O ministro do STF Luís Roberto Barroso.| Foto: Nelson Jr./STF
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Assim como Luís Roberto Barroso, vários outros ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) já criticaram partidos e políticos, mas nunca foram fiscalizados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Barroso disse na noite desta quarta (12) que enfrentou e derrotou o “bolsonarismo”. A declaração foi dada após ele ser vaiado por um grupo de estudantes na abertura do 59º Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE).

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Isso ocorre porque os ministros do STF não estão submetidos ao CNJ, pois podem julgar seus atos. Em tese, caberia aos próprios ministros fiscalizar a conduta uns dos outros, seguindo o que diz a legislação, mas isso nunca ocorreu na Corte.

Outra medida mais drástica, já anunciada por parlamentares aliados de Bolsonaro, é a apresentação de um pedido de impeachment contra Barroso no Senado. A base é o artigo 39 da Lei do Impeachment, que elenca como crimes de responsabilidade dos ministros do STF “exercer atividade político-partidária” e “proceder de modo incompatível com a honra dignidade e decoro de suas funções”.

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Alguns advogados consultados pela reportagem entendem que não seria o caso.

André Marsigilia, especialista em liberdade de expressão, entende que a Constituição e as demais regras proíbem as atividades formais dentro de um partido ou agremiação política, mas não manifestações verbais em favor ou contra um político, movimento ou ideologia. “Porque isso é resguardado aos magistrados ou qualquer agente público pela Constituição, pela liberdade de expressão garantida pela Constituição”, diz, em referência ao direito fundamental do artigo 5º, inciso IV, segundo o qual “é livre a manifestação do pensamento”.

Por isso, para ele, Barroso tem direito de se manifestar contra Bolsonaro. Como ocupa um cargo de juiz, no entanto, o advogado considera que o ministro, por causa de manifestações como essa, não poderia julgar o ex-presidente, nem pessoas ligadas a ele.

De qualquer modo, ele diz discordar do entendimento que hoje prevalece no CNJ que pune juízes por suas opiniões políticas. “Tenho divergência, mas para o CNJ, se ele for coerente, a atitude do Barroso seria passível de punição. Não é a minha visão, mas vem sendo a dos conselheiros”.

A professora de direito Janaina Paschoal também considera que não é caso de impeachment. “Quando me formei, havia mesmo uma vedação absoluta para qualquer tipo de manifestação por parte dos magistrados. Sou dessa época mais conservadora. No entanto, com o passar do tempo, pelo próprio perfil dos ministros do STF, essa realidade se alterou. Eu compreendo a indignação com a fala do ministro, penso que ele deveria ter evitado, mas não vejo elementos suficientes para impeachment. O que me incomoda não é o ministro falar o que sente e não ser punido. O que me incomoda é saber que magistrados à direita vêm sendo aposentados compulsoriamente por expressarem suas opiniões. Defendo a liberdade de expressão e manifestação, inclusive para os magistrados, à direita e à esquerda”, afirmou.

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Por outro lado, a juíza aposentada Ludmila Lins Grilo, afastada definitivamente do cargo por críticas ao inquérito das fake news do STF, entende que a declaração de Barroso viola a Constituição e a Lei do Impeachment.

“Ao dizer que ‘nós derrotamos a censura, a tortura e o bolsonarismo para permitir a democracia e a manifestação livre de todas as pessoas’, Barroso está associando uma preferência político-partidária (que ele chamou de "bolsonarismo") a iniquidades como a censura e a tortura, o que significa exercer um juízo depreciativo de mérito sobre uma liderança político-partidária. Isso configura manifestação político-partidária vedada a magistrados pela Constituição”, argumenta.

“No caso de um membro do STF, isso significa ainda, além de uma violação funcional, um crime de responsabilidade, na forma da Lei 1.079/50, a ser julgado pelo Senado, cuja consequência é a perda do cargo (impeachment)”, acrescenta a juíza aposentada.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, a quem cabe abrir pedidos de impeachment de ministros, disse que a fala de Barroso “foi muito inadequada, inoportuna e infeliz” e que ele deveria pedir uma retratação. De qualquer modo, não falou sobre impeachment.

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“A arena política se resolve com as manifestações políticas e com a ação política dos sujeitos políticos. Um ministro do Supremo Tribunal Federal, evidentemente, deve se ater a seu cumprimento constitucional de julgar aquilo que é demandado. A presença do ministro, num evento de natureza política, com uma fala de natureza política, é algo que reputo infeliz, inadequado e inoportuno. E o que espero é que haja, por parte do ministro Luís Roberto Barroso, uma reflexão em relação a isso e, eventualmente, uma retratação”.

Outros analistas se manifestaram nas redes considerando que, no mínimo, a frase de Barroso é imprópria.

Pelo Twitter, o juiz Marcelo Bretas afirmou que não seria justa uma competição futebolística na qual um juiz dissesse “nós derrotamos o Corinthians”.

Gustavo de Almeida Ribeiro, defensor público federal e que advoga para vários dos presos pela invasão das sedes dos Poderes no 8 de janeiro junto ao STF, também fez um paralelo com o mundo do futebol.  “‘Nós derrotamos’. Ele é jogador ou torcedor do time que venceu? E depois julga os adversários que participaram dos atos do dia 08/01?”, postou.

Adriano Soares da Costa, advogado e autor do livro “Instituições de Direito Eleitoral”, afirmou que “um Supremo Tribunal Federal assumidamente partidário e político é a destruição do Estado Democrático de Direito e da própria democracia”. “Nunca foi tão evidente o viés político desassombradamente declarado por um ministro da Corte Constitucional. Pior: expressando que o STF (‘nós’) derrotou o presidente da República, candidato à reeleição”.

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