Em maio, a Presidência do CNJ, ocupada pelo presidente do STF, Dias Toffoli, editou a Portaria nº 69/2019, por meio da qual criou um grupo de trabalho com a missão de, no prazo de 30 dias, apresentar relatório e propostas sobre os parâmetros de uso das redes sociais pelos magistrados. O resultado do trabalho da comissão foi apresentado ao plenário do Conselho na sessão de 25 de junho.
Uma das principais entidades da toga, a Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), repudiou a proposta do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de regulamentar a conduta dos juízes nas redes sociais. "Punições excessivas criam juízes autômatos e encastelados", alerta Nota Técnica da Anamatra enviada ao CNJ.
"Há que se ter em mente que o regramento de condutas abstratas tem o efeito de aumentar as punições", sustenta a entidade no texto.
Na avaliação da Anamatra, que reúne mais de 4 mil magistrados, as punições "criam juízes autômatos, que em nenhum aspecto contribuem para a garantia do Estado Democrático de Direito".
"Muito pelo contrário, as punições fazem com que eles (juízes) puramente se aliem ao pensamento político preponderante e os tornam incapazes de refletir a diversidade e a pluralidade do pensamento jurídico. Isso leva ao abandono das minorias contra os ímpetos das maiorias políticas, que ditam os textos de lei".
A partir da proposta colocada em votação, a Anamatra decidiu apresentar a todos os conselheiros a Nota Técnica em que aponta a "desnecessidade de regulamentação".
"A Anamatra entende ser desnecessária qualquer regulamentação que tenha por objetivo disciplinar os limites de utilização das mídias sociais pelos membros da magistratura, uma vez que os dispositivos constitucionais, legais e regulamentares hoje existentes (Constituição Federal, Lei Orgânica da Magistratura e diversas Resoluções do CNJ) tratam da conduta dos juízes e permitem o enquadramento de eventuais faltas por eles cometidas".
Segundo a entidade, "eventuais excessos praticados pelos membros da magistratura no seu direito de livre expressão devem ser investigados individualmente e dentro de uma análise conjuntural mais ampla que envolva a verificação do cargo ocupado por aquele que pretende uma investigação ou uma punição do membro da magistratura e do conteúdo da declaração".
A Nota Técnica destaca que, desde 1965 o Supremo Tribunal Federal "já entendia que o juiz não pode se encastelar em torre de marfim" - Recurso Extraordinário Criminal n. 57303 / SP, relator ministro Villas Boas, publicado no DJ 08-12-1965.
"Esse discurso se tornou cada vez mais frequente no meio jurídico e representa a necessidade de que o juiz tenha contato com a vida real que lhe cerca, eis que assim conseguirá solucionar os conflitos da maneira que espera toda a sociedade", recomenda Anamatra.
Para a entidade, "a restrição excessiva" do acesso do magistrado às mídias sociais "caminha justamente em sentido contrário".
"A postura do encastelamento dos juízes vai contra a própria tendência da sociedade, que exige maior transparência nos três poderes da República. Esse foi o motivo pelo qual, por exemplo, foi implementado o portal da transparência, que divulga publicamente os nomes de magistrados e os seus vencimentos mensais".
Anamatra ressalta que "não se furtará à discussão do assunto, pois entende que a colaboração ampla e a difusão de ideias é fundamental no processo construtivo de qualquer norma regulamentar".
"Prova disso foi o requerimento apresentado para integrar o grupo de trabalho instituído para esse fim, que acabou sendo indeferido. Posteriormente, foi protocolado pedido de reconsideração da decisão anterior, mas ele não chegou a ser apreciado".
Segundo a entidade, a proposta de Resolução, "em diversos pontos entra em conflito com garantias de liberdades de expressão e de manifestação do pensamento reconhecidas a todo cidadão" - nos termos dos incisos IV, VI, VIII, IX, XIII e XIV do art. 5.º, bem como do artigo 220, todos da Constituição Federal.
"A liberdade de expressão deve alcançar os membros do Poder Judiciário, tanto em sua esfera privada (como cidadãos) quanto na esfera pública (como agentes políticos do Estado)", adverte a Nota Técnica.
A entidade reconhece que a liberdade de expressão do magistrado "deve conviver com os deveres impostos pelo artigo 93, parágrafo único, da Constituição/88, cuja pretensão é impor alguns limites à conduta do magistrado com o fim de preservar o Poder Judiciário e, consequentemente, o Estado Democrático de Direito".
"Todavia, essas limitações devem ser interpretadas restritivamente, já que também ao magistrado devem ser asseguradas as garantias do próprio ser humano, que, por sua essência, é político."
O texto cita o ministro Luís Roberto Barroso, quando apreciou liminar requerida no Mandado de Segurança 35793 - impetrado contra o Provimento nº 71/2018 da Corregedoria Nacional de Justiça, que dispõe sobre a manifestação de magistrados nas redes sociais.
"A liberdade de expressão, com caráter preferencial, é um dos mais relevantes direitos fundamentais preservados pela Constituição. As restrições ao seu exercício serão somente aquelas previstas na Constituição".
"É certo que as liberdades de expressão e de pensamento são direitos fundamentais dos magistrados", emenda Anamatra.
Na avaliação da principal entidade dos juízes do Trabalho a construção do regramento "se pautou por uma aplicação invertida das garantias Constitucionais aos juízes".
"Acontece que o direito fundamental à liberdade de expressão deve ser interpretado de forma ampla, de maneira que atinja formalmente todos os cidadãos, pois isso se coaduna com o Estado Democrático de Direito".