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Julgamento das emendas de relator

STF tem placar de 5 x 4 para extinguir orçamento secreto; decisão fica para 2ª-feira

Futuro das emendas de relator agora depende dos votos de Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes (Foto: Carlos Alves Moura/STF)

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O Supremo Tribunal Federal (STF) deu continuidade nesta quinta-feira (15) ao julgamento do chamado “orçamento secreto” com os votos de mais oito ministros. O placar de momento é de cinco votos para acabar com as emendas de relator – instrumento que oculta a origem e o destino de verbas federais distribuídas por parlamentares a estados e municípios – e quatro para manter essa rubrica no Orçamento da União, porém com mais transparência e critérios fixos de divisão dos recursos entre deputados e senadores.

Como ainda não há maioria de seis votos entre os 11 ministros da Corte, a constitucionalidade do orçamento secreto segue indefinida. O julgamento foi suspenso quando faltavam ainda dois votos a serem proferidos – dos ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes –, e a decisão ficará para segunda-feira (19), último dia de sessão do STF antes do recesso de fim de ano.

O tema interessa diretamente ao Congresso, que defendeu a manutenção das emendas de relator, e especialmente ao Centrão, grupo de partidos que mais se beneficiou dessas verbas durante o governo do presidente Jair Bolsonaro e que tem interesse em manter o controle sobre esses recursos na nova gestão do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Neste ano, foram reservados R$ 16,5 bilhões para as emendas de relator; em 2023, R$ 19,4 bi.

O julgamento no STF começou na semana passada, com partidos opositores (PSB, PV, PSOL e Cidadania), de um lado, defendendo a extinção do mecanismo, e Congresso, Advocacia-Geral da União (AGU) e Procuradoria-Geral da República (PGR), defendendo sua manutenção, mas com regras mais transparentes e critérios de divisão mais claros das verbas.

Relatora da ação, Rosa Weber votou pela extinção na sessão de quarta. Lembrou de escândalos históricos de corrupção envolvendo emendas parlamentares. Depois, argumentou que, no caso das emendas de relator, a falta de transparência compromete a fiscalização da correta aplicação dos recursos, e a falta de critérios, prejudica a qualidade dos gastos, que passam a atender mais interesses eleitorais e paroquiais que políticas nacionais.

“As emendas do relator foram consignadas no orçamento da União em favor de um grupo restrito e incógnito de parlamentares, encobertos pelo véu da rubrica RP-9. Apenas o relator figura no plano formal como ordenador das despesas, enquanto os verdadeiros autores das indicações preservam o anonimato. Não apenas a identidade dos efetivos solicitadores, mas também o próprio destino desses recursos acha-se recoberto por um manto de névoas. Isso porque não há efetiva programação orçamentária. As dotações consignam elevadas quantias vinculadas a finalidades genéricas vagas e ambíguas”, disse.

Seguiram Rosa Weber, na sessão desta quinta, os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia, no sentido de acabar com a RP-9, sigla da emenda de relator.

Divergiram, em maior ou menor extensão, os ministros André Mendonça, Kassio Nunes Marques, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli. Todos admitiram a manutenção da RP-9, mas sob determinadas regras.

Mendonça e Marques exigiram mais transparência, no sentido de que sejam informados publicamente todos os parlamentares que reservarem recursos e os estados e municípios que receberem. Moraes e Toffoli foram além: não só exigiram publicidade, mas também critérios de divisão – o primeiro disse que as fatias devem seguir o tamanho das bancadas partidárias no Legislativo; o segundo recomendou que o destino das verbas deve atender à “programação estratégica e as prioridades do país”.

Como votou cada ministro no julgamento do orçamento secreto

Primeira a votar, na sessão de quarta, Rosa Weber não só propôs o fim do uso das emendas de relator por outros parlamentares – inclusive a indicação por “usuários externos”, que ocultam o deputado ou senador responsável – como também propôs que os ministérios do Executivo, que operam as despesas, deixem de aplicar essas verbas. Quanto a pagamentos já realizados, votou para que os órgãos informem, em até 90 dias, serviços, obras e compras realizadas, identificando os parlamentares solicitadores e os municípios e estados beneficiados.

Na sessão desta quinta, André Mendonça abriu a divergência. Ele rechaçou que haja desvio de finalidade nas emendas de relator – regimentalmente, elas só servem para corrigir erros – argumentando faz parte da cultura de elaboração do orçamento seu uso para outros fins. “Entendo tratar-se de grande equívoco desconsiderar a tradição constitucional brasileira a endereçar um problema republicano dessa magnitude”, disse. Ao fim, propôs apenas que se dê mais transparência aos pedidos, destinos e critérios de rateio das indicações.

Kassio Marques seguiu na mesma linha e até colocou em dúvida a alegação de que as emendas favoreçam o Centrão. “Observadas as petições iniciais, sequer são especificadas quais foram as emendas que favoreceram certos grupos parlamentares. Tudo está num contexto argumentativo bastante vago, e basicamente preso a uma reportagem que investigou despesas realizadas em prefeituras”, disse. Depois, afirmou que a forma de distribuição dos recursos é “interna corporis” do Congresso e votou para que em 30 dias regras de maior transparência sejam implementadas, com garantias de “comparabilidade e rastreabilidade”.

Alexandre de Moraes reconheceu a competência do Legislativo para dar a palavra final sobre o Orçamento, desde que haja transparência, eficiência e isonomia na aplicação dos recursos. “Não é possível que não se identifique quem propôs. O dinheiro é público e a população tem direito de saber quem indicou, a origem, e o destino, para quem indicou. Só se informava quando ia executar a emenda. A falta de transparência gerou ausência de controle e gerou deturpações”, disse. Propôs que a divisão entre parlamentares no Congresso, além de transparente, seja feita conforme o tamanho da maioria, da minoria e das bancadas.

Edson Fachin seguiu integralmente Rosa Weber. “O que estamos tratando é de uma alocação racional dos recursos nacionais, que deve ser levada à efeito à luz da Constituição, portanto racionalmente, com a objetiva cognoscibilidade de quem propõe e para onde vai. A RP9 presta contas à origem e ao destino? A resposta é negativa. Esse indicar, especialmente quanto ao destino, não cumpre as regras constitucionais”, afirmou.

Luís Roberto Barroso adotou a mesma posição, de acabar com as emendas de relator. “O orçamento não pode ser secreto em nenhuma das suas dimensões. Ademais, há excesso de discricionariedade. Não é possível que uma pessoa seja responsável pela alocação de R$ 21 bilhões do Orçamento. Simplesmente não é uma discricionariedade aceitável em uma democracia, não é compatível com o princípio representativo nem com o republicano. Vislumbro ainda uma violação da separação de poderes. As emendas de relator, nessa moldura, desinstitucionalizam essa relação e restabelecem um toma-lá-dá-cá.”

Luiz Fux também votou pela derrubada das emendas de relator, destacando a falta de transparência. “Estou aderindo a essa posição unívoca de que não há fundamento constitucional. Se estamos no campo da interpretação restrita, poderíamos sintetizar o voto com uma frase só: com o orçamento público, o segredo não é a alma do negócio”, disse.

Dias Toffoli votou pela manutenção das emendas de relator, mas com transparência e critérios de divisão diferentes dos propostos por Moraes, focados na destinação das verbas. Caberia ao Executivo indicar programas estratégicos e projetos prioritários para aplicação das verbas. Cada cidade teria um limite a receber: não mais que metade das verbas que capta no Fundo de Participação dos Municípios. “As emendas parlamentares destinadas ao atendimento local devem ter papel subsidiário no planejamento nacional e não podem inviabilizar as políticas públicas para atendimento de todo o território nacional, segundo indicadores populacionais e socioeconômicos”, afirmou.

Cármen Lúcia votou pelo fim das emendas de relator criticando a falta de transparência. “São chamadas de emendas do relator, mas não são só do relator. Não é possível se adotar emenda com barriga de aluguel. Quem é o responsável por isso? Quem indicou, para quem indicou, qual a finalidade, qual o destino? [A publicidade] é uma exigência de regra, específica, voltada ao orçamento, que proíbe, que impede, que não valida qualquer segredo nessa matéria. O secreto de um orçamento é rigorosamente, fragorosamente, exemplarmente, modelarmente contrário ao que está nessa regra constitucional”, disse.

Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes não votaram, mas fizeram ponderações sobre o tema. O primeiro disse que precisaria analisar melhor votos dos ministros e uma proposta do Congresso, submetida ao STF, para dar mais transparência às emendas. O segundo disse que as emendas de relator sempre existiram, mas em 2020 passaram a ser usadas para recompensar parlamentares que votam a favor do governo. “Em questão está a questão da governabilidade. Embora seja fácil tecnificar o discurso e dizer que o ideal era ter um algoritmo para distribuição dos recursos, mas não é assim que ocorre, aqui ou alhures”, afirmou.

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