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Fim do ostracismo

José Dirceu disputa liderança com Gleisi para “salvar” o PT nas urnas

José Dirceu
Homem forte do primeiro governo Lula, o ex-ministro José Dirceu tem feito à cúpula do PT críticas e alertas sobre os riscos para a esquerda nas próximas eleições (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

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José Dirceu, ministro mais poderoso na primeira gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), está concluindo a sua reabilitação política iniciada há um ano e se apresenta para exercer papel crucial na tentativa de “salvar” o PT de derrotas nas urnas em 2024 e 2026. Com aval de Lula, o ex-chefe da Casa Civil vem agindo como uma espécie de conselheiro do partido que fundou e presidiu, cobrando nova postura dos correligionários diante das mudanças no cenário. Por mais de uma vez, ele alertou sobre o risco de a esquerda levar um “tranco da direita” e sobre a crescente influência dos evangélicos no jogo eleitoral. Nessa função de estrategista, o ex-ministro disputa às claras a liderança da legenda com a sua presidente atual, a deputada Gleisi Hoffmann (PR).

Aos 77 anos, o plano de José Dirceu é reassumir o papel de indutor de grandes decisões partidárias, atuando, mesmo que sem cargo na legenda, como ator influente nos bastidores, seguindo o modelo executado por anos e que atingiu o auge entre 2003 e 2005, quando integrou o núcleo palaciano do primeiro mandato de Lula. Duas décadas depois, ele retoma a rotina de eventos públicos e reuniões internas do PT e até testa a volta aos holofotes, dos quais se afastou após as condenações no escândalo do Mensalão e na Operação Lava Jato.

Com o partido sob o domínio absoluto de Lula e sem hesitação em negociar com adversários, Dirceu ainda personifica a busca pela conquista e preservação do poder sem se importar com os meios adotados.

Para especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, a ressurgência de Dirceu ocorre quando o PT parece voltar à encruzilhada enfrentada antes da campanha vitoriosa de 2002, na qual precisou escolher entre ser a locomotiva da esquerda ou servir como duradora porta de entrada para a Presidência da República, inclusive abrigando forças contrárias. Para agravar esse dilema, o Congresso ampliou o controle sobre a pauta legislativa e as verbas federais, garantindo maior independência em relação ao governo. Tal qual fez no passado, o também ex-deputado Dirceu está disposto a encarar esses desafios e encabeçar uma revisão da cartilha programática do partido, jogando com as cartas sobre a mesa para garantir a continuidade do partido no centro das decisões nacionais.

Reabilitação de Dirceu começou após posse dos atuais deputados

Sem as restrições da Justiça, Dirceu não precisou mais se esconder e iniciou o caminho de volta ao palco político com a escolha do filho Zeca Dirceu (PT-PR), em fevereiro de 2023, para ser o líder do partido na Câmara e com os acenos públicos de Lula, que o elogiou como “agente e militante político da maior qualidade”. No mesmo mês, durante a celebração do 43º aniversário do PT, o presidente agradeceu ao “companheiro José Dirceu” pelo legado no partido e pela solidariedade na prisão.

Na festa da sigla, Dirceu ocupou assento ao fundo no palco. “Dirceu tem que colocar a cara para fora. A gente tem que construir outra narrativa na sociedade”, comentou Lula. Na campanha, temendo desgaste, o presidente disse que “figuras históricas” como Dirceu não teriam espaço no terceiro governo. Por isso, após longo período de ostracismo, a volta de Dirceu à ribalta política tem sido gradual. Na posse de Lula, em 1º de janeiro, ele não estava entre os convidados e assistiu ao evento do gramado da Esplanada dos Ministérios. No fim daquele mês, durante encontro petista no Congresso com a presença do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), os presentes evitaram posar para fotos com o ex-ministro. Mas, aos poucos, ele vem retomando a influência na cúpula petista ao participar de encontros com tendências internas, diretórios regionais e aliados históricos.

Na mais recente atuação dele para promover correções de rumos no PT, José Dirceu envolveu-se na disputa entre o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e a presidente do PT, Gleisi Hoffman, buscando defender a agenda econômica do governo de reiterados ataques da cúpula petista. O próprio Haddad sentiu-se encorajado a contra-atacar as críticas de Gleisi e outros partidários, consideradas por Dirceu “quase covardes”.

As falas de Lula na conferência eleitoral do partido, reconhecendo descolamento entre a militância e os evangélicos e a classe média, e a reconstrução do apoio do presidente à meta de equilíbrio fiscal de Haddad têm a digital de Dirceu. “Quando o governo apresenta uma política, nosso papel é apoiar”, disse ele ao podcast Pod13, do PT da Bahia, em recado a Gleisi. Nessa entrevista, ele defendeu a reorganização do PT para lidar com o cenário polarizado no país. “Nesses anos, houve mudança social e cultural enorme por causa do fundamentalismo religioso e da força dos partidos de direita. A esquerda como um todo recuou”, completou.

Historicamente, Lula reconhece o papel fundamental do ex-ministro como mentor das transformações que permitiram ao PT quebrar a sequência de segundos lugares nas eleições presidenciais e alcançar o Palácio do Planalto em 2003. Essas mudanças foram marcadas por compromissos firmados com o mercado e a formação de uma aliança com o PL de Valdemar Costa Neto, que, hoje, encontra-se em lados opostos, e com a acomodação do MDB em sua base de apoio parlamentar. Esses acordos com outrora rivais proporcionaram não apenas vitórias nas urnas, mas também governabilidade a Lula por dois mandatos, quadro encerrado na divergente gestão da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).

Analistas veem papel estratégico de Dirceu nas eleições de 2024

Marcus Deois, diretor da consultoria Ética Inteligência Política, sugere que José Dirceu poderá desempenhar um papel estratégico na elaboração das chapas do PT durante as disputas municipais. De acordo com Deois, com uma improvável possibilidade de concorrer a cargos eletivos, Dirceu poderia ressurgir como um dirigente partidário.

O cientista político André Felipe Rosa acrescenta que o retorno de Dirceu pode proporcionar dinamismo interno ao PT, agindo como um "mal necessário" para o partido, melhorando a fluidez do próprio Lula e apontando erros internos.

Rosa acredita que Dirceu representa a essência do "PT tradicional", e seu afastamento abriu espaço para a reconfiguração do partido, com a ascensão de figuras como Dilma Rousseff, período no qual também eclodiram os eventos da Lava Jato.

Luiz Filipe Freitas, também cientista político, enfatiza que, mesmo com altos e baixos em sua visibilidade, Dirceu nunca deixou de ser uma figura relevante no PT. Freitas argumenta que, após os revezes enfrentados pela Lava Jato e o retorno do partido ao poder, o ex-ministro e ex-deputado pode ressurgir.

Contudo, Freitas alerta que o PT e a esquerda serão desafiados a ponderar sobre as recentes observações e advertências feitas por Dirceu. Ele destaca, contudo, que o ex-dirigente segue influente, mas não no nível de antes devido às mudanças ao longo dos tempos. Ele avalia que o primeiro desafio para Dirceu será resgatar a proeminência.

Graças a ministros do STF, Dirceu responde a crimes em liberdade

A queda de Dirceu no poder foi deflagrada em agosto de 2005, no auge da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigava o Mensalão. “Sai rápido daí, Zé!”, disse olhando para as câmeras de TV o então presidente nacional do PTB, deputado Roberto Jefferson (RJ), durante depoimento que atacou duramente o ministro da Casa Civil à época. O depoente buscou inocentar Lula das acusações, a quem chamou de “homem honrado e correto”, e atribuiu toda a orquestração do esquema de compra de apoio parlamentar a Dirceu, o comparando a Rasputin, eminência parda da corte do último czar russo. O já presidente do PL e então deputado Valdemar Costa Neto foi outro alvo preferencial de Jefferson.

Dirceu responde a processos em liberdade graças a decisões de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), após ter sido preso quatro vezes por corrupção, entre 2013 e 2019. Atualmente, se sente até confortável em dizer publicamente que o Mensalão “nunca existiu”. A pena por corrupção ativa que recebeu por conta desse escândalo foi extinta. Ele foi recentemente absolvido em uma condenação na Lava Jato e ainda tem outra. Pela operação, ele chegou a ser condenado a penas de até 39 anos por formação de quadrilha, falsidade ideológica, corrupção passiva, lavagem de dinheiro, recebimento de vantagem indevida, entre outros crimes.

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