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política externa de Bolsonaro
O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo| Foto: Marcelo Camargo/Agencia Brasil

Mais de duas toneladas de materiais de combate ao coronavírus foram doadas pelo embaixador chinês Yang Wanming ao Brasil, na última quinta-feira (2). A cerimônia online contou com a presença de parlamentares e assessores do governo. A ausência do chanceler Ernesto Araújo, porém, provocou incômodo, especialmente por se tratar de um parceiro comercial importante para o Brasil.

Essa postura do chanceler tem desagradado a políticos aliados e a integrantes do próprio governo, que buscam convencer Jair Bolsonaro a desmontar um dos últimos bunkers ideológicos da sua gestão como saída para melhorar a imagem ruim que o mundo tem hoje do seu governo.

O presidente da Frente Parlamentar Brasil-China, deputado Fausto Pinato (PP-SP), não perdoou a falta de Araújo no encontro organizado há dois meses. O chanceler foi representado pelo diretor da Agência Brasileira de Cooperação, embaixador Ruy Pereira. “Apareceram três diplomatas. Um representando o Itamaraty; outro, o Ministério da Saúde e um terceiro, a Vice-Presidência. O senhor Ernesto Araújo não foi”, contou Pinato, que participou da videoconferência.

“Esse cara vai quebrar o país. A Europa e até Israel já o criticaram. Estamos sendo mal vistos na questão do meio ambiente e ele não tenta ajudar. Tem que buscar investimentos fora, botar esses embaixadores para trabalhar, mas ele só fica preso na parte ideológica.”

Em março, o chanceler já havia se envolvido em uma polêmica diplomática com o próprio Wanming, ao exigir retratação do embaixador, que publicou texto rebatendo declarações do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). O imbróglio ocorreu porque o filho do presidente acusou a China de ter omitido informações sobre a covid-19. Wanming reagiu dizendo que Eduardo tinha contraído “vírus mental” ao voltar de Miami (EUA).

A falta de interlocução do Itamaraty com o parceiro chinês também ocorre com outro país asiático. Desde que recebeu as credenciais do presidente Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto, em 6 de abril, o embaixador do Irã no Brasil, Hossein Gharibi, já teve videoconferências com a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, e o vice-presidente, Hamilton Mourão. Ainda não pediu encontro com Ernesto Araújo, devido à sintonia do chanceler com o olavismo-trumpismo.

Não faltou oportunidade. No dia 7 de junho, por exemplo, Gharibi organizou uma festa para comemorar 60 anos de abertura da embaixada, a primeira representação estrangeira a se instalar em Brasília. O evento foi prestigiado apenas por políticos locais.

Nos bastidores, Mourão e Tereza Cristina são vistos como chanceleres paralelos. Tanto é assim que a ministra da Agricultura procurou o embaixador chinês na última quarta-feira (1º), assumindo uma interlocução direta para resolver o problema de frigoríficos que tiveram a venda suspensa para a China.

A pressão para a substituição do chanceler não é de hoje, mas se intensificou com a demissão de Abraham Weintraub do Ministério da Educação. A avaliação de parlamentares e da ala mais moderada do governo, que vê seu trabalho prejudicado pelas ações do Itamaraty, é que seria o momento oportuno para Bolsonaro se livrar dos representantes do olavismo.

Chanceler deixa pronta prestação de contas de sua gestão

Ciente da ameaça ao seu cargo, o chanceler solicitou a todas as chefias do Itamaraty, em caráter de urgência, a prestação de contas de sua gestão.

O embaixador Paulo Roberto de Almeida publicou em um site na internet que a urgência em preparar o relatório mostra a preocupação do ministro em não ser defenestrado. Almeida afirmou que, entre as “realizações” do chanceler, está a promoção de uma “revolução hierárquica e gerencial” no Itamaraty, que afastou dos postos de chefia experientes embaixadores, colocados sob as ordens de ministros de segunda classe. Procurado pela reportagem o Itamaraty não se pronunciou.

Por enquanto, Bolsonaro ainda resiste em trocar o auxiliar. A empresa AP Exata, que analisa as redes sociais, identificou que parte dos eleitores do presidente o acusa de abandonar a pauta ideológica. Os que o escolheram apenas por rejeitar o PT, porém, acham que Ernesto prejudica as exportações do país e deve ser substituído.

Palestras de blogueiros investigados pelo STF

O ministro tem aberto as portas do Itamaraty para blogueiros que hoje são investigados no Supremo Tribunal Federal (STF) no inquérito das fake news. Allan dos Santos e Bernardo Küster, além de outros 16 ícones do olavismo, passaram a ocupar as mesas de debate da Fundação Alexandre de Gusmão (Funag), vinculada ao Itamaraty. Antes, o espaço só recebia diplomatas, acadêmicos e observadores com larga experiência em relações internacionais. Nas palestras, os blogueiros apresentam visões positivas sobre o conservadorismo, o nacionalismo e os Estados Unidos.

Um dos investigados pelo STF, o youtuber Bernardo Küster chegou a prever em sua palestra que, em breve, os brasileiros passariam a comer morcegos, cachorros, pombos, gatos e até ratazanas, segundo ele, por falta do que comer, uma consequência do “comunismo”.

Nos bastidores do Itamaraty, diplomatas demonstram constrangimento com o nível das discussões, consideradas “medíocres”. A palestra de Allan dos Santos fez corar funcionários experientes. Santos chamou a atenção para uma “contradição” entre medidas de combate à pandemia do novo coronavírus e a política de imigração. E comparou o grupo de blogueiros bolsonaristas aos jornais alternativos de resistência ao regime militar.

Os blogueiros não receberam cachê da Funag. Os eventos fazem parte de um ciclo de seminários e conferências intitulado “A conjuntura internacional no pós-coronavírus”. Na prática, quase não há debate, mas, sim, concordância entre os participantes, sem pluralidade. Um seminário sobre “globalismo”, com participação do chanceler, será transformado em livro, editado também em inglês.

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