Juiz federal, professor e coordenador do Instituto New Law, Erik Navarro é um defensor da prisão já a partir de condenações em segunda instância – entendimento defendido, por exemplo, pela força-tarefa da Operação Lava Jato, mas que pode vir a ser mudado em breve pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Navarro usa a psicologia e a economia para embasar sua argumentação: "Do ponto de vista psicológico e da ciência econômica, é ruim [não haver a prisão em segunda instância]".
Navarro vai apresentar sua visão sobre o assunto no evento New York Experience, organizado pelo Instituto New Law, que acontece entre os dias 23 e 26 nos Estados Unidos e que contará com a participação, entre outros, do juiz da Lava Jato no Rio Marcelo Bretas e do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso. Por telefone, Navarro falou com a Gazeta do Povo e explicou seu entendimento sobre a psicologia do preso.
Gazeta do Povo - O senhor defende que a pena seja cumprida após a condenação em 2.ª instância. Por quê?
Erik Navarro - São vários motivos pelos quais a pena deve ser cumprida após a condenação em segunda instância. O primeiro deles é que, se é assim em todos os países civilizados do mundo, não é possível que todo mundo esteja errado e a gente certo.
Mas por que se faz essa escolha em outros países do mundo? É pelo seguinte: o ser humano valoriza, dá muito mais importância para o presente do que para o futuro. Então, quando ele enxerga em perspectiva algo que está distante de acontecer, ele tende a diminuir o peso daquilo [a possibilidade de prisão]. Vamos imaginar que um sujeito que praticou um crime de corrupção saiba que, se for preso, a pena é de 10 anos de reclusão, 10 anos de cadeia. Essa pena de 10 anos é sentida como muito menor quando demora para ser aplicada.
O processo [judicial] no Brasil já é muito lento por natureza. Quanto mais instâncias julgadoras você insere nesse processo, mais lento ele vai ficando. Quando você coloca, além das duas instâncias, uma terceira instância, a possibilidade de condenação da pena fica muito distante no tempo. Mesmo que a pena seja alta, ela é vista por quem comete o crime como sendo uma pena muito menor. Do ponto de vista psicológico e da ciência econômica, é ruim no sentido preventivo da pena, para o sujeito ter medo de praticar um crime e de ser penalizado, para fazer a conta do custo-benefício entre o cometimento de um crime e a imposição de uma pena. A não execução da pena após a condenação em segundo grau é muito prejudicial. Até porque, quando alguém comete um crime de corrupção, por exemplo, o benefício é imediato. Ele recebe aquela propina, aquele valor [agora]. Mas, se ele souber que a pena pode demorar muito para acontecer, psicologicamente diminui muito o peso [de haver medo de ser punido]. Mesmo que ele seja uma pessoa super racional.
Quando se fala nesse assunto é comum as pessoas pensarem em casos de alta publicidade, como o do ex-presidente Lula. Qual o impacto para a Lava Jato se o STF decidir mudar o entendimento atual?
Eu acho que o impacto é grande não só para a Lava Jato, mas para outras operações que lidam com corrupção no setor público. Porque muitas dessas pessoas [corruptas e corruptoras] acabaram auxiliando nas investigações por medo de serem presas. Quando você insere mais duas [instâncias], falando de STJ [Superior Tribunal de Justiça] e STF, essa possibilidade diminui muito. Isso porque o sujeito pode ser absolvido. E, mesmo que ele venha a ser condenado, pode ter prescrição. Ou então o processo vai demorar muito e a pessoa não se sente incentivada a colaborar com as investigações praticando, por exemplo, uma delação premiada. Então esse é um dos aspectos pelos quais seria ruim para todas as operações que combatem a corrupção, pelo menos por essa ótica, caso o Supremo mude o seu posicionamento.
Como essa decisão poderia impactar na vida do cidadão comum? Existe um levantamento sobre o tema?
Nós temos alguns dados interessantes. Um deles é que o Supremo só efetivamente prendeu alguém por corrupção passiva a partir da ação penal do mensalão. Antes disso, ninguém tinha sido efetivamente preso [por corrupção]. Enquanto que nas instâncias inferiores isso aconteceu mais vezes, naturalmente isso diminui a confiança da população não só no Poder Judiciário, mas também no sistema democrático. A população começa a se sentir espoliada pelas próprias pessoas que ela elegeu. E a outra consequência, que é a pior de todas, é que isso gera um estímulo para que as práticas pouco republicanas continuem ocorrendo e naturalmente o dinheiro público acaba sendo desviado ou mal empregado. Isso faz com que o bem-estar social caia de maneira geral: sobra menos dinheiro para cuidar da saúde, educação, o Estado acaba tendo que aumentar os tributos, as pessoas vivem pior.
Como o senhor vê a demora do Supremo em abordar o tema novamente. O entendimento sobre a causa já mudou algumas vezes. Isso causa instabilidade dentro do Judiciário?
Todas as alterações de entendimento de tribunais superiores geram instabilidade. Essa instabilidade nunca é boa, porque quem vive num determinado país ou quer investir num determinado país busca segurança, não o oposto disso. Na verdade, até 2009 o Supremo pensava como ele pensa hoje e depois mudou [determinando que condenados só poderiam ser presos com julgamento de última instância]. Depois voltou a pensar dessa maneira [autorizando prisão após condenação de segunda instância]. Isso ocorre sobretudo por alteração de composição do Supremo Tribunal Federal – o que é normal; alguns ministros se aposentam, outros são nomeados. E, no Brasil, isso não é um problema dos ministros; é uma coisa da nossa cultura: a gente sempre pessoaliza muito, a gente não criou muito no Brasil a cultura da instituição – e eu não estou falando de nenhum ministro e nem do Supremo; estou falando de mim, de você, de todos nós. Então, quando muda a composição rapidamente, muda a posição institucional. De certa forma, dentro da nossa cultura isso é normal, não é um problema do Supremo. Talvez a gente precisasse de um maior amadurecimento das instituições de maneira geral para que elas possam ser mais estáveis ao longo do tempo. Isso vale para tudo. Vale, na minha opinião, para o próprio Supremo.
O seu trabalho cita a possibilidade de uma pena mais curta, caso ela fosse cumprida logo após a condenação em segunda instância. O cálculo da pena mudaria para ser mais efetivo nesse caso?
Exato. O que acontece quando alguém comete um crime? A pessoa faz, ainda que intuitivamente, uma análise de custo-benefício. O benefício é o que ela leva com o crime praticado. E custo é a pena, a possibilidade de a pessoa ser presa. Além disso, tem a questão do tempo. Vamos imaginar o seguinte: que a pena por um determinado crime seja de dez anos, mas a gente considere que a possibilidade de a pessoa ser processada e efetivamente condenada seja de 50%. Então a pena que ela enxerga é de cinco anos, não de dez. Mas quando isso se distancia no tempo, mesmo esses cinco anos, não são são vistos como cinco anos, são vistos como menos tempo. Além disso – e isso é científico –, os primeiros dias, os primeiros meses doem mais no psicológico daquela pessoa [presa]. É como se o primeiro ano doesse mais que o segundo, que doesse mais que o terceiro. Então, quando você fala assim: ‘Vou pegar a pena que é de cinco anos e vou dobrar para dez [porque] isso vai diminuir pela metade os incentivos para a pessoa cometer o crime’, isso não acontece exatamente dessa forma. Porque os anos seguintes são sentidos em intensidade menor do que os primeiros anos de prisão. E tudo isso, diluído no tempo, a intensidade [da punição] é ainda menor.
Crimes de colarinho branco em comparação com crimes mais simples, como os “crimes de bagatela”, parecem que se arrastam por mais tempo, muitas vezes pela diferença de poder aquisitivo. Recentemente o blog A Protagonista, de Madeleine Lacsko, noticiou aqui na Gazeta do Povo, o caso do empresário Ricardo Mansur, que levou 21 anos para ser condenado a 5 anos e 6 meses - em regime semiaberto - por ter desviado R$ 42 milhões. Como funciona essa diferença?
São várias razões. Nesses crimes do dia a dia, as pessoas acabam presas porque muitas vezes elas são detidas em flagrante. Então isso facilita a prisão cautelar. E porque [existem] os custos de processos: às vezes a pessoa não tem e não consegue chegar às esferas judiciais superiores.
Mas nesse exemplo que você me deu [de Ricardo Mansur], sem entrar no mérito da causa em si, o raciocínio é o seguinte: quando você percebe o tempo que levou para o sujeito ser condenado e você se coloca na posição de outro empresário que também queira cometer práticas fraudulentas, a pessoa olha esse exemplo e diz: ‘Vinte anos [para ser julgado]? Se eu tiver 50 [anos, quando praticar o ilícito], só vai acontecer alguma coisa comigo quando eu tiver 70’. Então a pessoa tende a diluir [o risco] que chega a ignorar a possibilidade de ser punida. Ela simplesmente não considera isso.
Uma solução definitiva sobre o cumprimento da pena logo após a condenação em segunda instância pode ser uma ferramenta contra a impunidade? Seria uma forma de tornar a justiça mais célere?
Eu acho [que sim]. Primeiro porque qualquer insegurança é ruim para o sistema judiciário como um todo. Ele perde força. As pessoas perdem incentivos para respeitar a lei; e isso é ruim para uma sociedade civilizada. Então, qualquer que seja o entendimento do Supremo, desde que ele seja respeitado por todos, essa é a melhor solução. Claro que, do ponto de visto científico é mais efetivo que a pena possa ser cumprida o mais rápido possível. Mas, do ponto de vista do sistema judiciário como um todo, é sempre muito bom quando o Supremo uniformiza o entendimento e todos seguem esse entendimento.
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