Recém-nomeado titular da 13ª Vara Criminal de Curitiba, o juiz federal Eduardo Fernando Appio, 53 anos, tem um perfil que contrasta dos demais juízes que estiveram à frente dos processos da Operação Lava Jato no Paraná: ele é contra a prisão em segunda instância, acredita que a prisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) causou “danos irreparáveis” e questiona o que considera “excessos” cometidos pela extinta força-tarefa.

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Mas não apenas o seu posicionamento em relação a esses temas gerou críticas entre apoiadores da operação. Na semana passada, pelo Twitter, o ex-procurador Deltan Dallagnol (Podemos), atualmente deputado federal do Paraná, destacou uma doação de R$ 13 que o juiz teria feito para a campanha de Lula na eleição de 2022. O registro está no site de prestação de contas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), onde consta também uma doação de R$ 40 para a deputada estadual do Paraná Ana Júlia Pires Ribeiro (PT).

Appio, porém, diz que é uma “fake news”. Ele nega que tenha feito qualquer depósito para candidatos na eleição passada, e afirma que seus dados bancários comprovam sua afirmação.

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Outra crítica ao juiz que veio à tona assim que ele assumiu o posto diz respeito a um debate que participou, há quase um ano. Na ocasião ele disse ser um “grande fã” de Cristiano Zanin, o advogado que, nos últimos anos, livrou Lula dos vários processos em que era acusado de corrupção. Appio disse que se expressou mal na ocasião.

Em entrevista à Gazeta do Povo, o juiz diz que não será coveiro da Lava Jato e que sua “única finalidade”, hoje, é a sobrevivência da operação.  “Tenho cobrado da Justiça Eleitoral que dê seguimento aos processos que foram declinados”, diz o magistrado, em referência a dezenas de casos de corrupção remetidos para juízes eleitorais, por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF), que entendeu que são eles os responsáveis quando há suspeita de caixa 2.

Essa decisão, de 2019, representou uma das maiores derrotas da Lava Jato, pois retirou da 13ª Vara de Curitiba e de outras, também especializadas em lavagem de dinheiro, casos complexos, para os quais a Justiça Eleitoral não têm expertise e estrutura de processamento.

Mas, Appio não critica essa e outras decisões do STF e da Procuradoria-Geral da República (PGR) que ajudaram a frear as investigações e anular condenações. Ele mesmo compartilha de várias opiniões dos maiores críticos da Lava Jato, que veem excessos nas prisões preventivas, conduções coercitivas e negociações de delações premiadas – várias críticas se baseiam nas mensagens trocadas entre Deltan e Moro, captadas clandestinamente por hackers em 2019, que ajudaram a desmoralizar a operação.

A autenticidade dessas mensagens, porém, não pôde ser confirmada, segundo relatório da Polícia Federal. Eduardo Appio assumiu o posto após a promoção do antigo juiz, Luiz Antonio Bonat, para o cargo de desembargador do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4). Ele se candidatou e conseguiu a vaga de titular pelo critério de antiguidade. Ele é juiz federal há 23 anos e, nos últimos 11 anos, integrava uma turma recursal especializada em processos previdenciários.

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A entrevista foi concedida por videoconferência na última quarta-feira (23) e durou cerca de uma hora e meia. Algumas respostas foram destacadas no vídeo que acompanha esse texto.

Por que o sr. quis assumir os processos da Lava Jato?

Nós tivemos uma primeira fase da Operação Lava Jato muito promissora no passado, especialmente entre os anos de 2014 a 2018, quando envolvia mais inquérito policial, delações premiadas, prisões, busca e rastreamento de bens e valores no exterior, especialmente na Suíça, acordos de leniência. Enfim, nós tivemos todo aquele verdadeiro tsunami que chacoalhou o Brasil e foi uma revolução muito positiva naquela época. Eu, inclusive, confesso publicamente que fui um dos grandes entusiastas no começo. Meu carro estava adesivado em Curitiba com ‘eu apoio a Lava Jato’. Então, sempre fui um entusiasta da operação e da revolução positiva que ela ocasionou naquele primeiro momento, de 2014 e 2015.

Dou minha palavra de honra a todos que estão acompanhando esse trabalho nosso, que a minha única finalidade hoje, em vida, é a sobrevivência da Operação Lava Jato. Aquele trabalho bonito todo não pode ser perdido.

Relembrem aquele episódio triste e frustrante, que foi uma ducha de água fria, que foi o Caso Banestado, da década de 90. Tudo foi para a prescrição, tudo foi arquivado, todos aqueles que desviaram valores bilionários via agência do Banestado em Foz do Iguaçu e depois destinados à agência em Nova York, tudo aquilo foi varrido para debaixo do tapete pela prescrição. Não por vontade intencional. O trabalho foi muito bonito e histórico. Nós não queremos que a Lava Jato seja o Caso Banestado 2, que gerou muita fumaça, mas que no frigir dos ovos, o que aconteceu? Alguns delatores ficaram presos poucos dias ou semanas, hoje continuam com a vida normal. Alguns processos se encaminham para a prescrição.

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Eu acho que ninguém no Brasil hoje, muito menos o Supremo Tribunal Federal, nega que houve sim desvio de recursos vultosos da Petrobras num determinado período da nossa história. Acho que isso é um consenso, ninguém nega isso. Apenas um dos delatores, um ex-diretor da Petrobras, devolveu US$ 100 milhões, o que é muito dinheiro em qualquer lugar do planeta. Então, não queremos que a Lava Jato morra.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]

Mas, a partir de 2016, o sr. se tornou um crítico da operação. Por quê?

Fui crítico de alguns métodos que foram utilizados, na condição de professor. E acho que a crítica é sempre boa porque ajuda a construir e reconstruir aquilo que está deficiente. A Operação Lava Jato não foi conduzida por anjos intocáveis, que nunca erraram em absolutamente nada. Foi conduzida por seres humanos que têm erros e acertos. Eu acho que o saldo foi bom, especialmente no passado. Houve um trabalho gigantesco, descomunal. Os procuradores desnudaram um esquema muito complexo na época.

Mas como alguém que publicou 11 livros sobre direito constitucional, eu tinha o compromisso histórico em registrar, até para a posteridade, a interpretação e a opinião que eu tinha sobre esse assunto, que foi o grande tema nacional durante muitos anos no Brasil. Era impossível, como professor de direito constitucional, não escrever um artigo ou participar de um debate sobre o tema. E o debate sempre foi franco, transparente. Eu poderia nesse tempo todo ter ficado remando a favor da maré e dizendo que a operação é conduzida por santos, que não teve nenhum defeito, que nunca houve nenhum excesso... Mas aí você vê alguns fatos.

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Qual, por exemplo, te impressionou?

Não foi nem na Lava Jato do Paraná, mas do Rio: a prisão do ex-presidente Michel Temer [ocorrida no início de 2019, após ele deixar a Presidência], numa grande avenida, em praça pública, os helicópteros filmando. E um ex-presidente, que tem toda uma biografia, que é um jurista e grande conhecedor de direito constitucional, uma pessoa que durante muito tempo representou bons valores do republicanismo – não estou questionando o impeachment – mas representou o que há de melhor na política durante alguns anos, e essa pessoa simplesmente do dia para a noite, é presa em praça pública, com fuzis da Polícia Federal engatilhados.

E aí eu comecei a me questionar: poxa, mas precisa disso? Um ex-presidente, septuagenário, com endereço e trabalho fixo, que nunca teve um deslize em termos criminais que se saiba, a pessoa ser presa em via pública, com helicópteros, e uma equipe equivalente à Swat brasileira, com fuzis de alto calibre, como se fosse um Fernandinho Beira-Mar?

O que mais o incomodou?

Comecei a avaliar esses excessos. As conduções coercitivas foram um excesso, desnecessário. O Supremo Tribunal Federal referendou esse entendimento. Como eu disse, fui uma das primeiras pessoas a adesivar meu carro com ‘eu apoio a Lava Jato’, mas acabei tirando uns anos mais tarde, porque percebi que havia, não de forma intencional, mas houve sim uma politização do tema. E onde entra política pela porta, sai o direito pela janela. E eu optei por ser um crítico dos excessos, porque já tinha muita gente elogiando.

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Quando fiz essas críticas aos métodos da Operação Lava Jato, havia uma muito contundente na época de que se a Constituição prevê o princípio de que ninguém é obrigado a produzir prova contra si próprio, uma pessoa não pode ser presa, ou um parente dessa pessoa não pode ser preso, com a finalidade de extorquir, de extrair, à força de coação psicológica, ou mesmo física. Tivemos alguns presos na época que não lhes era garantido nem o banho de sol...

Então, essas críticas todas que nós fizemos – hipoteticamente, em relação a Guantánamo, no período pós 11 de Setembro – tivemos críticas aqui também no Brasil. Dos constitucionalistas que diziam que você não pode prender uma pessoa de forma preventiva com a finalidade de extrair à força uma confissão, para no dia seguinte aquela pessoa ser liberada ou alguém da família ser liberado. Então, esse não é um mecanismo válido, segundo a Constituição.

Sempre fui um crítico. Não estou dizendo que isso aconteceu, nem que foi intencional. Mas sim, havia pessoas na época que diziam publicamente: ‘olha, não se pode fazer uma omelete sem quebrar os ovos’. Ora, o papel do juiz é fazer uma boa omelete não quebrando o núcleo essencial, não botando fora a gema, não quebrando as garantias constitucionais.

A delação premiada sempre foi apresentada como uma das grandes ferramentas da Lava Jato para avançar nas investigações. O sr. acha que não produziu bons resultados?

É possível fazer um trabalho de punição a responsáveis e ainda assim não ser politizada a operação, e também não extrair confissões à força e produzir resultados? Claro que sim. São dados financeiros... É um trabalho mais pesado? Sim. Ao invés de percorrer dois quilômetros numa delação premiada, numa confissão, segundo os críticos, forçada, você fazer 20 quilômetros e pesquisar dados na Suíça, dados bancários, terceiros informantes, checar informações.

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É um trabalho cansativo? Mas é o trabalho que nós fazemos aqui. É o mesmo trabalho. É mais fácil prender e obter uma delação premiada? É um caminho mais curto. Produz resultado. Mas isso não ab-roga, não passa com um trator de todas as garantias constitucionais, a um custo histórico imenso. Naquele momento foi Lula ou Temer, mas amanhã pode ser ou Bolsonaro, ou um futuro presidente, ou um padeiro da esquina, ou uma pessoa que está varrendo rua hoje, ou um juiz, ou um promotor... Veja bem: as garantias constitucionais pertencem a todos.

Tanto é que foram invocadas desde o primeiríssimo momento, quando veio aquela matéria do The Intercept sobre a Lava Jato, pelos próprios procuradores, pelo juiz. Disseram: ‘não, olha eu tenho o direito constitucional que essas provas obtidas por um hacker, que são ilícitas, segundo o Supremo, não sejam utilizadas em meu desfavor, para abrir um processo criminal contra mim’. Mas claro, o Supremo diz que podem ser utilizadas para beneficiar um acusado inocente.

Ao declarar a suspeição de Sergio Moro, em 2021, o STF apontou parcialidade em favor da acusação. O sr. não acha que seu histórico de críticas à operação não compromete sua imparcialidade, mas agora com o pêndulo indo para o lado oposto, da defesa dos réus?

Não. Eu asseguro a todos, dou minha palavra de honra, tenho toda uma biografia. Eu já fui promotor três anos no Paraná, juiz de direito um ano e meio no Rio Grande do Sul, 23 anos na Justiça Federal. Nunca foi vinculado a nenhum tipo de agremiação ou partido político, nada. Nunca participei de palestras pagas por bancos ou terceiros.

Sei que certas pessoas se insurgiram ou tiveram resistência ao meu nome. Mas eu, graças a Deus, e ao fato de não ter me vinculado a nenhum abaixo-assinado a favor de Moro, Dallagnol, Lava Jato, eu não fui nesse grande tsunami, não fui tragado por ele. Então me sinto muito livre, autônomo e independente para absolver, para condenar, para prender ou mandar soltar. Não tenho compromisso com ninguém. Nem com A nem com B. Pelo contrário.

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Desde sua nomeação, apareceram alguns fatos que chamaram a atenção e foram usados para questionar sua neutralidade. Como o fato de aparecer no site oficial do Tribunal Superior Eleitoral como doador de R$ 13 para a campanha de Lula.

O que nós temos é o seguinte: no ano passado, um jornalista questionou que consta lá o seu nome. Primeiro: não havia nenhuma ilegalidade em qualquer tipo de doação. Se tivesse ocorrido, eu seria o primeiro a chegar e abrir o jogo de forma transparente. Eu trabalhava como juiz em matéria previdenciária, numa turma recursal onde trabalhei 11 anos, não teria problema nem receio nenhum, jogo aberto. Mas mostrei meus dados bancários e não identifiquei nenhuma doação nesse sentido. Então, como vou emprestar veracidade a uma fake news, a uma informação que não corresponde? Quem criou a fake news ou quem são as pessoas que têm interesse ou arquivar a Lava Jato, eu não sei.

Já que o sr. diz que a doação foi feita de forma fictícia em seu nome, talvez até para comprometê-lo, e levantar uma possível suspeição ou impedimento, não seria melhor apurar para esclarecer isso oficialmente junto à Justiça Eleitoral?

Eu não quero polemizar sobre esse tema, porque tem uma menor importância diante do volume de trabalho que nós temos hoje. O que posso te dizer é que vai contra a lógica dos fatos... E é por isso que não tomei nenhuma iniciativa formal até o momento... Posso tomar no futuro, sem problema nenhum, na hora que a poeira abaixar aqui no trabalho, confio integralmente na Justiça Eleitoral.

A suposta doação teria acontecido, segundo jornalistas e o site do TSE, em 24 de setembro de 2022. Na época, o dr. [Luiz Antonio] Bonat era o titular dessa cadeira onde estou hoje, foi promovido ao tribunal, não havia expectativa nenhuma de abertura dessa vaga, eu não estava em jurisdição criminal, muito menos sequer concebi a ideia de vir para a vara mais difícil do Brasil, de grande responsabilidade.

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Então, uma doação que teria sido feita, segundo uma teoria conspiratória, por um hacker ou por alguém mal intencionado, em 24 de setembro, quando estava numa turma recursal há 10 anos, então é pouco provável. Agora, claro, quando a poeira abaixar, sem dúvida, vou atrás e tenho o maior prazer em esclarecer essa suposta doação de R$ 13, até para não ficar com a fama de pão duro.

Na semana passada, Deltan Dallagnol também questionou o fato de seu pai ter aparecido na lista da Odebrecht. O que o sr. diz sobre isso?

Faço um desafio a qualquer pessoa – inclusive o Deltan, que convido a visitar a vara aqui e, olho no olho, não no Twitter, porque não desço a esse nível – pesquisar no Google, no histórico, durante o período em que meu pai foi deputado em Brasília e que votou em todos os projetos contra o governo Lula... Meu pai sempre militou na direita, foi colega de bancada do ex-presidente Bolsonaro, sempre votando contra bandeiras tradicionais da esquerda.

Agora, menção em lista... Quantas listas da Odebrecht tivemos? Tivemos centenas de listas de Odebrecht, todo mundo falou o que quis, o que não quis. Aqueles que foram culpados, que receberam valores, colocaram os peixes menores, ou maiores em listas, enfim, tanta gente foi falada nessas listas da Odebrecht. O meu pai, eu nunca soube dessa informação de que teria sido citado, mas não diz nem por que, não diz nem valor, não diz que teria recebido nada.

Agora, o fato é que esse tipo de denúncia, que é um crime grave, uma calúnia, evidentemente que vai ter seu foro próprio no tempo e modo devidos. Mas não é o momento agora.

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Num dos debates do ano passado, o sr. disse ser um grande fã de Cristiano Zanin, advogado de Lula. Isso não o compromete?

Me expressei mal. Não é que eu seja fã. Eu tenho o mau hábito de toda aquela pessoa que eu admiro o trabalho, usar uma força de expressão que não deve ser tomada na literalidade. Eu não vou pegar autógrafo do Cristiano Zanin. Se eu fosse pegar autógrafo, seria da Gisele Bündchen. O Cristiano Zanin foi muito elogiado durante aquela sessão famosa do Supremo [que considerou Moro parcial] tanto pelo ministro Gilmar Mendes, pelo ministro [Ricardo] Lewandowski, por outros ministros que disseram: você, Cristiano Zanin, sobreviveu ao tiroteio cerrado para contar a tua história.

Porque o telefone dele, como advogado, foi monitorado em tempo real, foi grampeado por juízes, promotores, delegados e agentes da Polícia Federal na época. E isso não é algo permitido em nenhum lugar do planeta. Assim como o jornalista tem o sigilo da fonte e tem que ter a tranquilidade de conversar com a fonte pelo telefone sem ser monitorado em tempo real pela Polícia Federal, o advogado é a mesma coisa.

Se endossarmos que o Cristiano Zanin deveria ter sido monitorado, como advogado, conversando com os clientes, em tempo real, para que isso permitisse uma reação, ou da polícia, do Ministério Público, do Judiciário, não interessa quem, estamos endossando o mesmo discurso que permite monitorar no dia de hoje teu telefone em Brasília conversando com uma fonte. Porque o poder do Estado, que é muito grande e permite hoje monitorar WhatsApp, e-mails, conversas, é o Big Brother. Podemos fazer isso enquanto Estado. Mas vamos fazer isso para algum benefício pessoal, ou político-partidário? Não. Então Cristiano Zanin tem sim minha admiração, sem dúvida, porque sobreviveu para contar sua história.

Em 2021, após a anulação das condenações de Lula por incompetência da 13ª Vara, o sr. defendeu, num artigo publicado no site Conjur, o princípio do juiz natural, segundo o qual a parte – réu ou acusação – não pode escolher o magistrado que irá julgar sua ação. Muito antes disso, houve um esforço enorme de vários réus da Lava Jato no sentido inverso, fazendo de tudo para retirar seus processos de Sergio Moro e da força-tarefa de Curitiba. Redirecionar o processo dessa forma, para escapar da vara que concentrava as investigações, não é algo parecido com escolher um juiz, por exclusão?

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Primeiro, os advogados estão no papel deles, de tentar todas as estratégias, dentro da lei e possíveis e imagináveis, para defender seus clientes. Especialmente porque são os maiores escritórios de advocacia do Brasil, talvez da América Latina. Isso é legítimo.

Nós, como agentes públicos, promotores e juízes, não podemos evidentemente, por interesse profissional e pessoal, puxar uma competência universal para Curitiba, envolvendo todo o Brasil. E foi isso o que decidiu o Supremo: o fato de que a cadeira que ocupo não tem competência universal, direta ou indireta, para todo e qualquer processo que se relaciona à Lava Jato, mas somente para os casos relacionados à Petrobras, que permanece aqui e representa cerca de 40% do acervo original da Lava Jato.

Segundo, se partirmos desse pressuposto, temos que admitir a ideia de que todos os demais juízes federais do Brasil, com exceção do ex-ministro de Bolsonaro e hoje senador Sergio Moro, têm parcialidade política ou pessoal. Ou que iriam ter militância pessoal ou profissional político-partidária. O que não é verdade.

Os advogados, sempre desde o primeiro momento, pelo que eu li pela imprensa, defenderam a tese que o juízo competente universal não era Curitiba. Daí que pergunto: se esses processos, desde seu início, não tivessem ido para seus juízos competentes, será que hoje não teríamos um resultado útil?

Hoje, estamos vendo, como houve no caso Banestado, um risco de se esses processos não sejam levados à frente, se a vara criminal não for mantida, ou se nossa independência funcional que sempre foi garantida não for mais em todas as esferas. Claro que muito disso pode ir para o arquivo e a Operação Lava Jato ser sepultada. Não quero ser o coveiro oficial da Operação Lava Jato, estou cobrando todos os dias os processos e posso te garantir: a maior parte desses inquéritos e processos não vai envolver pessoas da direita.

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Então eu não teria interesse pessoal, ideológico, partidário nenhum. Pelo contrário: se eu fosse fazer isso, sentaria na cadeira e ficaria aqui. Nem tenho almoçado, não consigo ver familiares, tamanha a carga. Tenho cobrado, e tenho isso documentado, da Justiça Eleitoral que dê seguimento aos processos que foram declinados.

A partir de 2019, o procurador-geral da República, Augusto Aras, remodelou o funcionamento das equipes de investigação. Acabou com as força-tarefa e foram instituídos Gaecos. Vários ex-integrantes dizem que isso ajudou a tirar fôlego das investigações, pois havia ainda muitas provas para trabalhar. Além disso, a PGR fez uma devassa na Procuradoria do Paraná e abriu caminho para que alguns procuradores fossem punidos no âmbito disciplinar. Como o sr. vê esse esvaziamento da Lava Jato dentro do Ministério Público Federal?

Não conheço os procuradores que estão atuando hoje, mas vejo que são muito diligentes e experimentados. Vamos voltar um pouquinho no passado, nesse momento histórico que você narra. Isso foi objeto dos diálogos, existem indícios de que os diálogos são verdadeiros da Vaza Jato. No início de 2019, o presidente Jair Bolsonaro e apresenta como um dos seus principais ministros Sergio Moro, até então ocupante dessa cadeira que estou sentado aqui.

Quando vai a Brasília, ele leva uma parte importantíssima, alguns diriam a coluna vertebral, a espinha dorsal da equipe da Lava Jato, que não são só os procuradores. A força-tarefa Lava Jato, na época, segundo os diálogos, incluía não só os juízes aqui, como incluía auditores da Receita, delegados e agentes da Polícia Federal, servidores aqui da vara. Aqueles mais conhecidos e relevantes, que tinham maior know-how sobre os esquemas da Lava Jato se mudaram para Brasília e passaram a trabalhar no Ministério da Justiça.

Então, naquele momento, os próprios procuradores falaram isso naqueles diálogos, houve uma tremenda ducha de água gelada quando esse convite foi aceito pelo Moro para ser ministro da Justiça, porque a operação vinha com aquela ideia de que não havia nenhum tipo de contaminação política, de que o trabalho continuaria e a Lava Jato não seria enterrada, não morreria. E de repente, então, vai não só a figura histórica mais emblemática da Lava Jato, Sergio Moro, hoje senador, como também parte fundamental e indispensável da força-tarefa latu sensu de Curitiba, e passa a trabalhar no governo Bolsonaro.

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Até que ocorre uma ruptura, uma briga. Nessa deixa – outros dirão, nessa oportunidade histórica – vem a Procuradoria e também remodela a estrutura. Houve muita crítica na época à famosa coletiva do PowerPoint, do Deltan, e aquilo de alguma maneira jogou gasolina na fogueira.

O sr. mencionou os diálogos captados de forma ilegal por hackers. Nos últimos anos, a gente viu um ataque muito grande da classe política para desmoralizar a Lava Jato, utilizando, muitas vezes, esses mesmos diálogos. O sr. teme ser alvo disso, seja por críticas ofensivas ao seu trabalho ou vazamentos de conversas?

Não estou dizendo que os diálogos são verdadeiros, até porque não tivemos a oportunidade de comprovar se eram ou não, porque eles foram deletados nos dias seguintes à reportagem do The Intercept pelos próprios procuradores.

Mas esse aqui [aponta para o celular que usa] é um aparelho que pertence à Justiça Federal, não é da minha propriedade. Então, se tiver algum diálogo via Telegram, que seja ilegal, uma combinação de testemunhas, acusação ou combinação de prisões com o Ministério Público ou com a defesa e se tiver aqui, isso pertence à Justiça Federal. Mas o que estava nos diálogos do Telegram nesses aparelhos foi deletado pelos procuradores. Era a única forma de dizer: ‘olha, o hacker inventou esses diálogos’. Era simples: no dia seguinte entregava esses aparelhos para a Polícia Federal, com os diálogos do Telegram: ‘está aqui, houve uma montagem, fake news’. Isso não foi feito. Por quê? Fica um grande ponto de interrogação histórico.

Agora, a questão é essa: eu me deixo desmoralizar? Eu tenho diálogos aqui com advogados, com Cristiano Zanin, com procuradores do Ministério Público Federal, dizendo: ‘olha, arrole aquela testemunha, indique uma testemunha... Ah, essa prisão que você está pedindo hoje que ainda não veio para o papel, já estou deferindo agora, basta esperar até amanhã...’. Não tem nada. E quem quiser está à disposição, está aqui, não tem problema. Os hackers oficiais aqui do Brasil ou de fora, dos Estados Unidos, não interessa de onde, têm à disposição. Podem olhar, se tiver algum diálogo, que publiquem, não há problema nenhum.

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O sr. é a favor da prisão em segunda instância?

Pela experiência que nós tivemos, eu sou contra. O ministro Celso de Mello sempre insistiu numa tecla do direito de que era melhor ter dez culpados soltos do que ter um inocente preso. É um princípio de direito civilizatório. E posso citar como exemplo um caso julgado aqui em Curitiba, que é mais famoso da história do Judiciário brasileiro, que eu como professor tenho liberdade de comentar, porque é um caso que transitou em julgado e acabou.

O caso do atual presidente da República. Ele ficou quase dois anos preso aqui em Curitiba, aí uma decisão do Supremo tomada alguns anos depois disse que o juízo aqui da 13ª Vara não era competente e que, portanto, todas as acusações, provas produzidas, pessoas ouvidas, testemunhas, tudo foi anulado. E a pessoa, pela Constituição, tem a presunção da inocência.

Então, o presidente Lula foi considerado livre de todas as acusações, nessas questões relacionadas à prisão dele por quase dois anos. Aí que eu pergunto: se permitiu a execução provisória, aquela pessoa foi presa e depois as decisões foram anuladas. Mas aí quem é que repara dois anos de prisão? Não estou falando do Lula em particular. Mas quem repara o mal que foi causado, já que a pessoa foi tida pelo Supremo como inocente, com a presunção de inocência?

Quem repara o fato de que essa pessoa que ficou presa era o candidato que tinha, na época, nas pesquisas eleitorais, algo como 40% das intenções de voto, e que acabou sendo presa por uma decisão, bem ou mal, do próprio Supremo Tribunal Federal?

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Então, não tem uma máquina do tempo, não tem como fazer voltar. Se a pessoa foi condenada e cumpriu uma pena e aquilo foi declarado nulo depois ou foi declarada a inocência da pessoa, não tem como o Estado reparar isso. Não se repara dois anos de prisão.

E quanto ao foro privilegiado, o sr. é a favor ou contra?

Sou totalmente contra o foro privilegiado, principalmente de juízes e promotores. Cria um privilégio indevido. E na verdade, é um prejuízo sob a capa de um privilégio. Porque ao invés de um juiz e um promotor ter seu caso submetido a diversas instâncias, ele já perde uma de cara, porque o processo já começa tramitando nos tribunais. Já perde uma instância revisora.