Um convênio entre a Itaipu Binacional com a Cooperativa Central da Reforma Agrária do Paraná (CCA-PR) vai destinar, até 2027, quase R$ 81 milhões dos caixas da hidrelétrica para uma cooperativa que integra o Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST). A decisão vem sendo interpretada como uma ação política de gestores indicados pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que alteraram o foco de investimentos de Itaipu. Antes, os recursos eram destinados a obras de infraestrutura.
Segundo dados da usina de Itaipu, só entre 2023 e 2024 está previsto um total de R$ 30 milhões. Em média, a usina está enviando à entidade mais de R$ 1 milhão por mês. O volume recorde do repasse deve ser em 2025 quando a previsão supera R$ 19,3 milhões, de acordo com o convênio.
A Gazeta do Povo indagou a cooperativa que integra o MST e a Itaipu sobre os parâmetros que definiriam o convênio, quais foram os critérios de seleção e como será a prestação de contas. A cooperativa não se manifestou até a publicação da reportagem, já a Itaipu disse que não se trata de um repasse de recursos, mas um convênio tripartite envolvendo a Binacional, a cooperativa e a Fundação Parque Tecnológico Itaipu. A hidrelétrica disse que a aplicação da verba milionária será monitorada, destinada à assistência técnica e fomento à produção de alimentos pela agricultura familiar (leia resposta completa abaixo).
A Itaipu Binacional é uma empresa pública, mas juridicamente internacional envolvendo o Brasil e o Paraguai. Ela é regida por um tratado firmado entre os dois países em 1973. Por este motivo, a empresa não está sujeita à legislação brasileira e não presta contas de forma convencional como as demais empresas públicas brasileiras.
Tradicionalmente a Itaipu faz ações não relacionadas à geração de energia para investir na região onde está instalada. Ela mesmo define quais projetos e ações cabem no seu escopo para serem patrocinadas ou que contarão com destinação de recursos. Mas os gestores que tomam essas decisões são indicados pelo governo.
A direção atual assumiu em março de 2023, indicada pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A hidrelétrica então se voltou para projetos principalmente sociais e ambientais e tirou de sua carteira de investimentos grandes obras estruturantes.
Durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) o foco foi o investimento em infraestrutura, como a construção da segunda ponte ligando o Brasil ao Paraguai - entre as cidades de Foz do Iguaçu (PR) e Presidente Franco (PY) - , o início das obras da terceira ponte, que ligará Porto Murtinho (MS) e Carmelo Peralta (PY), além de duplicações de rodovias e anéis viários.
Segundo o diretor-geral brasileiro da Itaipu, Enio Verri, o projeto em parceria com a cooperativa ligada ao MST não é exclusivamente de Itaipu e foi um pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). “É um projeto vinculado ao governo Lula, que está pensando no Brasil, e nós, de Itaipu, estamos reproduzindo esse pensamento aqui no estado do Paraná. Esse projeto já está em andamento, por meio dos recursos disponíveis, e pretendemos que ele instrumentalize todas as nossas cooperativas e associações”, afirmou.
De acordo com o convênio milionário firmado com a Binacional, a cooperativa nasceu no início dos anos 1990 com o objetivo de “coordenar e planejar o desenvolvimento socioeconômico das famílias assentadas no estado” e presta atendimento técnico e jurídico para as cooperativas envolvidas nas comunidades e assentamentos ligados a programas de reforma agrária e ao MST.
“Enquanto Foz do Iguaçu [cidade sede da hidrelétrica na margem brasileira] está tendo a maior epidemia de dengue da história; enquanto não temos duplicação da BR-277 de Foz do Iguaçu a Curitiba; enquanto São Paulo que é abastecida por energia de Itaipu sofre com falta de investimento na estrutura elétrica e fica dias sem energia; Itaipu tem a energia elétrica mais cara de todas as hidrelétricas de grande porte e investe em ações que não são de sua atividade e, inclusive, contra o direto à prioridade do Brasil”, alerta o deputado federal, membro da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), Nelsinho Padovani (União-PR).
O Paraná é um dos estados com maior número de áreas invadidas no Brasil. Entre espaços urbanos e rurais são mais de 100 ocupações, muitas com reintegrações de posse determinadas pela Justiça há décadas que nunca foram cumpridas. Segundo o próprio MST, no Paraná existem 329 assentamentos aonde vivem 21 mil famílias. Outras sete mil famílias esperam terras em 81 áreas invadidas.
Na semana passada, o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputado federal Pedro Lupion (PP-PR), falou que há inércia e incompetência do governo federal para resolver assuntos relacionados a invasões de terras. Ele defendeu medidas urgentes e eficazes e também disse que a União não consegue gerir a defesa da propriedade. Lupion criticou Itaipu dizendo que a usina atua para arrancar produtores de suas terras. “De que adianta sentarmos nas mesas de negociações com o governo federal, com o STF para buscarmos uma solução, se não há vontade do governo em resolver”.
Isso porque, além dos impasses envolvendo invasões de terras pelo MST no Paraná, outro assunto provoca preocupação no estado: as invasões de terras agricultáveis por indígenas. A mesma Itaipu anunciou a compra de 1,5 mil hectares para acomodação de famílias indígenas na região de Guaíra e Terra Roxa, na fronteira com o Paraguai onde existem 22 áreas invadidas neste momento.
Os índios reivindicam naquele entorno 32 mil hectares (320 quilômetros quadrados) para demarcação. Essas duas frentes protagonizadas por Itaipu, a de apoio a entidades ligadas ao MST e a indígenas, levaram senadores e deputados a estudarem a propositura de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para investigar violência e conflitos por terras no estado. O tema está em debate nesta semana no Congresso.
Janja e Gleisi Hoffman já trabalharam na usina de Itaipú
A presidente nacional do PT, a deputada federal Gleisi Hoffmann exerceu o cargo de diretora Financeira de Itaipu de 2003 a 2006 durante a gestão de Jorge Samek, que é um ex-vereador filiado ao PT que comandou a usina.
Outra a trabalhar em Itaipu foi a primeira-dama Rosangela da Silva, a Janja. Ela ingressou na Itaipu aos 38 anos de idade em 2005 e por mais de uma década e meia ocupou cargos como assistente do diretor-geral e coordenadora de programas voltados ao desenvolvimento sustentável. Isso ocorreu antes de Janja conhecer Lula, com quem se casou em maio de 2022.
Organização ligada ao MST é interlocutora com outras cooperativas de diferentes regiões do país
A Cooperativa Central da Reforma Agrária do Paraná (CCA-PR) ligada ao MST e que receberá quase R$ 81 milhões de Itaipu se apresenta como fomentadora da comercialização de produtos nos grandes centros e se coloca como interlocutora com outras cooperativas de diferentes regiões do país.
A parceria com a Itaipu foi chamada de “Semeando Gestão e Fortalecendo a Organização Produtiva Sustentável”. A usina designou para supervisionar as ações seu departamento que desenvolve projetos de tecnologia, ciência e empreendedorismo: o Parque Tecnológico de Itaipu (PTI). O foco é a geração de emprego e renda.
Em um ato de assinatura simbólica do convênio realizada no início deste ano na sede do Incra em Curitiba, a hidrelétrica afirmou que o objetivo era melhorar a produção, a gestão e a comercialização dos alimentos produzidos pelos associados e que beneficiaria cerca de 3,5 famílias em 31 entidades entre cooperativas e associações ligadas ao MST e a assentamentos da reforma agrária.
Os recursos destinados à entidade que atende ao MST, segundo a Itaipu, serão divididos da seguinte forma: ainda no ano passado a Itaipu repassou à entidade R$ 10.172.735,07; em 2024 serão R$ 19.002.258,15, no ano que vem o valor salta para R$ 19.391.727,82 e será o maior montante previsto para um ano no convênio. Em 2026 eles serão de R$ 18.666.993,83 e em 2027, último ano do convênio e quando pode haver novo presidente no Brasil e mudar a direção da usina, serão R$ 13.563.210,17. A parceria também envolve a participação de representantes da Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) do governo federal.
Itaipu diz que convênio cumpre normas de licitações e agricultura familiar será beneficiada
Segundo a hidrelétrica, o convênio faz parte do Programa Itaipu Mais que Energia iniciado no ano passado, às vésperas de período eleitoral, com a liberação de quase R$ 1 bilhão de forma facilitada e “com pouca burocracia” a prefeituras e instituições localizadas em 430 municípios da nova área de abrangência determinada pela binacional. São os 399 municípios do Paraná e outros 31 do Mato Grosso do Sul.
O diretor de Coordenação de Itaipu, Carlos Carboni, justificou a parceria milionária com a cooperativa ligada ao MST afirmando que a agricultura familiar precisa de atenção na questão dos insumos para a evolução da agricultura orgânica, para garantir produtividade e alimento de qualidade e a necessidade de utilização de maquinários para "tornar menos penoso o trabalho" e a produção de energia fotovoltaica ou eólica.
Na assinatura simbólica do convênio, o presidente da CCA-PR, Fábio de Paula Herdt, disse que o convênio possibilita a produção de alimentos saudáveis. “A ideia que se tem desse convênio é a proporção da agroecologia nos assentamentos da reforma agrária, com o potencial de melhoria da produção e foco na sustentabilidade", afirmou.
A proposta é que os agricultores produzam e forneçam nove mil toneladas de alimentos por ano para programas de alimentação escolar, com a ampliação de uma área de 700 hectares de produção, com certificação de conformidade orgânica.
“Além do trabalho técnico de campo, o convênio também contribuirá com o fortalecimento e profissionalização das 31 organizações da agricultura familiar beneficiadas previstas no convênio, como cooperativas, associações e agroindústrias, por meio de assessoria específica na gestão das organizações”, descreveu em nota a Itaipu Binacional.
A hidrelétrica disse ainda que também serão elaborados durante a vigência do convênio, mil projetos de acesso a crédito para os agricultores assessorados e ação estratégica para a ampliação da produção orgânica e sustentável nas propriedades acompanhadas.
Sobre a seleção da cooperativa, a hidrelétrica disse que ela foi realizada obedecendo a Norma Geral de Licitações (NGL) e que isso ocorreu “assim como qualquer processo na Itaipu Binacional, para contratações na modalidade de convênio”.
“Um fator crucial na seleção, além do atendimento de todos os requisitos legais para contratações de serviços públicos, trata-se da capacidade técnica para a execução das ações previstas, no caso de Assistência Técnica e Extensão Rural a assentamentos distribuídos em todas as regiões do estado do Paraná”, descreve.
A hidrelétrica disse que outras entidades, instituições e associações do mesmo perfil também serão contempladas com benefícios similares. Algumas já foram beneficiadas e outras estão em seleção. “[São] diversas organizações que contribuem com o alcance dos objetivos estratégicos da Itaipu Binacional”.
Sobre os valores milionários para o projeto com a Cooperativa Central de Reforma Agrária do Paraná, a hidrelétrica afirma que foram definidos em função das metas previstas no convênio. “De acordo com as atividades propostas para a melhor realização e alcance dos objetivos, como pessoal, materiais, equipamentos e insumos para as ações de Assistência Técnica e Extensão Rural”.
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