O Supremo Tribunal Federal (STF) julga nesta quarta-feira (20) se órgãos de controle, como a Unidade de Inteligência Financeira (UIF - antigo Coaf) e a Receita Federal, podem compartilhar dados detalhados de fiscalização com o Ministério Público sem autorização judicial. O julgamento terá impacto em um total de 935 investigações, segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR). O caso mais rumoroso é o que investiga o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) pela prática de “rachadinha”, ou seja, apropriação do salário de servidores do gabinete quando ele era deputado estadual.
Em julho, o presidente do STF, Dias Toffoli, atendeu a um pedido da defesa de Flávio e paralisou todas as investigações do país com base em dados obtidos por órgãos de controle. Segundo a PGR, a decisão resultou na paralisação de pelo menos 935 inquéritos policiais, procedimentos investigatórios criminais e ações penais que tramitam com a atuação do Ministério Público Federal.
O argumento para proibir o compartilhamento dos dados é que esta seria uma artimanha para driblar a necessidade de autorização judicial para quebra de sigilo fiscal e bancário de investigados. A PGR destaca que a elaboração e o compartilhamento com o MP dos informes de inteligência financeira, assim como o envio de representações criminais por outros órgãos de controle, encontram respaldo na legislação brasileira e em recomendações do Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (Gafi), organismo internacional formado por países-membros da OCDE e outros associados.
Recentemente, Toffoli pediu ao Banco Central que encaminhasse ao Supremo cópia de todos os relatório produzidos pela UIF nos últimos três anos. Com isso, o presidente do STF teria em mãos dados sigilosos de cerca de 600 mil pessoas físicas e jurídicas. Depois da polêmica causada pela determinação, Toffoli voltou atrás.
PGR alega que julgamento pode prejudicar relações externas do Brasil
Em manifestação encaminhada ao STF, o procurador-geral da República, Augusto Aras, manifestou preocupação com as consequências do julgamento “para a política econômica do Brasil, sobretudo nas relações externas”.
Para Aras, a UIF atua no âmbito do dever do Estado de promover segurança nacional por meio do enfrentamento de crimes como narcotráfico e lavagem de dinheiro. O PGR alega também que, assim como as colaborações premiadas, os relatórios de inteligência financeira não constituem, isoladamente, meios de prova. Por fim, Aras garante que nenhum agente público tem acesso amplo e irrestrito a dados de inteligência, sendo obrigatória a identificação da autoridade em cada consulta.
Para Aras, condicionar o envio de relatórios detalhados ao Ministério Público e à polícia à prévia autorização judicial é subverter a lógica de funcionamento das Unidades de Inteligência Financeira, descumprir os padrões internacionais de combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo e tornar provável a inclusão do Brasil como um país “non compliant”, que desobedece as recomendações e acordos internacionais de combate à macrocriminalidade.
“O enfraquecimento do microssistema brasileiro antilavagem debilitará a capacidade do Brasil de reagir a crimes graves. Isso, ironicamente, interessa não aos cidadãos – titulares do direito ao sigilo discutido nestes autos –, mas sim àqueles que praticam os crimes que mais prejudicam a sociedade brasileira”, sintetiza o PGR em um memorial entregue nesta terça-feira (19) aos ministros do Supremo.
Outro aspecto detalhado no memorial são as consequências que o eventual descumprimento das recomendações do Gafi poderão causar ao Brasil. Entre os reflexos, estão a inclusão do Brasil em listas de países com deficiências estratégicas, a aplicação de contramedidas impostas pelo sistema financeiro dos demais países, podendo chegar à sua exclusão do Gafi, do G-20, do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial.
"Esse tipo de sanção pode ter relevância na aferição dos riscos para investimentos no Brasil e para a checagem da credibilidade de seu mercado. Assim, para além de danos político-diplomáticos, as consequências de impacto imediato são relacionadas a restrições econômico-financeiras ao país", adverte o PGR.
OCDE acompanha de perto a questão
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) também acompanha o caso de perto e já alerta para possíveis prejuízos no combate à corrupção no país.
Em missão no Brasil para avaliar possíveis riscos no combate a corrupção, um grupo de trabalho da OCDE demonstrou preocupação com decisões como a tomada por Toffoli em julho, que paralisou as investigações iniciadas com base em dados de órgãos de controle.
Se a decisão de Toffoli for mantida no julgamento de quarta-feira (20), segundo o presidente do grupo antissuborno da OCDE, o esloveno Drago Kos, "serão necessárias medidas mais fortes". "Ainda vamos pensar no que fazer, mas a nossa reação vai ser forte", disse Kos, em entrevista coletiva na semana passada. Ele chegou a ter uma conversa com Dias Toffoli sobre o tema.
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