Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) se reunirão às 14 horas desta quarta-feira (7), no plenário, para analisar o mérito de três ações de inconstitucionalidade contra as emendas de relator, nome técnico que se dá às indicações de parlamentares no Orçamento da União para direcionar verbas públicas a obras, serviços e políticas públicas em suas regiões. Por causa da baixa transparência dos repasses e critérios desiguais de distribuição entre deputados e senadores, essas indicações ficaram popularmente conhecidas como “orçamento secreto”.
As emendas de relator (tecnicamente chamadas de RP-9) começaram a ser executadas em 2020 e hoje são controladas principalmente pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Eles são acusados de dar preferência na distribuição das verbas aos que votam no Parlamento conforme seus interesses e também em matérias prioritárias para o governo do atual presidente Jair Bolsonaro (PL) – cabe aos ministérios do Executivo tocar os programas abastecidos com as verbas das emendas.
As ações a serem julgadas no STF foram ajuizadas pelo Cidadania, pelo PSB e pelo Psol. Todos eles argumentam que as emendas de relator não só afrontam os princípios de publicidade e transparência exigidos da administração pública, mas também aos preceitos de impessoalidade, eficiência e moralidade.
Não é apenas difícil e incerto saber qual parlamentar indicou determinado montante para alguma localidade, mas também como anda a execução daquela medida. Levantamentos com os dados disponíveis e reportagens já mostraram má gestão dos recursos ou suspeitas de desvios, com indícios de superfaturamento e alocação do dinheiro para compras ou serviços que não beneficiam a população, além de possíveis fraudes para direcionar mais recursos para determinados municípios com base em números duvidosos. Tudo isso numa distribuição que beneficia mais políticos aliados de Lira ou de Bolsonaro.
Em novembro do ano passado, a ausência de dados públicos sobre a origem e o destino das verbas levou a ministra Rosa Weber, atual presidente do STF e relatora das ações, a suspender o repasse das emendas de relator, no que foi apoiada pela maioria dos colegas. Lira e Pacheco então editaram normas internas para informar com mais exatidão os dados da execução futura das emendas, e pedindo aos parlamentares que informassem quais verbas direcionaram no passado, de 2020 a 2021, para suas bases eleitorais. No mês seguinte, a pedido deles, Rosa Weber liberou novamente a execução, sob o argumento de que a paralisação dos repasses prejudicaria políticas públicas de saúde e desenvolvimento regional.
Ainda assim, o uso político das emendas de relator permaneceu. Em setembro último, a menos de um mês do primeiro turno, Bolsonaro liberou R$ 5,6 bilhões da rubrica. No fim de novembro, o presidente bloqueou R$ 7,8 bilhões, dos R$ 16,5 bi previstos para este ano, após Lira se reunir com o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva e garantir apoio do PT para sua reeleição no comando da Câmara em 2023. E é com base na falta de transparência e de critérios claros na distribuição das verbas, conforme interesses obscuros, para obras pouco fiscalizadas, que o STF pode acabar de vez com o mecanismo.
Antes mesmo da eleição, e independentemente de seu resultado, boa parte dos ministros já cogitava declarar a inconstitucionalidade das emendas de relator. Caso Bolsonaro fosse reeleito, ele teria que arranjar meio mais transparente para obter apoio do Centrão, grupo de partidos fisiológicos que aderiu ao presidente e passou a ter forte influência no Executivo. O mesmo se aplicaria a Lula, que ademais, passou a campanha criticando a prática.
Assim como antes, o entorno de Lula no PT ainda avalia que o fim das emendas de relator devolverá ao presidente mais poder de manejar o orçamento e negociar a liberação de verbas, sem ficar refém de Lira, Pacheco ou quem vier a se eleger para presidir as duas Casas do Congresso. Na prática, é uma forma de tirar poder do Centrão no Parlamento. Em razão disso, parlamentares desse grupo já começaram a reagir.
O atual líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), por exemplo, defende explicitamente que a proposta de emenda à Constituição (PEC) em negociação pela equipe de transição de Lula, para liberar até R$ 200 bilhões extras para o novo governo fora do teto de gastos, contemple a continuidade das emendas de relator. Além de dar mais “segurança jurídica” aos repasses, barraria o “ativismo judicial” do STF no tema. “Puro ativismo político. Se vai estar escrito na PEC, vai estar constitucionalizado, portanto a discussão fica desnecessária no STF”, disse o deputado em entrevista à CNN na última segunda-feira (5).
Crítico ferrenho do orçamento secreto, o senador Alessandro Vieira (PSDB-SE) entende que elas devem ser eliminadas de vez pelo STF e que, se Lula usar de artifício semelhante para conseguir apoio no Congresso, outra vez a Corte deverá ser acionada.
“Tenho apontado a inconstitucionalidade não só pela falta de transparência, mas porque não pode ter distribuição de recurso público por critério puramente politiqueiro. O novo governo naturalmente vai fazer uma base de sustentação no Congresso com compartilhamento de poder, o que é natural. Mas não poderá se valer de um mecanismo como orçamento secreto, até porque prometeu isso na campanha, atacando-o”, disse à Gazeta do Povo.
Novo aponta falta de transparência e distribuição política
Embora tenha vários deputados que apoiem o governo Bolsonaro e seja minoritário na Câmara, o partido Novo tem criticado com veemência o orçamento secreto. Em julho, a legenda encaminhou ao STF um balanço dos pagamentos, com base no que foi informado pelo Congresso a partir das normas criadas para dar mais transparência.
Dos R$ 37 bilhões reservados para as emendas de relator, 69% não tiveram destino informado ao STF, segundo levantamento realizado pelo Novo, e quase um terço dos parlamentares não informaram se e como usaram as verbas. Muitos dos que prestaram contas, fizeram de forma não padronizada, de modo a dificultar a clareza nas informações.
“Alguns parlamentares enviaram dezenas de ofícios, segregando indicações diferentes em documentos distintos; outros encaminharam listagens extensas sem apresentar totais e subtotais, o que facilitaria o processo de análise das informações; outros deixaram de mencionar os valores das emendas apoiadas, limitando-se a trazer o seu código; outros se limitaram a falar da importância das emendas na realidade socioeconômica; e outros enviaram ofícios em formatos incompatíveis com processos”, relatou o partido.
O Novo ainda constatou que seis partidos políticos (PP, PL, PSD, União, Republicanos e MDB) concentram 85% dos recursos, ainda que não ocupem essa fatia nas cadeiras do Congresso. “Parlamentares que integram a base governista indicaram, em média, duas vezes mais que congressistas de legendas independentes e dez vezes mais do que aqueles que integram a oposição”, verificou o partido.
Em média, deputados governistas conseguiram R$ 28 milhões em emendas de relator; independentes, R$ 13,1 milhões; e de oposição, R$ 3,3 milhões. Senadores aliados do governo levaram R$ 83,8 milhões em média; independentes, R$ 17,7 milhões; e de oposição, R$ 3,7 milhões.
Entre os estados, o critério também não é isonômico ou conforme as necessidades. “As emendas RP-9 fizeram com que o gasto destinado à população do Ceará fosse, proporcionalmente, quarenta vezes menor do que o destinado a Roraima, ainda que tenham renda e índices de IDH inferiores”, exemplifica o partido.
Ministros do STF podem se dividir no julgamento do orçamento secreto
Ainda que a tendência seja que a maioria do STF declare a inconstitucionalidade das emendas de relator, alguns ministros, com relações políticas mais azeitadas, podem defender sua continuidade, desde que atendidos critérios transparentes e razoáveis.
No ano passado, sete ministros acompanharam Rosa Weber na decisão de liberar novamente a execução das verbas. Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Luiz Fux, Luís Roberto Barroso e Kassio Nunes Marques votaram pela retomada, usando principalmente o argumento de que os recursos são aplicados em políticas públicas necessárias e que o Congresso havia se esforçado por dar mais transparência aos dados.
“O contexto fático em que se deu a decisão [de suspender os pagamentos] permanece o mesmo e que a paralisação imediata das fases de execução das despesas RP9 afetaria de forma indesejada a continuidade da prestação de serviços públicos em setores essenciais à população, como saúde e educação”, afirmou Gilmar Mendes no voto.
“O Congresso Nacional reconhece e assume o ônus de dar ampla divulgação e satisfação à sociedade e aos órgãos de controle sobre toda a informação disponível e relevante para a compreensão da realidade das emendas do relator, como também assume o compromisso de evoluir para melhores práticas de deliberação da matéria”, escreveu Alexandre de Moraes.
Nunes Marques disse que não era o caso de “rechaçar linearmente as práticas antes adotadas”, porque estavam baseadas em normas internas do Congresso. “Tais procedimentos, conforme se verifica das informações ora prestadas, vieram a atender amplo rol de municípios e partidos políticos, dentro da mais estrita razoabilidade na distribuição dos recursos públicos”, escreveu o ministro, indicado ao STF por Bolsonaro por influência do Centrão.
As emendas de relator não estão previstas na Constituição, nem são de execução obrigatória, como são as individuais – em que cada parlamentar tem direito a um valor igual, mas pequeno – e as de bancadas estaduais – indicadas por parlamentares de uma mesma unidade da federação para obras de maior vulto.
Previstas no regimento interno do Congresso, as emendas originalmente eram um instrumento do relator para corrigir omissões ou fazer ajustes técnicos no Orçamento, e tinham valor baixo. A partir de 2020, passaram a ser usadas para recompensar líderes e parlamentares influentes em razão da aprovação de matérias de interesse de Lira e Bolsonaro, ficando conhecidas como orçamento secreto.
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