Ouça este conteúdo
O ministro da Justiça, Flávio Dino, deverá percorrer um campo minado no Senado para chegar ao Supremo Tribunal Federal (STF), caso o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) confirme o favoritismo e indique seu nome para ocupar a vaga deixada pela saída da ministra Rosa Weber no mês passado.
A personalidade de Flávio Dino, as suas ações de cunho midiático e o seu protagonismo em polêmicas causam desconforto em titulares da Esplanada e líderes partidários da aliança pró-Planalto. A suspeita de omissão nos atos de vandalismo do 8 de janeiro foi agravada pelo obstáculo às investigações erguido por sua própria pasta, que sonegou a entrega de imagens captadas no dia, e pelos seus aliados na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dedicada ao tema. Mas o principal fator a jogar contra sua indicação ao STF está no comando do Senado, cuja resistência opera de forma discreta, em paralelo às barulhentas de direita da Câmara.
Em combinações com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o presidente da poderosa Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), planta dificuldades para o caminho de Dino até o STF, sob o aplauso dos senadores de oposição e até de alguns da base do governo.
Caso o ministro seja indicado por Lula, ele terá de ser sabatinado e aprovado pela CCJ, antes de o seu nome ser levado ao crivo do conjunto dos 81 senadores em plenário. A primeira dificuldade está no agendamento desses procedimentos no colegiado, que poderão ficar para 2024.
Em 2021, Alcolumbre retardou a sabatina na CCJ do então também ministro da Justiça, André Mendonça, por 141 dias enquanto travava queda de braço com o governo para forçar a troca do nome do indicado do presidente Jair Bolsonaro (PL) pelo do atual procurador-geral da República, Augusto Aras. Servidores que assessoram partidos e senadores de oposição informaram à Gazeta do Povo que o senador amapaense já avisou sobre a sua intenção de fazer o desgastante período de espera reservado a Dino superar o atual recorde de quase cinco meses impostos a Mendonça.
Alcolumbre é o candidato oficial à sucessão de Pacheco em fevereiro de 2025 e tem investido na construção de um acordo com os em torno de 30 senadores situados na oposição e de perfil majoritariamente conservador. Para ampliar o seu leque de apoios, ele e o presidente do Senado têm feito acenos à direita e aos descontentes com o ativismo judicial para mobilizar o conjunto da Casa e formar uma coalizão interna maior. Prova disso são as pautas contra a derrubada do marco temporal pelo Supremo Tribunal Federal (STF), além de outras iniciativas polêmicas da Corte.
A mudança repentina de humor de Pacheco e Alcolumbre em relação ao governo contrasta com a colaboração dos dois na transição entre a gestão anterior e a atual e em favor das agendas de Lula. Ela começou com a queixa de ambos quanto a um reconhecimento insuficiente sobre essa mesma colaboração por parte do chefe do Executivo. Apesar de ter emplacado dois ministros no início do governo – Juscelino Filho (União Brasil-MA) das Comunicações e Waldez Góes (PDT-MA) do Desenvolvimento Regional – Alcolumbre quer mais.
Os estratégicos movimentos de Alcolumbre são bem conhecidos desde o governo Bolsonaro. Sua abordagem de criar obstáculos para, em seguida, oferecer soluções vantajosas já lhe conferiu, assim como ao seu grupo político, uma considerável parcela do Orçamento federal. Essa influência tem um impacto real ainda maior em seu estado, que é uma das menores unidades da Federação.
A ocupação de cargos importantes dentro da estrutura federal por seus indicados, aliada à gestão de recursos provenientes de ministérios e de emendas parlamentares de livre destinação, são todas estratégias empregadas para consolidar o seu poder de influência na República. Portanto, o senador continuará a adotar agendas que não se baseiam em convicções partidárias, mas sim na busca de firmar acordos convenientes, que garantam para ele, no mínimo, o mesmo nível de relevância.
Eleições de 2024 e 2026 também minam caminho de Dino ao STF
Mas há outras razões significativas para a dupla criar dificuldades para Dino no STF. Ambos sabem do desgaste eleitoral gerado pela impressão de que barraram punições contra abusos de ministros da Corte e fazem o cálculo político que cobra reposicionamentos.
O presidente da CCJ quer o apoio do PL e do ex-presidente Bolsonaro na campanha de seu irmão Josiel à Prefeitura de Macapá (AP), em 2024, além dos votos de senadores para a sua própria corrida à Presidência do Senado. O apoio do ex-presidente tem peso no estado e na capital, onde ele derrotou Fernando Haddad e Lula nas eleições presidenciais de 2018 e 2022.
Pacheco, por sua vez, avalia suas condições para o pleito de 2026, quando poderá se candidatar à reeleição. Ele chegou a postular a vaga de Rosa Weber no STF, com apoio dos ministros do tribunal Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes. Lula, contudo, desconsiderou a hipótese, favorecendo Dino, que também passou a ser apoiado por Moraes e Mendes. Restou ao presidente do Senado e ao seu maior aliado na Casa, Alcolumbre, apontarem o nome do presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, como opção para o STF, o que também não vingou. Os dois agora pressionam Lula para serem ouvidos ao menos sobre a indicação do próximo procurador-geral da República. Para analistas políticos, o suspense vai continuar e poderá até se desdobrar.
Fogo amigo também ajuda a ampliar o isolamento de Dino
O senador licenciado do Maranhão é alvo de críticas que partem não só da oposição, mas também do próprio governo. E o maior reforço para elas o momento vem da crise na segurança pública no país, que assola vários estados, sobretudo a Bahia e o Rio de Janeiro.
A Bahia é governada pelo PT desde 2007 e a crise no estado coloca em xeque o modelo de gestão da legenda. Os índices de violência no estado estão subindo em meio a uma disputa territorial travada entre facções criminosas. “A situação não é nova, mas a escalada da violência representa mais do que um incômodo, mas sim um verdadeiro drama para a sociedade. Dino, cotado para assumir uma cadeira no STF, talvez tenha agido tardiamente. Resta saber se as medidas que anunciou recentemente surtirão efeito”, observou o cientista político André Pereira César, da Hold Assessoria Legislativa.
No campo da esquerda e da base aliada do governo, a possível nomeação de Dino por Lula tem fomentado as pressões por indicações de nomes para sucedê-lo no Ministério da Justiça e em favor do desmembramento da pasta, com a recriação de uma dedicada apenas à segurança pública.
Essa discussão é enfrentada abertamente pelo próprio ministro, que a considera uma forma de questionar a sua atuação no combate ao crime organizado no país e de enfraquecê-lo politicamente. Enquanto tenta dar respostas insuficientes para essa crescente demanda e ainda atribuir a crise à política pública do governo anterior para o porte de armas, Dino se isola e ainda dá espaço para críticas do seu próprio entorno.
Um episódio que prova o isolamento que Dino estimula para si próprio surgiu na segunda-feira (2), durante uma entrevista para a CNN, quando ele rebateu a declaração de Benedito Mariano, especialista em segurança pública e um dos fundadores do PT, que sugeriu ao ministério dele que promovesse o chamado “policiamento de proximidade”. “Mas como? Nosso senhor Jesus Cristo. É impossível a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal realizarem esse tipo de procedimento”, reagiu indignado.
Mariano, que integrou o grupo de transição do governo, criticou a atuação do secretário-executivo de Dino, Ricardo Capelli, sobre a situação caótica na segurança pública da Bahia, com aumento do número de mortos em ações policiais, e lembrou ainda que o governo “não colocou em prática o plano para segurança aprovado pela população”. Secretário de Segurança de Diadema (SP), o especialista cobrou a volta do Ministério de Segurança Pública para “dar centralidade para a questão”. “Não se combate crime com rosas”, provocou.
Em fase de crescente isolamento após insistente e inócua exposição, Dino, que é o recordista absoluto de convocações do Congresso este ano para dar explicações, também começa a evitar a fila de críticas de parlamentares, sobretudo de direita. Ele negou-se a ir à última convocação da Câmara, alegando outros compromissos, e agora pede para falar em plenário. Em viagem, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ainda não respondeu ao pedido do ministro.
O deputado Sanderson (PL-RS), presidente da Comissão de Segurança Pública da Câmara, classificou o ministro de “despreparado” e a gestão dele frente à pasta de “desastrosa”. A opinião é compartilhada por dezenas de outros parlamentares, que fazem questão de apontar falhas na escolha dos membros de sua equipe, da ausência de estratégia para conter os grupos violentos e, sobretudo, da empáfia, sem qualquer autocrítica.
Eles também apontam desmotivação das polícias Federal e Rodoviária Federal, após declarações de Dino, ora impedindo atuação de agentes, ora os ameaçando. Sanderson disse que os membros de seu colegiado “não estão brincando”.