Assim que tomar posse na próxima quinta-feira (5) no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Kassio Nunes Marques vai herdar uma série de casos polêmicos, alguns deles de interesse direto do presidente da República, Jair Bolsonaro, ou de seus familiares. Marques será voto decisivo nos processos relacionados à Operação Lava Jato, que tramitam na Segunda Turma do Supremo, conduzirá uma ação que trata da liberdade religiosa e terá que dar fim à sexta ação mais antiga em tramitação no STF.
Kassio Nunes Marques herdará 1,7 mil processos no Supremo Tribunal Federal. Esse é o quinto maior acervo processual entre os atuais integrantes da Corte. Apenas os ministros Marco Aurélio Mello, Edson Fachin, Rosa Weber e o presidente, Luiz Fux, têm mais processos que o substituto de Celso de Mello. Entre estes 1,7 mil processos, estão 232 Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs), 170 habeas corpus e cinco inquéritos.
O novo ministro do STF será, por exemplo, o relator da ADI 6477, impetrada pela Rede Sustentabilidade e que afeta o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ). O partido requer que nas investigações relacionadas ao esquema da “rachadinha” da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) seja aplicada a interpretação dada pelo próprio STF na Ação Penal 937. Na época, o foro privilegiado foi limitado a crimes decorrentes ou ocorridos durante o exercício do mandato. Flávio era deputado estadual na época em que os fatos investigadores teriam ocorrido.
A defesa do senador, por sua vez, tenta em outra ação no Supremo manter o foro privilegiado a Flávio na investigação da rachadinha. Está em tramitação uma reclamação constitucional, cujo relator é o ministro Gilmar Mendes, que vista manter o benefício a Flávio a partir da tese do “mandato cruzado”. Essa tese parte da premissa de que o benefício do foro privilegiado será mantido ao parlamentar mesmo se o ilícito for cometido em outro mandato. Ambos os casos não têm data para ir ao plenário do STF.
Kassio Nunes Marques será relator de ações sobre a Covid-19
Um outro processo que tramita no Supremo e tem interesse direto da Presidência da República é a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 707. O processo, impetrado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Saúde (CNTS), tenta brecar qualquer recomendação, por parte do governo federal, do uso da cloroquina ou hidroxicloroquina em pacientes da Covid-19, em qualquer estágio da doença. A CNTS também quer sustar o fornecimento da droga pela União.
O presidente Jair Bolsonaro é um dos maiores defensores da cloroquina como tratamento para a Covid-19, embora os resultados sobre a eficácia da droga sejam controversos. “O uso da cloroquina e hidroxicloroquina, portanto, era uma hipótese. Foi testada e retestada. Essas drogas se mostraram ineficazes”, argumentam os advogados da CNTS.
Ainda no que tange a políticas relacionadas ao coronavírus, o novo ministro vai relatar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade relacionada a duas leis estaduais (Paraná e Santa Catarina) que proíbem o corte de energia elétrica até o dia 31 de dezembro, por causa da pandemia. E outra que visa tentar conter o avanço da pandemia dentro de estabelecimentos prisionais.
O advogado constitucionalista Adib Abdouni afirma que apesar de Kassio Nunes Marques ter sido indicado pelo presidente da República, a tendência é que ele compartilhe de “significativa parcela da linha de entendimento do decano aposentado”. Assim, para ele, a indicação de Bolsonaro não deve influenciar nos processos de interesse direto do Palácio do Planalto. “Não se acredita que Kassio Marques – que preza pela segurança jurídica e pela colegialidade das decisões – impulsionará em seus votos debates mais fervorosos que ambicionam altear a jurisprudência da Corte Suprema, haja vista sua afeição pela aplicação do sistema de precedentes”, afirmou o advogado.
Já no caso envolvendo Flávio Bolsonaro, o advogado acredita que o novo integrante do Supremo terá posição semelhante aos demais colegas, de limitar as hipóteses relacionadas ao foro privilegiado. “A nosso ver, mostra-se improvável que isso aconteça (ampliação das hipóteses do foro), não só pela coerência da biografia no novo ministro, mas, sobretudo, por sê-lo um defensor dos mecanismos de harmonização da jurisprudência”, complementa.
Novo ministro será decisivo em ações da Lava Jato e relatará caso sobre liberdade religiosa
Entre as ações que terá Kassio Nunes Marques como relator está uma que vai discutir a liberdade religiosa envolvendo fieis da igreja Testemunhas de Jeová.
Em 2019, a então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, ajuizou no STF a ADPF 618 para assegurar às testemunhas de Jeová maiores de idade o direito a não se submeter a transfusões de sangue por motivo de convicção pessoal. Na petição, Dodge afirmou que apesar de a Constituição garantir o direito à vida, cabe ao cidadão comum autorizar se ele se submete ou não a qualquer tipo de tratamento. “Não é possível presumir que um paciente, em caso de risco de morte, abriria mão de sua vida para preservar mandamentos religiosos”, disse na época Raquel Dodge.
Essa não será a primeira vez que Kassio Nunes Marques vai se deparar com o tema. Em 2016, o magistrado concedeu recurso impetrado por uma testemunha de Jeová que foi obrigada, judicialmente, a receber transfusão de sangue pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), que administra hospitais universitários federais. A fiel recorreu ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) para não passar por tal procedimento, mesmo mediante risco de morte.
Já na Segunda Turma do STF, da qual deve fazer parte, Kassio Nunes Marques será voto decisivo em todos os processos relacionados à Lava Jato. O principal deles trata da ação que pede que seja declarada a parcialidade do ex-juiz Sergio Moro no processo do triplex do Guarujá que culminou na condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A turma é composta por Edson Fachin, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski. Pelo Regimento Interno do STF, Kassio Nunes Marques assumirá o lugar de Celso de Mello. Até o mês passado, havia uma articulação para que o ministro Dias Toffoli ficasse no lugar de Mello, porém, esse remanejamento não foi adiante.
Fachin e Cármen são votos contrários à tese de que o ex-juiz agiu de forma parcial. Gilmar e Lewandowski ainda não votaram, mas já indicaram serem a favor da tese dos advogados do petista. Assim, caberá a Kassio Marques o voto decisivo neste caso. Durante a sabatina no Senado, o novo ministro indicou que pode acompanhar a visão de Gilmar e Lewandowski.
Kassio Nunes Marques vai herdar um dos casos mais antigos do STF
Entre o acervo processual que será pelo novo ministro do Supremo, os mais antigos datam dos anos de 1980. São dois processos, mais precisamente: um de 1988 e outro de 1989.
O processo mais antigo que passa para as mãos de Kassio Nunes Marques tramita no Supremo desde setembro de 1988. É uma ação de reintegração de posse, impetrada pelo governo estadual do Espírito Santo contra um estaleiro de Vitória. O governo do estado tenta desde 1972 recuperar a posse de um terreno da Marinha que é ocupado, desde aquela época, por uma microempresa náutica. A ação estava nas mãos do ministro Francisco Resek, depois o processo foi herdado por Celso de Mello e agora irá para o gabinete de Marques. Ou seja, somente no STF, o processo terá seu terceiro relator. Esta é a sexta ação mais antiga em tramitação no tribunal.
Um detalhe curioso desta ação e que simboliza a lentidão da Justiça Brasileira: a empresa autora do processo era a antiga Companhia de Pesca do Espírito Santo (Copesa), companhia mista que surgiu em 1967 e foi liquidada ainda nos anos de 1970. A empresa chegou a ter 75 funcionários, com mais de 50 pescadores contratados.
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