há o bloqueio total, ou lockdown, que é o nível mais alto de segurança. Durante um bloqueio total, todas as entradas de um perímetro são bloqueadas por profissionais de segurança e ninguém tem permissão de entrar ou sair dessa região. No Brasil, não houve nenhuma região que adotou esse protocolo até agora.
Nova diretriz do Ministério da Saúde sobre isolamento social
Em boletim epidemiológico divulgado na segunda-feira, o Ministério da Saúde propõe afrouxar a partir de 13 de abril o isolamento social em algumas regiões. A pasta define dois critérios para isso: as novas medidas devem ser adotadas em regiões que não comprometeram mais do que metade da capacidade de atendimento de saúde instalada antes da pandemia do novo coronavírus; e com incidência da doença que não supere em 50% a média nacional.
O que o ministério fez é estabelecer critérios para que estados e municípios que adotaram o modelo DSA façam a substituição pelo DSS. Com isso, a pasta pretende permitir a retomada gradual da circulação e da atividade econômica.
Por outro lado, regiões com mais da metade da capacidade ocupada e com coeficiente de incidência 50% superior à estimativa nacional deverão manter regras de isolamento social amplo até que seus sistemas de saúde estejam providos de leitos, respiradores, testes, equipamentos de proteção e equipes de saúde suficientes.
Para o pesquisador da Fiocruz e coordenador do Programa de Computação Científica (Procc/Fiocruz), Daniel Villela, ainda é cedo para falar em relaxamento do isolamento social. “Isso ainda está sendo discutido e está sendo melhor formatado. Vai depender de testagem, saber pessoas que são imunes, saber se esses testes são confiáveis e ter uma volta gradativa. Se for volta abrupta pode ter efeitos indesejáveis”, explica.
Ele ressalta que a estratégia deve ser avaliada caso a caso. “Não dá para fazer uma política para o país inteiro ao mesmo tempo, tem que ser pontual. No momento, o isolamento está sendo disseminado em todos os lugares. Na hora que conseguir reconhecer que determinados lugares você já passou de determinado ponto da epidemia, vai pensando em fazer a volta gradativa. Esse ponto precisa pensar e pode ser diferente em estados e municípios”, explica.
Villela defende que o isolamento social deve ser continuado por enquanto. “Devemos ficar mais atentos e continuar nessa política de isolamento social. Isso, no final das contas, tem o efeito de alongar o processo e empurrar o pico lá para frente”, defende.
Aprovação popular
O isolamento social, apesar de não ser a alternativa preferida do presidente da República para combater o coronavírus, é defendido pela maior parte da população. Pesquisa Datafolha divulgada na segunda-feira (6) mostra que 76% dos brasileiros apoiam o isolamento social.
Outros 18% dos entrevistados defendem que é melhor acabar com o isolamento para estimular a economia. Já 6% não sabem ou não responderam. A pesquisa foi realizada por telefone entre os dias 1º e 3 de abril. Foram ouvidas 1.511 pessoas e a margem de erro da pesquisa é de três pontos percentuais para mais ou para menos.
Por que o isolamento social é importante
As medidas de distanciamento social visam, principalmente, reduzir a velocidade da transmissão do coronavírus, que ocorreria de modo controlado em pequenos grupos e daria tempo para o sistema de saúde preparar sua estrutura com equipamentos e recursos humanos.
O secretário de vigilância do Ministério da Saúde, Wanderson de Oliveira explicou que a razão de tanto cuidado do ministério em adotar a medida de distanciamento social seletivo. "A teoria do distanciamento social seletivo, em que eu abro o sistema para que populações jovens possam transitar, se infectar e criar com isso imunidade de rebanho, em teoria, ela é razoável. Não tem problema do ponto de vista metodológico, desde que tivéssemos leitos, respiradores e equipamentos de proteção suficientes", afirmou o secretário. "O único instrumento de controle existente, possível e disponível hoje é o distanciamento social", completou, em coletiva de imprensa na segunda-feira (6).
Um relatório técnico publicado por cientistas e por Mandetta nesta terça-feira (7), na Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, também externa preocupações com o sistema de saúde do Brasil caso haja um rápido avanço da contaminação pela covid-19. Os cientistas defendem o isolamento social como medida mais eficaz para combater o vírus neste momento.
"Há preocupações relativas à disponibilidade de unidades de terapia intensiva (UTIs) e ventiladores mecânicos necessários para pacientes hospitalizados com covid-19 bem como a disponibilidade de testes de diagnóstico específico, particularmente os RT-PCR de tempo real, para a detecção precoce de covid-19 e a prevenção de transmissão subsequente", afirma o relatório.
O documento também defende que o isolamento social deve ser introduzido já nas fases iniciais do surto de forma a "achatar a curva epidemiológica com o menor impacto econômico possível". Os autores argumentam que, se o distanciamento social e a restrição do acesso do público apenas a serviços essenciais forem efetivos, é possível mitigar o impacto econômico e, ao mesmo tempo, controlar a propagação da covid-19.
Pesquisadores da Fiocruz e da FGV também defendem medidas de redução da mobilidade intermunicipal e distanciamento social. Segundo um relatório publicado na última sexta-feira (3), as medidas de restrição da circulação de pessoas podem se refletir em tempo ganho no processo de interiorização da disseminação do novo coronavírus.
De acordo com as projeções da Fiocruz, há um impacto significativo na disseminação da covid-19 quando há redução no fluxo de pessoas de uma cidade para outra, se também houver o isolamento social dentro dos municípios. Ainda segundo o relatório, se adotadas de maneira independente, ações locais se mostram mais relevantes que redução de fluxos entre cidades.
Os pesquisadores citam o exemplo do estado de São Paulo. A diminuição de 30% no fluxo entre cidades resulta em um ganho de cerca de uma semana em todo o estado, em termos de número de contaminados por covid-19. Já uma maior diminuição desse fluxo (80%), junto com um distanciamento social muito eficiente, pode atrasar a propagação do coronavírus para o restante do estado por mais de um mês.
O relatório é produzido pelo Núcleo de Métodos Analíticos para Vigilância em Epidemiologia (Mave), grupo formado por pesquisadores do Programa de Computação Científica (Procc/Fiocruz) e da Escola de Matemática Aplicada (EMAp/FGV).
Pico de Covid-19 deve ocorrer entre abril e maio
O relatório técnico assinado por cientistas e por Mandetta afirma que se espera um aumento de casos do novo coronavírus no Brasil "nos próximos meses", apontando para modelos matemáticos segundo os quais a Covid-19 permanecerá potencialmente em circulação "até meados de setembro" e terá "um pico importante" em abril e maio.
Essa expectativa confirma o que já vem falando o ministro da Saúde desde o início da pandemia de coronavírus no Brasil. Luiz Henrique Mandetta acredita que, a partir de setembro, os casos devem começar a apresentar quedas significativas no país.
O documento aponta que, se o isolamento social for adotado antes de o ritmo de contágio pela doença acelerar demais, é possível mitigar o impacto econômico do fechamento de serviços não essenciais.
Segundo o pesquisador da Fiocruz, ainda é prematuro estimar quando o pico da doença pode ocorrer no Brasil. “Ainda é muito cedo para estimar isso, dizer com segurança”, diz Villela. “O fato é que tem dados chegando com atraso, os laboratórios estão sobrecarregados. Teria que ter uma ideia melhor do que é a fotografia do momento hoje”, explica. Além disso, Villela acrescenta que o isolamento social adotado nos estados e municípios pode acabar empurrando o pico de contágio para o futuro.
Estados mais críticos
O Ministério da Saúde avalia que no Brasil os pontos de epidemia ainda estão localizados. O coeficiente de incidência nacional do coronavírus é de 5,7 casos a cada 100 mil habitantes, segundo o boletim epidemiológico divulgado na segunda-feira (6).
O ministério vê com preocupação a situação de cinco estados que extrapolaram a taxa média de incidência: Distrito Federal (15,5 casos a cada 100 mil habitantes) e dos estados do Amazonas (12,6 casos a cada 100 mil habitantes); Ceará (11 casos a cada 100 mil habitantes); São Paulo (10,5 casos a cada 100 mil habitantes); e Rio de Janeiro (8,4 casos a cada 100 mil habitantes). “Nesses locais, a fase da epidemia pode estar na transição para fase de aceleração descontrolada”, explica o texto.
O relatório da Fiocruz mostra que o Brasil já vive um processo de interiorização da epidemia de Covid-19. E, além dos cinco estados elencados pelo Ministério da Saúde, os pesquisadores acrescentam outros três estados que requerem atenção: Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Bahia. Segundo o documento, municípios brasileiros próximos a centros urbanos que já possuem transmissão sustentada e mais de cem casos, como é o caso das capitais Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Fortaleza, Salvador, Brasília e Manaus, são os com maior risco de disseminação da doença neste momento.
Em São Paulo, segundo a Fiocruz, o processo de interiorização da doença já está em curso. A região metropolitana da capital e o eixo para Campinas já apresentam vários municípios com pelo menos 10 casos.
No Rio de Janeiro, apenas dois municípios fora da capital registraram até agora mais de 10 casos: Volta Redonda e Niterói. Segundo os pesquisadores, isso pode ser um indicativo de retardamento no processo de interiorização prevista para outras regiões do estado.
Segundo as previsões, que se baseiam em modelos matemáticos, todas as capitais estaduais e o Distrito Federal são considerados como regiões com grande probabilidade de acumular casos graves no curto prazo.
Os pesquisadores destacam ainda que o litoral sul da Bahia e a região do litoral catarinense já apresentam um número de casos que requerem atenção, de acordo com os dados levantados no estudo. No Norte, principalmente em Manaus e os municípios a jusante no Rio Amazonas são os locais com maior disseminação. No nordeste, o Ceará aparece como importante epicentro.
Amazonas, Ceará e Bahia demandam atenção especial, uma vez que a combinação de um alto risco de introdução da epidemia com alta vulnerabilidade constitui em situação de alerta máximo, segundo a Fiocruz.
Como está a incidência do coronavírus no Brasil
Triângulo Mineiro investe na prospecção de talentos para impulsionar polo de inovação
Investimentos no Vale do Lítio estimulam economia da região mais pobre de Minas Gerais
Conheça o município paranaense que impulsiona a produção de mel no Brasil
Decisões de Toffoli sobre Odebrecht duram meses sem previsão de julgamento no STF
Deixe sua opinião