A capacidade diplomática do ministro das Relações Exteriores, Carlos Alberto França, foi colocada à prova já em seu primeiro "teste de fogo" à frente do Itamaraty. Depois de o presidente Jair Bolsonaro ter insinuado que a pandemia da Covid-19 seria parte de uma "guerra biológica" orquestrada pela China, o chanceler atua para evitar um mal-estar maior e possíveis retaliações do governo de Pequim.
Antes da crise provocada por Bolsonaro, Carlos França vinha se esforçando para obter insumos e ampliar a compra de vacinas contra o coronavírus no exterior. A declaração de Bolsonaro apenas intensificou os trabalhos, obrigando o chanceler a atuar nos bastidores diplomáticos para contornar a crise.
A Gazeta do Povo ouviu de interlocutores de França e altos funcionários do ministério que o Itamaraty, sob o comando dele, mantêm encontros e diálogos com a embaixada da China. O resultado disso, segundo afirma o chanceler, vai garantir o envio dos ingredientes farmacêuticos ativos (IFAs) — a matéria-prima usada na produção das vacinas contra a Covid-19 — e evitar possíveis sanções de Pequim.
Como se dá o diálogo com a China e quais são os resultados disso
Por ser o principal parceiro comercial do Brasil, a diplomacia brasileira sempre manteve um bom diálogo com o governo chinês. Como regra "universal", chanceleres não conversam a todo momento com os embaixadores estrangeiros. A maioria dos contatos é feita entre os secretários do Itamaraty e os responsáveis das embaixadas.
No caso do relacionamento com a China, a Gazeta do Povo ouviu de interlocutores do governo que o contato entre França e o embaixador chinês, Yang Wanming, é mais próximo do que o habitual. "Dadas as circunstâncias, é até natural que haja um contato mais próximo ", diz um interlocutor do Palácio do Planalto, em referência ao atual momento, de crise econômica e sanitária.
O trabalho de Carlos França à frente do Itamaraty tem rendido elogios. Muitos se dizem confiantes e otimistas que o chanceler consiga reverter o desconforto gerado com a China. França conduz conversas com autoridades e representantes de outros países e, internamente, a avaliação é de que o trabalho tem tido resultados concretos.
No Itamaraty, usam como exemplo a própria declaração do chanceler, que informou, no último dia 6, em audiência na Comissão de Relações Exteriores do Senado, que o Brasil continuará sendo priorizado pela China.
"O diplomata Estivallet [embaixador brasileiro em Pequim] me deu excelentes notícias: 80% dos insumos farmacêuticos (IFAs) fabricados pela China são enviados ao Brasil. Em contato que teve com autoridades chinesas hoje [dia 6], Estivallet me comunicou que eles continuarão priorizando nosso país", disse França. "Não há nenhum problema político que permeie ou atrapalhe a nossa produção de vacinas aqui.”
Outro fruto do trabalho de França celebrado é a reunião que teve com o embaixador chinês na sexta-feira (7). O chanceler se reuniu, por videoconferência, com Yang Wanming, acompanhado dos ministros da Saúde, Marcelo Queiroga, e da Economia, Paulo Guedes.
Diplomacia do novo ministro tem o aval de Bolsonaro
As conversas entre o Itamaraty e a embaixada chinesa, com França e Wanming ou entre os diplomatas de ambos os países, transcorre com aval e conhecimento de Bolsonaro. "Ele [chanceler] faz isso não porque, sozinho, achou que deveria fazer. Mas, conversando com quem decide, o presidente, é o caminho que se entendeu que deveria ser trilhado", explica um assessor palaciano.
Como chefiou o cerimonial da Presidência da República antes de assumir o Ministério das Relações Exteriores, França tinha muitos contatos. E, na antiga função, já havia estado com o embaixador chinês em outras circunstâncias. O contato com Wanming se manteve e, ainda na semana de posse, conversou com o representante de Pequim em Brasília.
Assessores do Itamaraty reconhecem que esse relacionamento tem facilitado o trabalho, mas lembram que não é recente. O chanceler brasileiro, por exemplo, esteve com Bolsonaro na China, em 2019, na condição de chefe do cerimonial.
Quais os impactos da fala de Bolsonaro sobre a China para o Itamaraty
Fazer o trabalho de diplomacia com o mesmo país que o presidente da República provoca mal-estar gera, evidentemente, um desafio maior para a chancelaria. É o que França vem enfrentando desde a fala de Bolsonaro, embora, muito recentemente, ele também tenha atuado para atenuar um desconforto causado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.
O chefe da equipe econômica declarou, em reunião fechada, que a China "inventou" o coronavírus e questionou a eficiência de suas vacinas. A fala de Bolsonaro, contudo, repercutiu pior. O presidente do Instituto Butantan, Dimas Covas, disse na semana passada que a declaração impactaria na chegada de de insumos para a produção da Coronavac importados da China.
De toda a forma, embora interlocutores do governo reconheçam que as declarações do presidente tornem a missão de França mais difícil, entendem que ela é exequível. "As duas posturas, ações e falas, às vezes, podem parecer que uma destrói a outra, mas eles operam em universos distintos", sustenta um assessor do Itamaraty. "O que o Itamaraty faz é botar a bola no chão e seguir uma trilha mais tradicional de diplomacia", diz um assessor do Planalto.
No governo, a avaliação feita acerca da declaração de Bolsonaro sobre a China é de que ela tem as eleições de 2022 e a CPI da Covid como pano de fundo, como informou a Gazeta do Povo. "É uma estratégia do núcleo duro bolsonarista, diria que até uma tática de campanha eleitoral", diz um interlocutor.
Articulação de França com o Congresso agrada, mas não convence todos
Não é só no diálogo com a embaixada chinesa que França mostra habilidade na diplomacia. O chanceler também tem apostado na relação com o Congresso. Como a Gazeta do Povo informou anteriormente, o ministro tem boa circulação política e usa desse relacionamento para apaziguar os ânimos entre parlamentares e Bolsonaro.
Desde que assumiu o ministério, em abril, além de aceitar convites nas Comissões de Relações Exteriores da Câmara e do Senado, recebeu em seu gabinete ou conversou por videoconferência com 10 parlamentares, além do governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC). Também recebeu parlamentares para um almoço em 27 de abril.
Apesar do trabalho ser bem reconhecido por congressistas, há quem não se sinta convencido de que o ministro pode mudar o relacionamento do governo brasileiro com a China.
O deputado federal Fausto Pinato (PP-SP), presidente da Frente Parlamentar Brasil-China, é um dos mais vocais e críticos nesse aspecto. "O bom senso do ministro França não vai conseguir brecar o plano de uma ruptura institucional", critica Pinato à Gazeta do Povo, ao justificar seus temores de que Bolsonaro tente um golpe institucional. Por isso, para ele, pouco adiantará o trabalho feito pelo chanceler. "Aqueles de bom senso do governo não serão ouvidos [pelo presidente]", critica.
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