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Prisões preventivas

STF pode ampliar chances de soltura em julgamento da lei usada para libertar o traficante André do Rap

Gilmar Mendes e Edson Fachin
Edson Fachin (à dir.) quer restringir revisão periódica das prisões preventivas; Gilmar Mendes divergiu (Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF )

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Está em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF) um julgamento que poderá aumentar as chances de revogação de uma prisão preventiva, decretada quando a pessoa ainda não foi condenada definitivamente por algum crime.

O julgamento, iniciado no dia 25 de fevereiro e com fim previsto para a próxima terça-feira (8), ocorre no plenário virtual, no qual os ministros apresentam votos escritos no sistema. O objeto de análise é uma regra aprovada pelo Congresso em 2019, no pacote anticrime, que obriga a Justiça a reavaliar, a cada 90 dias, a necessidade de manter a prisão preventiva.

A prisão preventiva pode ser imposta antes de qualquer condenação. Ela não representa uma punição pelo crime, mas é adotada quando há risco concreto de que o suspeito volte a delinquir, fuja do país ou atrapalhe a investigação, por exemplo.

A reavaliação da prisão preventiva a cada 90 dias – que não fazia parte do texto original do pacote anticrime, mas que foi inserida por deputados –, consiste exatamente em obrigar a Justiça a verificar, de ofício, se riscos como esses continuam presentes.

Foi essa regra da reavaliação periódica que, em 2020, levou o ministro Marco Aurélio Mello, atualmente aposentado, a soltar André do Rap, líder do PCC. Apesar de já ter sido condenado à época por tráfico internacional de drogas, ele ainda tentava derrubar a sentença por meio de recursos, e estava na cadeia por força de uma prisão preventiva – como ela não havia sido reavaliada em 90 dias, o ministro considerou que ela era ilegal e libertou o traficante.

Diante da enorme repercussão negativa da soltura, os ministros se reuniram em plenário no fim daquele ano para derrubar a decisão de Marco Aurélio. Eles decidiram que o fim do prazo de 90 dias sem uma reavaliação da prisão não leva à soltura automática, como decidiu o ministro, mas apenas obriga o juiz a fazer uma nova análise sobre a necessidade da prisão.

No julgamento atual do STF, o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) questionam a aplicação da regra. O partido quer sua anulação por inconstitucionalidade, alegando que o Judiciário não tem “capacidade institucional” para fazer essa reavaliação, o que gera o risco de solturas em massa caso o prazo seja ultrapassado.

Trata-se de um risco real, com base em precedentes do próprio STF. Em 2020, por exemplo, Marco Aurélio Mello derrubou a prisão preventiva de outro réu, acusado de roubo com uso de arma, somente em razão do esgotamento do prazo de 90 dias sem reavaliação de sua prisão.

O que ainda falta definir

Mas como a maioria dos ministros já entendeu, no fim de 2020, que o fim do prazo não leva à soltura automática, surgiu uma outra dúvida, foco da ação da AMB. Trata-se de saber basicamente se a reavaliação deve ser realizada sucessivamente do início ao fim do processo, em todas as instâncias judiciais, e a qual magistrado caberia essa reanálise.

A lei diz que a revisão cabe ao “emissor da decisão” que decretou a prisão preventiva. Em geral, trata-se de um juiz de primeira instância, que conduziu o início da investigação. Mas pode ser também um desembargador de segunda instância ou ministro de tribunal superior, naqueles casos em que o preso tem foro privilegiado.

Em seu voto, o ministro Edson Fachin, seguindo o pedido da AMB, entendeu que essa revisão só deve ser feita pelo magistrado responsável pelo caso no início. Depois que ele subir para uma instância superior, não precisaria mais ser feita – nessa situação, a pessoa presa preventivamente só poderia se valer de um habeas corpus para tentar obter a liberdade.

Trata-se de uma interpretação mais restritiva da revisão da prisão preventiva, e que tem diversos precedentes no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Nesses julgamentos, vários ministros alertaram para os riscos de estender a revisão ao longo de todo o processo.

Em 2020, a Quinta Turma do STJ apontou dificuldades para os tribunais de segunda instância ou superiores se manterem atualizados sobre a situação do réu no momento de fazer a reavaliação. Isso porque, em geral, eles estão distantes do juiz que decretou a prisão, o que poderia levar a “uma apreciação equivocada sobre a necessidade da prisão cautelar”.

“Por exemplo, a fuga do estabelecimento prisional – fundamento bastante para a manutenção do encarceramento provisório – poderia ser informada tardiamente ao desembargador relator”, afirmou, no julgamento, o ministro do STJ Ribeiro Dantas.

Em outro julgamento no STJ, a ministra Laurita Vaz disse que a revisão em todas as instâncias imporia aos tribunais, “todos abarrotados de recursos e de habeas corpus, tarefa desarrazoada ou, quiçá, inexequível”.

A brecha aberta no julgamento do STF

No atual julgamento do STF, no entanto, já existe pelo menos um voto defendendo a necessidade de revisar a prisão preventiva ao longo de todo o processo. Ele partiu do ministro Gilmar Mendes, que propôs, precisamente, a possibilidade de todas as instâncias revisarem a medida a cada 90 dias, dependendo de onde se encontrar o processo.

Assim, se o caso já saiu da primeira instância, e subiu para um Tribunal de Justiça (TJ), por exemplo, caberia ao desembargador do processo reavaliar a necessidade de prisão preventiva. Se o caso já tiver chegado ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou ao Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro responsável por ele faria a nova análise, sempre a cada três meses.

E é essa revisão nos tribunais superiores, por um ministro que não cuidou do caso em suas fases iniciais e que, portanto, não foi responsável pela coleta direta das provas, como o juiz originário, que preocupa membros do Ministério Público que lidam com o combate ao crime.

“A revisão de prisões a cada 90 dias foi criada pelo legislador impondo a obrigação exclusivamente ao juiz que decretou a prisão cautelar. Aliás, isso foi também objeto de deliberação pelo plenário do STF na SL 1395 [caso André do Rap]. Ampliar a revisão nonagesimal para outros graus de jurisdição é criar algo que o legislador expressamente não fez. O projeto do novo Código de Processo Penal em andamento prevê prazos para diversos graus de jurisdição. Mas isso não foi aprovado. E não cabe ao STF, em minha opinião, ampliar o que não está na lei, respeitosamente”, disse à Gazeta do Povo o procurador regional da República Douglas Fischer, professor de Direito Penal e de Direito Processual Penal.

É o que também diz a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) na ação.

“Tal entendimento acaba por conferir um direito aos réus que a lei não previu, pois passaram a ter o direito de exigir a revisão da ordem de prisão preventiva a cada 90 dias durante o trâmite também dos recursos ordinário [apresentados à segunda instância], especial [STJ] e extraordinário [STF]”, diz a ação.

A justificativa de Gilmar Mendes

Em seu voto, para justificar a necessidade de levar a revisão aos tribunais superiores, Gilmar Mendes criticou o “excesso de prazo” em prisões preventivas, “casos em que, por uma patologia do próprio sistema penal, indivíduos permanecem por longo período de tempo em prisão preventiva de forma injusta, desproporcional e injustificada”.

Isso seria causado, segundo ele, por um “déficit de cuidado e atenção” por parte de juízes que decretam as prisões nas instâncias inferiores.

“Não se pode ignorar que, de acordo com dados atualizados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), temos uma população carcerária de 773.151 indivíduos, dentre os quais aproximadamente 33% estão em prisão provisória”, destacou em seu voto.

Nos últimos anos, o ministro tem se notabilizado pela soltura de vários réus famosos presos na Operação Lava Jato e em outros casos de corrupção. Um fundamento comum usado por ele é que, passado um certo tempo da prisão preventiva, não mais subsistiriam os riscos que a justificaram naquele momento em que ela foi decretada.

No voto do atual julgamento, ele reiterou esse entendimento. Disse que, na reavaliação da prisão preventiva, os magistrados devem aferir se há “contemporaneidade dos fatos”. “Fatos antigos não autorizam a prisão preventiva”, escreveu Gilmar Mendes no voto.

No atual julgamento, que ainda não terminou, o ministro Alexandre de Moraes propôs um meio-termo. A reavaliação só se aplicaria enquanto o processo estivesse na primeira e na segunda instância da Justiça. A partir do momento que um tribunal condenasse a pessoa em segundo grau e, nessa decisão, mantivesse a prisão preventiva, não seria mais necessária a reavaliação periódica da medida, ainda que a pessoa continue recorrendo da condenação.

“Ao considerar-se que o segundo grau já decidiu definitivamente a questão das provas (cognição plena), não há razoabilidade de exigirmos, nesses casos em que já há decisão condenatória de segundo grau – a qual manteve, de forma fundamentada, a prisão cautelar – a obrigatoriedade de continuar promovendo reavaliações periódicas do decreto a cada 90 dias”, escreveu Moraes no voto.

Até o momento, ele já foi seguido pela ministra Rosa Weber e Carmén Lúcia. Faltam votar ainda os ministros André Mendonça, Kassio Nunes Marques, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Luiz Fux.

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