O presidente Jair Bolsonaro anunciou nesta quarta-feira (7) a indicação do ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira, para o Tribunal de Contas da União (TCU). Oliveira será sabatinado pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado e, se aprovado, ocupará a vaga do atual presidente do TCU, José Múcio Monteiro, que formalizou na última terça-feira (6) seu pedido de aposentadoria. O secretário especial de Assuntos Estratégicos, Flávio Rocha, deve assumir a pasta de Jorge Oliveira quando este deixar o governo.
A escolha de Oliveira para o TCU é quase tão estratégica quanto a do desembargador Kassio Nunes Marques, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), para o Supremo Tribunal Federal (STF). Ambas contemplam a estratégia do governo de expandir a influência em outras esferas de poder em Brasília. Por esse motivo, internamente, auxiliares de Bolsonaro descartam qualquer ideia de desprestígio em indicá-lo para o posto — Oliveira chegou a estar cotado para a vaga aberta por Celso de Mello no STF.
“Com o Jorge, o presidente coloca um grande aliado no TCU. Mais importante do que essa vaga, só a do STF, evidentemente. Mas é tão importante quanto um ministro do STJ [Superior Tribunal de Justiça], se não mais. Só checar o número de ações do governo que passam por lá [TCU]. São milhares”, diz uma fonte palaciana.
A argumentação é pertinente. Levantamento feito pela Gazeta do Povo mostra que, em 2019, a Presidência e a Vice-Presidência da República — incluindo a Secretaria de Governo, Casa Civil, Secretaria-Geral e o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) — foram alvo de 48 processos no TCU. De janeiro a outubro deste ano, 57.
Os números aumentam exponencialmente quando os órgãos fiscalizados são os ministérios. No ano passado, foram 5.346 processos analisados. Em 2020, até agora, um total de 4.590. As ações vão desde monitoramento, acompanhamento e representação até denúncias e, evidentemente, as contas do governo Bolsonaro.
É evidente que, se aprovado pelos senadores, Jorge Oliveira não analisará todos os processos de interesse do governo. Tampouco significa que oferecerá pareceres favoráveis ao governo ou trabalhará para arquivar os mais polêmicos. Mas, dado o relacionamento entre ele e Bolsonaro, amigos de longa data, e a ligação com o governo, da qual ainda é ministro, é esperado dentro do próprio Planalto que Oliveira seja complacente com pautas de interesse econômico do Executivo e compreensivo com outras mais ligadas ao Planalto.
Estrutura técnica ajuda a blindar TCU
A ideia de influência política no TCU ou mesmo de que um ministro tenha poderes para atuar em favor do governo federal é rebatida pelo advogado Elísio Freitas, sócio do escritório Elísio Freitas Advocacia & Consultoria. Especialista em Direito Administrativo, em especial na área de controle externo, onde atuou como auditor do TCU por sete anos, ele discorda da ideia de interferência política. “Não faz muito sentido. É muito difícil imaginar que o simples fato de proximidade entre ele e o presidente fará com que movimente toda a Corte para votar a favor do governo”, justifica.
Toda a estrutura da Corte leva Freitas a crer que o TCU está blindado de influências políticas. “Ele apreciaria os processos que forem distribuídos para si em um colegiado formado por nove ministros, mais outros quatro substitutos, e que tem um corpo técnico formado por milhares de servidores que produzem as análises técnicas”, pondera.
Para Freitas, o perfil técnico de Oliveira ajuda a corroborar a leitura. O artigo 73 da Constituição exige “idoneidade moral e reputação ilibada”, além de “notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de administração” e 10 anos de exercício que exija esses conhecimentos.
O currículo de Oliveira, major da reserva da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), leva Freitas a crer que ele tenha o perfil em acordo com a Constituição. “Parece que preenche todos os requisitos por ter essa experiência em Administração, e uma formação jurídica sólida pelas informações que tenho até de amigos que são próximos. Parece uma boa escolha do presidente, considerando ser uma vaga de livre escolha”, opina.
Blindagem técnica não isenta eventuais decisões políticas dos ministros
A estrutura técnica do TCU pode ajudar a limitar a influência política sobre a Corte, mas não a elimina completamente. O cientista político Enrico Ribeiro, coordenador legislativo da Queiroz Assessoria em Relações Institucionais e Governamentais, reconhece que o quadro técnico é bem blindado e capacitado, mas avalia que isso não exime os ministros de suspeitas.
“O quadro técnico da Corte não isenta os magistrados. Vale lembrar o que está acontecendo com o [ministro do TCU] Aroldo Cedraz e seu filho. Se pegar os próprios tribunais de contas dos estados, não dá para falar que os ministros cheguem lá somente pelo seu conhecimento administrativo e contábil”, pondera.
A rejeição das contas da ex-presidente Dilma Rousseff e o processo que indicou as pedaladas fiscais também são levantadas por Ribeiro como indícios de ingerência política sobre o TCU. “A Dilma fez o que outros antecessores também fizeram e nunca foram condenados por improbidade. De repente, quando todas as forças políticas se engajaram no impeachment, mudaram a jurisprudência e a condenaram”, sustenta.
Para ele, dada a influência de Oliveira na Esplanada, ele poderia ter poder de persuasão entre seus pares. “Ele tem bom trânsito entre os demais ministros do TCU, no STF e junto a forças políticas no Congresso. É claro que um cara desses terá condições de influência. Não sei se mudaria um julgamento, mas não tenho dúvidas que poderia inspirar alguma ponderação”, diz o especialista.
TCU lida com processos incômodos ao presidente da República
A natureza do TCU possibilita um alcance muito amplo de suas funções. Sob pretexto de zelar pelos gastos públicos, a Corte pode fiscalizar uma série de situações, por vezes polêmicas, que afetam diretamente o chefe do Executivo. Foi aberta, por exemplo, investigação para apurar medidas adotadas pelo governo federal às tratativas de suposta autorização do uso do território nacional por forças norte-americanas a fim de invadir a Venezuela.
Outra matéria polêmica apura supostas irregularidades decorrentes da atuação de Tércio Arnaud Tomaz no cargo de assessor especial da Presidência da República. Suspeito de liderar o “gabinete do ódio”, ele está sob a mira com base em acusações de “efetiva ilegalidade nas atividades durante horário de trabalho”. Também se apura em âmbito do TCU uma possível utilização indevida de recursos públicos na “convocação, divulgação e organização” de “manifestações antidemocráticas”, como as ocorridas em 19 de abril, em Brasília.
Todos os citados processos estão sob a relatoria do ministro Vital do Rêgo. Com Oliveira no TCU, é incerto saber se seria distribuído a ele processos referentes à Presidência da República. A distribuição de processos ou documentos aos relatores obedece sorteios de acordo com as chamadas listas de unidade jurisdicional (LUJs) às quais estão inseridos e que mudam a cada biênio.
Senado marca data para sabatina de Jorge Oliveira
A sabatina de Oliveira na CAE do Senado está prevista para ocorrer no dia 20 de outubro, um dia antes da sabatina de Kassio Nunes Marques. O colegiado conta com 27 senadores, dos quais boa parte é aliada do governo. O indicado de Bolsonaro precisará obter a chancela da maioria do colegiado. Se aprovado, seu nome será votado no plenário da Casa, onde precisará obter nova maioria da Casa, ou seja, 41 votos.
Uma vez aprovado no Senado, Oliveira será empossado ministro do TCU em 2021. Isso porque, apesar de ter oficializado sua aposentadoria, o ministro José Múcio Monteiro permanecerá à frente do cargo até 31 de dezembro. Para Enrico Ribeiro, da Queiroz Assessoria em Relações Institucionais e Governamentais, o ministro da Secretaria-Geral tem tudo para conseguir uma aprovação fácil no Senado.
“Os líderes do governo têm uma capacidade de articulação excelente, tanto o Eduardo Gomes [líder no Congresso] quanto o Fernando Bezerra [líder no Senado]. E o Jorge também tem boa relação com o próprio [Davi] Alcolumbre [presidente do Senado]. Não acredito que sofrerá qualquer dificuldade. Vão ter votos da oposição, mas não vai ter essa força toda para barrar”, pondera.
Um dos motivos é que o ministro da Secretaria-Geral entra na cota de indicação de livre nomeação do presidente da República.
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