Em 18 de julho de 1994, a Argentina sofreu o maior atentado terrorista de sua história: a explosão do prédio da AMIA – uma entidade assistencial judaica de Buenos Aires –, que matou 85 pessoas e deixou 300 feridos. Na semana passada, dois dias antes do aniversário de 25 anos do ataque, o presidente argentino Mauricio Macri assinou um decreto classificando o grupo Hezbollah, apontado como autor do atentado, como terrorista.
Até hoje, o Brasil jamais incluiu o Hezbollah em uma lista de organizações terroristas, apesar de tê-lo feito com movimentos como Al-Qaeda e Talibã. Depois da decisão de Macri, há alguma chance de que o governo brasileiro siga o mesmo caminho das autoridades vizinhas?
Segundo o Itamaraty, o país "segue as determinações dos comitês de sanções do Conselho de Segurança da ONU [Organização das Nações Unidas] e, portanto, não considera o Hezbollah como grupo terrorista". O órgão diz que, "no momento, não está em discussão mudança do posicionamento do governo brasileiro sobre o tema".
A despeito da posição da ONU, que não classifica o Hezbollah como terrorista, países como Arábia Saudita, Canadá, Egito, Emirados Árabes, Estados Unidos, Israel e Japão já designam assim o grupo libanês. Por que o Brasil não faz o mesmo? Considerando as posições ideológicas do governo Bolsonaro e do atual ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, seria natural pensar que uma mudança de posicionamento estivesse em pauta. Mas, de um ponto de vista pragmático, a questão é mais complexa.
O próprio caso da Argentina, que demorou 25 anos para classificar o grupo como terrorista – mesmo diante das fortes evidências apontando o Hezbollah como autor do atentado –, mostra a dificuldade diplomática de se tomar uma decisão como essa. O Hezbollah é uma força política no Líbano, com vários assentos no parlamento libanês e com grande apoio popular.
Como afirma o jornal argentino Clarín, diplomatas do país vizinho se mostravam preocupados com a possibilidade de prejudicar as boas relações argentinas com o Líbano, já que há ministros libaneses ligados ao braço político do Hezbollah. Além disso, até a decisão da semana passada, a Argentina preferia não contrariar as classificações da ONU sobre grupos terroristas. Pressões de Estados Unidos – país com que Macri tem mantido boas relações diplomáticas – e Israel podem ter sido determinantes para a mudança de posição.
Relações políticas Brasil-Líbano têm peso decisivo
No caso do Brasil, as relações políticas com o Líbano pesariam ainda mais numa decisão como essa. Desde 2011, quando a fragata União (F-45) desembarcou em Beirute, a Marinha do Brasil comanda a força-tarefa marítima da Unifil (Força Interina das Nações Unidas no Líbano), uma missão da ONU criada em 1978 para preservar a paz na região, onde já houve conflito com Israel.
Como explica o site do Ministério da Defesa, "a Marinha do Brasil mantém um navio e uma aeronave orgânica na costa libanesa com o objetivo de impedir a entrada de armas ilegais e contrabandos naquele país, além de contribuir para o treinamento da Marinha libanesa, de modo que a mesma possa conduzir suas atribuições de forma autônoma". Hoje, há mais de 200 militares brasileiros no Líbano.
Se o governo brasileiro classificasse o Hezbollah como terrorista, colocaria em grave risco a participação do Brasil na Unifil e poderia abrir uma crise diplomática séria. Em primeiro lugar, porque estaria agindo a despeito das próprias determinações da ONU, que colocou o Brasil no comando da missão. Além disso, considerando a força política do Hezbollah na região, a presença de militares brasileiros no Líbano dificilmente poderia se sustentar.
A possibilidade de o Brasil classificar como terrorista o Hezbollah já tinha sido levantada no final do ano passado, após a eleição de Jair Bolsonaro. Em novembro de 2018, ao ser questionado sobre a chance de o Brasil seguir os passos dos EUA nas classificações sobre terrorismo, o conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, John Bolton, disse que, com a eleição de Bolsonaro, uma das prioridades do presidente Trump seria "estender a cooperação contra o terrorismo, seja quanto a Hezbollah, Hamas ou outros".
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