Dias depois de comparecer à Feira Nacional da Reforma Agrária, promovida pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) almoçou na terça-feira (16) com integrantes da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). A tentativa de aceno ao setor ocorreu depois que deputados e senadores endossaram críticas contra o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) devido ao alinhamento com o MST.
Durante o encontro com os deputados e senadores, Alckmin disse ser contra as invasões de terra por ter "total respeito à propriedade privada". O vice-presidente também defendeu diálogo entre o governo federal e a bancada do agronegócio.
"Em caso de invasão, não tem que ter nem decisão judicial, tem que ter a reintegração de posse imediata. Eu sou do diálogo, vamos conversar, vamos procurar resolver. É preciso construir pontes ", afirmou Alckmin.
Apesar do aceno do vice-presidente, parlamentares e representantes de entidades ligadas ao agronegócio ainda seguem cercados de dúvidas sobre o posicionamento do governo federal em relação ao setor. No último final de semana, por exemplo, Alckmin e diversos ministros da gestão Lula aproveitaram para defender o trabalho do MST, que com a volta do petista ao Palácio do Planalto acentuou as invasões de terras em diversos estados do país.
Para o presidente da FPA, deputado Pedro Lupion (PP-PR), a aproximação que o governo tem com movimentos sociais como o MST "afasta" o agronegócio e gera um "ponto de preocupação grave" na bancada. "O vice-presidente disse que não aceita invasões de terra, assim como disse o ministro [Carlos] Fávaro, assim como disseram outros integrantes do governo, o que a gente precisa fazer é deixar claro isso", disse.
Na avaliação de integrantes da FPA que estiveram no encontro com Alckmin, é preciso que alas do governo petista abandonem as pautas ideológicas para dialogar com todos os setores, inclusive com o agronegócio. Para esse grupo, não adianta o vice-presidente e o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, darem uma sinalização e outros integrantes do PT irem na contramão do diálogo.
Ataques de Lula ao agro afastam aliados do governo
Além das desconfianças em relação aos acenos de integrantes do governo petista, as falas recentes de Lula contra o agronegócio foram vistas como mais um ponto afastamento do setor com o Executivo. Na última semana, durante um evento na Bahia, o presidente chamou os organizadores da Agrishow, a maior feira de tecnologia agrícola do país de “fascistas”.
“Tem a famosa feira da agricultura em Ribeirão Preto que alguns fascistas, alguns negacionistas não quiseram que ele [Carlos Fávaro, ministro da Agricultura] fosse na feira, desconvidaram o meu ministro”, disse Lula.
Tradicionalmente, a Agrishow conta com a participação de ministros da Agricultura. No início do mês, os organizadores do evento, realizado em Ribeirão Preto (SP), ligaram para Fávaro e sugeriram que ele fosse à feira em outro dia, já que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) estaria na abertura. A iniciativa gerou desconforto. O ministro disse que se sentiu “desconvidado” e que, por isso, não iria nem na abertura nem em outro dia do evento.
De acordo com Lupion, os ataques de Lula ao agronegócio impedem os demais integrantes do governo de estabelecerem qualquer ponte para o diálogo com o setor. Para ele, os posicionamentos do presidente se refletem na base inexistente do governo no Congresso Nacional.
"Ninguém gosta de se aproximar de quem te xinga. É óbvio que isso atrapalha e atrapalha muito. Ultimamente, cada vez que o presidente Lula abre a boca e tem afastado mais os aliados e é por isso que a base do governo no Congresso não existe", defendeu o presidente da FPA.
Ainda de acordo com Lupion, a relação do governo federal com o setor seguirá cercada de dúvidas diante do espaço dedicado aos membros do MST no Executivo. "Fica ainda a dúvida em relação aos membros desses movimentos que invadem propriedades e que estão presentes em cargos do governo e nomeando gente do governo, quando há um posicionamento de outros integrantes de criticar as invasões de terras. Cada um controla os seus aliados", completou.
Como a Gazeta do Povo mostrou, desde que tomou posse, Lula ampliou os espaços para membros do MST em cargos do governo federal. Entre eles, o movimento emplacou o nome de Milton José Fornazieri para a Secretaria de Abastecimento, Cooperativismo e Soberania Alimentar do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA). Com isso, Fornazieri vai coordenar ações dentro da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que conta com um orçamento de R$ 1,5 bilhão previsto para 2023.
Ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, segue isolado dentro do governo Lula
Além de Geraldo Alckmin, Lula tem escalado o seu ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, para tentar contornar a crise com o agro. Apesar disso, Fávaro é visto como um nome isolado dentro do governo diante da pressão de alas do PT ligadas ao MST.
Um dos principais embates da gestão petista com Fávaro diz respeito ao controle da Conab. O órgão, que em gestões anteriores ficava sob o guarda-chuva do Ministério da Agricultura, foi transferido para o Ministério do Desenvolvimento Agrário, controlado pelo petista Paulo Teixeira.
No começo deste mês, durante um encontro com a FPA, Fávaro pediu apoio da bancada do agro para recuperar a gestão da Conab. O assunto deverá ser resolvido pelo Parlamento durante a votação da Medida Provisória 1.154/2023, que reestruturou a Esplanada dos Ministérios. A expectativa é de que a matéria seja analisada ainda nesta semana durante sessão do Congresso Nacional.
Apesar disso, Teixeira e integrantes do PT já se mobilizam contra a possibilidade de a Conab retornar ao Ministério da Agricultura. “A Conab trabalha com o agricultor familiar. Qual o programa mais forte da Conab hoje? O PAA (Programa de Aquisição de Alimentos), que deve ser feito junto ao pequeno agricultor. Isso não é vocação do Ministério da Agricultura, sua grande vocação é a cultura de escala. Portanto, a Conab deve ficar no MDA”, defendeu Teixeira.
Na mesma linha, o deputado federal Nilto Tatto (PT-SP), que é ambientalista, afirmou que a permanência da Conab no MDA é fundamental para "combater ideologias de defensores do agro".
Lula tenta evitar nova derrota no Congresso Nacional
Para tentar evitar uma derrota durante a votação do Congresso, articuladores do Palácio do Planalto querem construir um meio termo. A expectativa é de que Lula mantenha a Conab no Desenvolvimento Agrário, mas transfira algumas atribuições da estatal para a Agricultura.
Entre essas atribuições estaria o Programa de Garantia de Preços Mínimos (PGPM), considerado peça fundamental da política agrícola, para diminuir oscilações na renda dos produtores rurais e assegurar uma remuneração mínima.
O PGPM é visto como um balizador da oferta de alimentos, incentivando ou desestimulando a produção. Assim, voltaria para a alçada do Ministério da Agricultura. Ainda não está claro, no entanto, se essa alteração satisfaria a bancada do agronegócio.
"A Conab, que é o órgão pensador do agro brasileiro, que faz os planejamentos, que vê o tamanho da safra, quanto vamos precisar de seguro, tem de estar próxima do ministro da Agricultura e da equipe do ministério. Não há lógica nessa divisão”, disse o deputado Pedro Lupion, da FPA.
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