A decisão do ministro Luiz Fux, vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), de suspender por tempo indeterminado a implementação do juiz de garantias, figura prevista no pacote anticrime pelo presidente Jair Bolsonaro, deve movimentar a Corte nos próximos meses. A nova liminar vale até o Plenário da Corte julgar o caso. Não há previsão de quando isso deverá acontecer. A definição da data, curiosamente, também depende de Fux: ele é o ministro relator do caso na Corte.
O entendimento de Fux derruba a determinação do presidente do STF, ministro Dias Toffoli, que havia prorrogado por seis meses o prazo de adoção da medida e até definido uma regra de transição para os processos em andamento no país. Fux assumiu o comando do plantão do Supremo no último dia 19, com as férias de Toffoli, e vai seguir responsável pelos casos do tribunal considerados urgentes até a próxima quarta-feira (29). O STF retoma regularmente suas atividades em fevereiro.
A decisão de Fux foi tomada no âmbito de uma ação da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) contra a implantação do juiz de garantias – o processo chegou ao STF na última segunda-feira (20) quando Toffoli já havia deixado o plantão e passado a função para o colega.
Juiz de garantias: figura criada no pacote anticrime
Atualmente, o juiz que analisa pedidos da polícia e do Ministério Público na investigação é o mesmo que pode condenar ou absolver o réu.
O pacote anticrime – que deve entrar em vigor nesta quinta-feira (23) – prevê que o juiz de garantias deverá conduzir a investigação criminal e tomar medidas necessárias para o andamento do caso, como autorizar busca e apreensão e quebra de sigilo telefônico e bancário, até o momento em que a denúncia é recebida. A partir daí, outro magistrado vai acompanhar o caso e dar a sentença.
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, havia recomendado o veto ao dispositivo, mas acabou derrotado. Toffoli deu aval para que Bolsonaro desse aval à medida, fazendo chegar ao Palácio do Planalto que a proposta era "factível" e "possível" de ser implementada.
Após a decisão de Fux, Moro foi ao Twitter e publicou uma série de postagens em apoio. Moro escreveu que "uma mudança estrutural da Justiça brasileira demanda grande estudo e reflexão" ao reforçar que "não se trata simplesmente de ser contra ou a favor".
Impacto da decisão no mundo jurídico
Assim como a criação da figura do juiz de garantias, a decisão de Fux não é consenso no mundo jurídico. Para Fernando Parente, advogado criminalista sócio do Guimarães Parente Advogados e professor de processo penal, a liminar "foi simplesmente um malabarismo jurídico vergonhoso". "Foi um malabarismo jurídico impressionante para quem já tinha se mostrado contrário, para quem tem relação de proximidade com a atual presidência da Associação dos Magistrados do Brasil, é uma atitude de desrespeito tremenda no exercício da presidência", criticou.
Na avaliação do advogado, Fux antecipou sua decisão enquanto relator em uma semana, se aproveitando do período de recesso para tal. "Pelo menos, a decisão será revista pelo plenário. Não se pode suspender a vigência de uma lei com esses argumentos simplesmente teóricos, sem qualquer pragmatismo, sem qualquer argumento concreto, partindo do pressuposto que haverá um gasto maior para o judiciário. Quantas vezes se criam órgãos novos e subdividem órgãos públicos? Não teria o mesmo tipo de violação e o mesmo custo financeiro?", argumenta.
Já para o advogado criminalista David Metzker, da Metzker Advocacia, a decisão tomada às vésperas de o pacote anticrime entrar em vigor, mesmo diante de outra liminar, causa insegurança jurídica. "O cerne da questão é que se criou somente uma regra de impedimento com a divisão funcional da competência ou não. Não há criação de uma nova classe de juiz, criação de um novo órgão. Há uma nova regra de impedimento somente", pondera.
Na opinião de Metzker, a figura do juiz de garantias é necessária para afirmar a imparcialidade do julgador. "Suspender por tempo indeterminado atrasará a aplicação de um sistema nitidamente acusatório", pontua.
Atrito entre ministros do STF
A nova decisão impõe um revés para Toffoli, que havia tentado construir uma solução que garantisse mais tempo para a Justiça se adaptar às novas exigências legais. O episódio também marca um estremecimento das relações entre Fux e Toffoli, que já estavam desgastadas.
Logo depois da sanção do pacote anticrime por Bolsonaro, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) acionaram o Supremo, sob a alegação de que não há como dar execução à lei "sem provocar aumento de despesas". Cidadania, Podemos e PSL também entraram com ações no STF.
As ações foram sorteadas para ficar sob a relatoria de Fux, mas devido à urgência do assunto e à proximidade da vigência da lei, Toffoli decidiu agir com pressa.
"O relator, se houver pedido de reconsideração, tem competência para analisar. Não tem nenhum problema quanto a isso. O importante é fixar parâmetros que deem segurança jurídica", afirmou na ocasião o presidente do STF, esclarecendo que tratou previamente do tema com Fux.
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