O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) vai retomar nesta quarta-feira (22) o julgamento sobre a validade da prisão após condenação em segunda instância judicial. O Supremo julga três Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) sobre o tema e deve definir um entendimento que passará a valer em todo o país. Há pelo menos três possíveis alternativas de resultados, que vão desde a manutenção do entendimento atual, passando por uma espécie de meio termo, até a determinação de que a prisão para cumprimento de pena só poderá ocorrer após esgotados todos os recursos processuais.
Atualmente, o entendimento do STF é de que a prisão para início do cumprimento de pena pode ocorrer após uma condenação em segunda instância. Foi essa interpretação que levou, por exemplo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à prisão, em abril do ano passado, no caso do tríplex no Guarujá. Além dele, outros condenados em segunda instância na Lava Jato também foram presos para começar o cumprimento da pena.
O argumento para prender após condenação em segunda instância é que a autoria e o cometimento ou não de crime só é discutido até o segundo grau da Justiça. É em primeira e em segunda instância que são analisadas as provas do processo. A partir dos recursos ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) são analisados apenas os ritos processuais, ou seja, se o processo correu dentro da lei, sem nenhuma irregularidade, como descumprimento do princípio da ampla defesa e do contraditório, entre outros.
Mas também há quem argumente que há casos de réus absolvidos em primeira instância que são condenados depois, em segunda instância. Nesses casos, os condenados seriam presos com base na condenação de apenas uma instância da Justiça.
A tendência é que os ministros revejam o atual posicionamento sobre a prisão em segunda instância. O relator das ADCs em julgamento, ministro Marco Aurélio, diz confiar que tem entre seis e sete votos no STF para mudar o entendimento atual. Ele é contra a prisão após condenação em segunda instância e se posicionou desta forma nas cinco vezes em que o tema foi julgado no Supremo desde 2009.
Prisão só depois do trânsito em julgado
Ao rever o entendimento atual, o STF pode retomar a regra que valia entre 2009 e 2016: a prisão para cumprimento de pena só pode ocorrer depois do trânsito em julgado dos processos, ou seja, depois de esgotados todos os recursos. Ao adotar esse entendimento, o STF possibilitaria que cerca de 5 mil presos no Brasil fossem colocados em liberdade. Esse é o número de presos detidos apenas com base em uma condenação em segunda instância, segundo dados oficiais do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Na Lava Jato, parte dos presos também pode ser liberada se esse for o entendimento que prevalecer no julgamento do STF. Entre eles está o ex-presidente Lula, que cumpre a pena no caso do tríplex no Guarujá na Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba. O caso ainda tem recursos pendentes no próprio Supremo. Entre eles, a suspeição do ex-juiz federal Sergio Moro, que pode anular a condenação em primeira instância.
A defesa de Lula também aguarda o julgamento de um recurso que pede a suspeição da força-tarefa da Lava Jato. Se o recurso for concedido, tudo que os procuradores fizeram no processo de investigação do petista pode ser anulado.
Prisão após condenação em terceira instância
Uma solução intermediária que pode ser adotada pelo STF, mas que tem perdido força nas últimas semanas, é a autorização para prisão após o processo terminar de tramitar no STJ. A proposta já foi feita pelo presidente do STF, Dias Toffoli, em um julgamento sobre o tema. Toffoli tem votado contra a prisão em segunda instância nos últimos três julgamentos envolvendo a questão, mas admitiu tolerar a autorização para prisão em terceiro grau. A tendência é que caiba a ele o desempate do julgamento desta semana.
Não há números oficiais que estimem o impacto desse entendimento do STF. Na Lava Jato, o ex-presidente Lula, por exemplo, não seria beneficiado porque já teve seu recurso no processo do tríplex julgado pelo STJ.
Mas o petista, que já pode progredir para o regime semiaberto, poderia ser beneficiado nos outros processos da Lava Jato. Se deixar a prisão para progressão de regime, o petista só poderia ser preso novamente quando o STJ terminasse de julgar o caso do sítio em Atibaia, que atualmente está aguardando julgamento em segunda instância.
Prisões preventivas não serão afetadas com julgamento sobre prisão em segunda instância
No final do ano passado, depois que Marco Aurélio concedeu uma liminar para libertar todos os presos em segunda instância do país, o CNJ divulgou um levantamento em que dizia que a medida poderia beneficiar 190 mil presos. A liminar foi suspensa por Toffoli no mesmo dia.
Neste ano, o CNJ corrigiu a informação. Segundo o órgão, o levantamento anterior levava em conta os presos sem condenação com trânsito em julgado, mas uma filtragem nos dados mostrou que 185 mil pessoas tinham mandado de prisão preventiva e não seriam afetadas com uma decisão do STF de proibir prisão em segunda instância.
Os dados divulgados pelo CNJ foram criticados por advogados no primeiro dia de julgamento das ADCs, na semana passada. Os advogados argumentaram que o CNJ tentou criar uma sensação de impunidade que não é real.
Atualmente, a legislação prevê que há casos em que alguém pode ser preso antes de uma condenação. São as chamadas prisões preventivas, que são utilizadas, inclusive, em alguns casos da Lava Jato. Era comum nos processos da operação que o ex-juiz Sergio Moro determinasse a prisão preventiva dos condenados.
Entre os critérios para prisão preventiva estão o investigado representar risco à ordem pública ou econômica, tentar influenciar testemunhas, buscar atrapalhar investigações ou risco de fuga. O julgamento em curso no STF não vai alterar essas previsões e a decisão vai valer apenas para aqueles que estiverem presos exclusivamente por causa de uma condenação em segunda instância.
O que diz a Constituição sobre prisão em segunda instância
O texto constitucional diz, em seu artigo 5º, inciso LVII, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Este é o ponto central da divergência, que será resolvida pelo STF.
Quem é contra a prisão em segunda instância argumenta que ela fere o princípio da presunção de inocência, garantido no inciso LVII. Já quem é a favor, argumenta que a culpa não é discutida em instâncias como STJ e STF, que apenas analisam ritos processuais. A culpa, segundo esse argumento, só seria determinada nos julgamentos em primeira e segunda instância, em que se discutem as provas colhidas nas ações penais.
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Trâmite do julgamento no STF
A sessão no STF será retomada na quarta-feira com a sustentação oral de mais dois advogados que representam entidades interessadas na causa. Em seguida, será a vez de fala da Advocacia-Geral da União, seguida pela Procuradoria-Geral da República.
O ministro Marco Aurélio, relator das ADCs, é o primeiro a votar. Em seguida votam os demais ministros, nesta ordem: Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Carmen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Dias Toffoli.
As três ADCs em julgamento foram ajuizadas pelo antigo PEN (atual Patriota), PCdoB e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O Patriota pede, na ADC, que seja reconhecida a "legitimidade constitucional da recente opção do legislador de condicionar o início do cumprimento da pena de prisão ao trânsito em julgado da sentença penal condenatória".
Já o PCdoB argumenta que "um número considerável de prisões – na forma de antecipação de pena – vem sendo decretado pelos mais diversos tribunais do país de forma incompatível com a extensão da garantia da presunção de inocência, tal como definido atualmente pela maioria desse excelso STF". O partido entende que, mesmo que a prisão em segunda instância seja autorizada pelo Supremo, ela não deve ser automática e deve ser fundamentada caso a caso, observando os requisitos necessários para prisão preventiva.
Por fim, a OAB pede do STF uma definição do "alcance e âmbito de incidência dos princípios da presunção de inocência e da ampla defesa".