Marcada para começar às 8h desta terça-feira (21), a sabatina do desembargador do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região (TRF-1) Kassio Nunes Marques, indicado ao Supremo Tribunal Federal (STF), tende a ser um mero ato formal – já que a sua aprovação é tida como certa tanto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) quanto no plenário do Senado. Nos bastidores, acredita-se que o desembargador indicado pelo presidente Jair Bolsonaro tenha a seu favor pelo menos 22 votos, dos 27 da CCJ; e 65, dos 80 no plenário da Casa.
Apesar disso, a sabatina será a oportunidade que Kassio Nunes Marques terá para esclarecer, publicamente, alguns pontos que já foram abordados pelos senadores em encontros presenciais e por videoconferência com ele nas últimas duas semanas.
A Gazeta do Povo lista 13 dos principais pontos que deverão ser alvo da sabatina:
1. Questões éticas: acusações de plágio e relações de Kassio Nunes Marques com políticos
O desembargador será questionado sobre questões éticas como acusações de que turbinou seu currículo acadêmico ou que cometeu plágio em dissertações. Essas questões já foram esclarecidas pelo desembargador por meio de ofício aos senadores.
O relator da indicação de Kassio Nunes Marques na CCJ, o senador Eduardo Braga (MDB-AM), minimizou a polêmica em relatório preliminar sobre o indicado. “Ainda que se verificasse alguma inconsistência concreta – o que não ocorreu e admite-se apenas para argumentar – isso influiria muito pouco no exame dos requisitos constitucionais que adstringem esta Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania”, adiantou o parlamentar no relatório.
Outro ponto que deve ser esclarecido por Kassio Nunes Marques é a sua relação com políticos como o presidente do PP, o senador Ciro Nogueira (PI), ou o governador do Piauí, Wellington Dias (PT). “Há um ditado antigo em Brasília que diz que, quando a imprensa ultrapassa cinco nomes indicando como padrinhos de indicados, é porque realmente não consegue descobrir. Eu já detectei mais de oito pela imprensa”, defendeu-se Marques a senadores em um dos encontros com os parlamentares.
2. Prisão após decisão de segunda instância judicial
Questão tida como controversa tanto por parlamentares quanto pelo próprio Supremo, a prisão após condenação em segunda instância judicial deverá ser um dos temas centrais da sabatina do desembargador. Nas conversas informais com os senadores, o desembargador disse apenas que analisaria “caso a caso”, não deixando clara a posição quanto a essa questão.
No STF, os ministros que entendem ser possível a prisão em segunda instância são minoria. E, no Congresso, a PEC da Prisão em Segunda Instância ganhou fôlego após a soltura do traficante André do Rap.
3. Kassio Nunes Marques e a continuidade da Lava Jato
A continuidade das investigações é outro tema nevrálgico que será questionado pelos senadores – principalmente os ligados ao grupo “Muda Senado”, tidos como defensores da Lava Jato no Congresso Nacional.
Nas conversas informais com os senadores, chamadas de “beija mão”, Kassio Nunes Marques defendeu o combate à corrupção. Mas, “sem fulanizar uma operação ou outra”, o desembargador defendeu correções em procedimentos investigatórios, uma posição semelhante à do procurador-geral da República, Augusto Aras, em relação à Operação Lava Jato. É importante lembrar que senadores como Renan Calheiros (MDB-AL) também defendem freios em atos do Ministério Público Federal (MPF).
4. Pautas conservadoras
Membros da base do governo pretendem questionar Kassio Nunes Marques sobre sua visão pessoal relacionada à pauta de costumes (aborto, casamento entre pessoas do mesmo sexo, entre outras). Esse foi um dos pontos mais criticados dentro da base mais ideológica do Jair Bolsonaro – que ficou insatisfeita com a indicação do presidente.
Conservadores e integrantes do Planalto acreditam que, após a sabatina, é possível que a resistência da ala ideológica do governo diminua.
5. Inquérito das fake news e dos atos antidemocráticos
Na sabatina, os senadores também querem questionar o desembargador sobre a sua visão da legalidade do inquérito das fake news, instaurado por ofício pelo ministro do STF Alexandre de Moraes. Aliados de Bolsonaro criticam duramente a legalidade do processo, que teria sido instaurado, na visão deles, para perseguir bolsonaristas.
Outro ponto sensível ao bolsonarista que tende a ser alvo de questionamentos é sobre a investigação de atos antidemocráticos, também relatada por Moraes no STF. O inquérito envolve diretamente alguns dos apoiadores mais fiéis do presidente da República.
6. A visão de Kassio Nunes Marques sobre a suspeição de Moro
Como possível futuro integrante da segunda turma do STF, o Kassio Nunes Marques deverá ser questionado sobre o habeas corpus impetrado pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que tenta anular a condenação do petista no caso do triplex do Guarujá. A alegação de Lula é de que o então juiz Sergio Moro agiu de forma parcial no caso.
Apesar disso, a expectativa é que ele não se pronuncie sobre o assunto. Pela Lei Orgânica da Magistratura (Loman), um juiz não pode se manifestar sobre um caso concreto que ele possa a vir a analisar no futuro. Caso o faça, ele deve se considerar impedido de julgar esse processo.
7. O artigo 316 do Código de Processo Penal e o pacote anticrime de Moro
A soltura do traficante André do Rap por decisão do ministro do STF Marco Aurélio Mello desencadeou uma nova dúvida entre os senadores. Qual é a visão do desembargador Kassio Nunes Marques sobre a interpretação que o STF deu ao parágrafo 1º do artigo 316 do Código de Processo Penal? Foi com base nesse artigo, introduzido por parlamentares no pacote anticrime de Moro, que André do Rap foi solto.
Na semana passada, apesar de a lei falar em revisão de prisões temporárias a cada 90 dias, o plenário do STF entendeu que a revogação delas não é automática.
Além disso, o desembargador poderá vir a ser questionado sobre uma série de outros pontos do pacote anticrime aprovado no ano passado pelo Congresso Nacional. Os senadores vão querer saber se ele mudaria algo na proposta que virou lei no final de 2019.
8. Independência entre os três poderes e ativismo judicial
A decisão do ministro do STF Luís Roberto Barroso que determinou o afastamento temporário do senador Chico Rodrigues (DEM-RR), flagrado com R$ 33,1 mil na cueca durante uma operação da Polícia Federal (PF), suscitou dúvidas entre os senadores sobre a forma como Kassio Nunes Marques vai deliberar sobre casos semelhantes.
A jurisprudência do Supremo é clara ao determinar que medidas cautelares como essa precisam ter a anuência dos senadores – o que não ocorreu no caso de Chico Rodrigues.
Além disso, os senadores querem que o desembargador deixe claro sua posição sobre o chamado ativismo judicial, quando magistrados deferem decisões com base em convicções pessoais, e não fundamentadas em argumentos técnico/jurídicos.
9. Relações com o presidente Bolsonaro
As relações pessoais de um indicado ao Supremo com o presidente da República são questionamentos de praxe em qualquer sabatina. E isso não seria diferente com o desembargador Kassio Nunes Marques. Os senadores querem entender melhor como ele conheceu o presidente e qual o seu nível de proximidade com o chefe do Poder Executivo.
O desembargador afirmou que conheceu o presidente em 2018, quando buscava apoio por uma vaga ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
10. O inquérito sobre a interferência de Bolsonaro na PF
Outro ponto que deverá ser abordado na sabatina está relacionado às investigações sobre a suposta interferência política do presidente Bolsonaro na Polícia Federal, cujo inquérito estava nas mãos do ministro Celso de Mello, aposentado desde 13 de outubro. A investigação está parada e aguarda novo relator.
Os senadores devem questionar ao desembargador se ele é favorável a herdar a investigação, mesmo que isso faça com que, pela primeira vez, um ministro Supremo comande uma apuração contra o presidente que o indicou. Ou se ele acha que o caso deveria ser redistribuído a outro ministro.
Outra pergunta que deve ser feita pelos senadores é se ele acredita, ou não, que houve tentativa de interferência na PF conforme afirma o ex-ministro Sergio Moro.
11. A investigação contra Flávio Bolsonaro
Além disso, os senadores também devem questionar o desembargador sobre outro assunto de interesse da família Bolsonaro: a tese do “mandado cruzado”, que deve ser alvo de análise no plenário no STF e que beneficiaria diretamente um dos filhos do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), no inquérito das rachadinhas. xx Por essa tese do “mandato cruzado”, Flávio teria direito a foro privilegiado e não poderia ser investigado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) no caso das rachadinhas, que ocorreu na Assembleia Legislativa do estado.
12. Lagostas no STF e caso Battisti
Mais um ponto da sabatina diz respeito a decisões polêmicas proferidas pelo desembargador, como o fato de ele ter liberado a compra de lagostas pelo STF ou a sua manifestação no Tribunal Regional Federal que favoreceu o terrorista italiano Cesare Battisti.
Nos dois casos, o próprio presidente Bolsonaro já defendeu o seu indicado. Mas é provável que estas questões sejam novamente trazidas à tona durante a sabatina da CCJ.
13. As ideias de Kassio Nunes Marque para melhorar o Judiciário
No aspecto jurisdicional, Kassio Nunes Marques será incitado a se manifestar de que forma ele vai contribuir para melhorar a Justiça brasileira e como ele poderia ajudar a reduzir o volume de processos nos tribunais.
Marques é tido como um dos juízes mais produtivos do TRF-1 a partir da implementação de forças-tarefas de estagiários e pela adoção de decisões exatamente iguais para casos distintos, embora versando sobre temas semelhantes.
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